SÉTIMO DIA. 

Neeska ocupava-se em verificar se o abrigo improvisado que construíra para protegê-los do tempo estava firme, pois detestaria enfrentar de novo a chuva para recolocar a lona e todo o resto no lugar, como na noite anterior.

Dukat praticamente recuperado, sendo o frio ainda o maior de seus queixumes, espiou por um pequeno buraco na fuselagem da estrutura o tempo e desanimou-se. Voltou a deitar-se praguejando baixinho, pondo-se a pensar num modo de fazer contato com o mundo lá fora.

A Bajoriana entrou em silêncio no abrigo sentando-se próxima às pedras incandescentes, buscando aquecer suas mãos enregeladas.

- Logo vai anoitecer e as chances de mais chuva são grandes – informou finalmente, direcionando as palmas das mãos para a fonte artificial de calor.

- Quando é que vai trazer boas notícias para variar? – indagou irritado o frustrado militar.

A médica largou-lhe um olhar reprovador balançando a cabeça, provando o quão difícil estava sendo aquela relação.

- Estas são as boas notícias! Quer ouvir as más agora? – friccionou as mãos buscando aquecê-las e sem tirar os olhos dele despejou o relatório completo da situação – O nível do rio subiu cerca de meio metro desde ontem e se a chuva for intensa como promete corremos o sério risco de nos afogarmos neste buraco, sem falar que... Que não estamos sozinhos aqui... – revelou.

- O que disse? Como assim, não estamos sozinhos? - Perguntou curioso, encostando-se na parede do abrigo todo atenção.

- Ouvi barulho vindo lá de cima do buraco e fui verificar, mas a bruma não me deixou enxergar muito longe. Contudo percebi que uma das caixas de rações que eu havia deixado para pegar mais tarde desapareceu.

Dukat refletiu levando a mão ao rosto, acariciando as estrias salientes de seu queixo.

- Provavelmente algum animal preso conosco neste charco, sem dúvida.

- Animal sim, mas não um. Uma matilha de horricats[1].

 

- Tem certeza? – inquiriu preocupado, olhando firme a médica, recordando-se de que certa vez vira um soldado sob seu comando ter o braço desmembrado por um horricat e, pelo que soubera depois de abatê-lo, aquele tinha sido somente um filhote.

- Absoluta – meneando a cabeça, confirmando suas suspeitas - As pegadas dão conta de pelo menos cinco deles.  Some-se a isto que estamos no período das grandes K’ran, eles estão presos aqui assim como nós e presumo que estejam famintos, e já sabe que estão farejando nossa pista, por assim dizer.

Num gesto automático Dukat começou a levantar-se, recebendo os protestos de Anarys ao entender quais eram suas intenções.

- Onde pensa que vai?

- Certificar-me de nossa segurança.

- Ficou louco? Mal consegue ficar de pé! Seria presa fácil lá em cima! - explodiu, obrigando o oficial a voltar para debaixo das cobertas – Seu ferimento ainda não sarou o suficiente, os horricats só precisam farejar seu sangue para descobrir onde estamos exatamente.

- Doutora, se acha que vou ficar aqui parado esperando para servir de repasto para uma matilha faminta de horricats está enganada!  Além do quê, – continuou - preciso buscar algo nos destroços que pode nos ajudar a sair daqui!

- Que história é esta? Pensei ter ouvido dizer que todo o sistema de comunicação da nave avariou-se antes mesmo de caírem aqui!

- Exato, mas lembrei-me de que bem abaixo do painel que monitora o fluxo das naceles da nave existe um pequeno dispositivo de carga iônica que, se estiver funcional, sendo devidamente ajustado ao seu bioscanner e ao meu comunicador pessoal, poderia emitir um sinal de socorro e nos tirar deste buraco gelado!

A Bajoriana ainda com o dedo em riste junto ao nariz do Cardassiano refletiu para finalmente decidir-se:

- Diga-me como se parece este dispositivo e eu o trago para você.

- Agora quem é o louco aqui? – moveu a cabeça em sinal de desagrado.

- Não se trata de loucura e sim de condições físicas.  Não há tempo para o seu machismo idiota – refletiu por um segundo – Ouça, Dukat, não me agrada nem um pouco a idéia de ir lá em cima e dar de cara com a matilha inteira, mas não temos escolha, a menos que tenha uma idéia melhor, estou aberta a sugestões, caso contrário assunto encerrado!

O Cardassiano não tinha com o que argumentar, se quisessem sair dali teria que ser do jeito dela, pelo menos desta vez. Dukat fitou-a, concordando a contragosto.

- Então será do seu jeito... – e seguiu-se uma explicação de como a doutora deveria proceder para reaver o dispositivo.

 


[1] Felino selvagem similar ao tigre terrestre de presas enormes.

 

Sobreviventes do Preconceito

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