O
TEMPO AINDA estava
enfarruscado, mas pelo menos o vento amainara e a chuva dera uma
trégua naquela manhã, embora não se pudesse dizer o mesmo do
frio. Neeska
providenciou uma reduzida refeição matinal com as rações que
conseguira pegar dos destroços do veículo transportador.
“Rações
Cardassianas... Se não estivesse tão faminta passaria muito bem
sem elas!” – pensou, fazendo cara de asco enquanto usava o
feiser para esquentar um pouco de fasrushss
Anarys
não se dera conta de que era observada há algum tempo pelo
tulgryn.
-
Já acordado? – perguntou, ao perceber que era objeto da atenção
do Cardassiano, voltando em seguida a cuidar da sopa que exalava
um odor desagradável demais para seu gosto.
-
O aroma da refeição me despertou.
-
Por que será que não me surpreendo?
-
Estou faminto.
-
Aceito isto como uma melhora em seu quadro clínico. Como passou a noite? – indagou com interesse médico,
decidindo que o caldo ainda não se encontrava quente o bastante.
-
Bem. Agradavelmente aquecido, eu diria – respondeu tentando
ajeitar-se melhor debaixo das cobertas para em seguida começar
seu jogo favorito, o de irritar a mulher.
-
Espero que a recíproca seja verdadeira apesar do mal-entendido da
noite passada.
Neeska
olhou por cima do ombro na direção de seu interlocutor sacudindo
levemente a cabeça, prometendo a si mesma que se esforçaria para
não se deixar levar por suas provocações.
Ajudou-o a sentar-se e aproveitou para ministrar-lhe o
dermogel nas queimaduras, principalmente nas costas e braços, sem
se descuidar de mantê-lo aquecido. Trocou os curativos do peito
bem como o da garganta, onde fora feita a traqueotomia.
Por todo o processo medicamentoso era sempre acompanhada
pelo olhar atento de um Dukat surpreendentemente passivo e quieto.
Tinha
que admitir que a recuperação de seu paciente progredia a passos
largos. Aliás, isso não a surpreendia; por experiência sabia
que era coisa comum entre Cardassianos saudáveis. Como gostaria
de ter podido aprofundar seus conhecimentos em xenofisiologia. Mas
com a ocupação de Bajor isso se tornara impossível. Toda e qualquer informação requerida por Bajorianos passava
pelo crivo de seus opressores. A burocracia proposital era tamanha
que desanimava qualquer um.
Retornou
com o desjejum e observava silenciosamente o Cardassiano saborear
com grande satisfação a sopa quente.
-
Não sei como conseguem ingerir isto! – disse girando o caldo
dentro da sua própria caneca, procurando retardar o inevitável.
Após
sorver mais um gole da sopa, Dukat se manifestou.
-
Admito que qualquer alimento transformado em ração perde muito
suas propriedades degustativas, tornando-se intragável para a
maioria, mas tudo é uma questão de costume.
-
Ou necessidade – entornou goela abaixo de uma só vez a sopa sob
o olhar divertido do militar que não deixou de notar a cara feia
e o esforço que ela fazia para não cuspir o caldo.
-
Ora, doutora, surpreende-me este seu comportamento. Afinal é público
e notório que vocês Bajorianos não são muito exigentes no
tocante à alimentação. Prova
disto é a sua culinária pobre, insipiente, desprovida de
qualquer criatividade e requinte.
Veja como exemplo...
A
médica esforçava-se em dar atenção ao assunto, quando uma onda
de náusea a colheu de súbito. Levantou-se abruptamente levando a
mão à boca largando a caneca próxima a Dukat, que, encantado
por sua própria voz, ainda tecia comparações entre as cozinhas
Cardassiana e Bajoriana, enquanto ela corria para fora do abrigo
em direção ao banheiro improvisado, a fim de aliviar seu estômago
revirado.
-
Doutora, precisa de ajuda? – perguntou, falseando alguma
preocupação ao notar de que não era o centro das atenções.
-
DEIXE-ME EM PAZ... – Exclamou, seguindo um sonoro engulho.
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