Epílogo
Horas
depois, o entardecer já não era aquilo que Cristina Stel tinha
na visão de sua janela. O escuro perfil do lado negro da Lua era
tudo o que ocupava grande parte da visão frontal do Runabout,
pontilhado aqui e ali pelas luzes das colônias abaixo.
Uma recepção oficial
estava pronta para a primeira aparição pública do vencedor do
cargo principal em disputa, e a movimentação já era grande no
Centro de Convenções Shepard, um anexo do Eternal Season, um dos
grandes hotéis de Nova Berlim.
A Embaixadora-Eleita
havia terminado de se arrumar fazia algumas horas, e estava usando
agora um vestido longo para noite que era um pouco mais
conservador do que o seu guarda-roupa costumeiro, mas que ainda
assim sublinhava de maneira exorbitante a sua beleza. Não havia
muito que fazer enquanto não chegasse a hora de ela mesma se
juntar à cerimônia, por isto preferiu ficar na nave até o
momento que fosse preciso. No meio tempo, procurava repassar
alguns pontos de seu discurso em um padd. Os demais membros de seu
staff, com exceção de Tolia, já haviam descido para o Centro
Shepard, juntamente com Eduardo Parker e os seus filhos.
A
Betazóide estava procurando manter a atenção em um padd, quando
Tolia se aproximou dela. - Há alguém aqui para vê-la. – Tolia
disse, enquanto abria caminho para um homem atrás dela.
- Vá indo na frente,
Tolia – Stel disse, se levantando de sua poltrona na cabine
principal do Runabout, e colocar o padd no topo de um console. –
Eu desço logo em seguida. – Com isto, a Boliana seguiu para o
teleporte, e foi a última a deixar a nave antes da própria Stel.
- Embaixadora, - Timothy
Duke disse, abaixando levemente a cabeça.
- Embaixador, -
respondeu Stel, sorrindo levemente pela maneira que ele escolheu
se dirigir a ela. Ainda não era formal, mas o humano havia feito
sua escolha.
- Eu estava pela
vizinhança, por assim dizer. – Duke afirmou. Não era algo que
ele considerava irônico, o fato de que aquela cerimônia se dava
bem ali em Nova Berlim; não, ele sabia muito bem a razão pela
qual aquele local havia sido escolhido, pois Terawaki havia usado
alguns contatos seus para sugerir ao Departamento Eleitoral que a
cerimônia fosse ali. – Pensei que uma visita de cortesia seria
algo que ambos pudéssemos aproveitar.
- Gentil de sua parte,
Embaixador, - Stel disse, com um tom neutro, mas que era sincero.
Duke não era muito conhecido por dar facilmente o braço a
torcer, mas quando o fazia, era porque reconhecia que havia algo
de especial no seu oponente.
- Que coisa, não? Eu
sugeri a você não dar um tiro no pé, mas apesar disto...
- Não seguiu seu próprio
conselho. – ela procurou completar a frase de Duke.
- Confesso que fiquei na
dúvida... o que fazer, afinal? Seguir meus princípios ou seguir
a lógica? Nós humanos, temos nossa própria lógi... bem, nós
humanóides, quero dizer. Você sabe, Stel.
Ela sorriu – Sim, eu
entendo o que quer dizer. Vícios são difíceis de se evitar. –
Duke pareceu pensar um pouco antes de voltar a falar com ela, e
nisto, mudou um pouco o foco.
- Bom, eu imagino que a
cadeira vai ter uma ocupante realmente preocupada em usá-la com
propriedade. Certamente você não vai ter falta de assunto para
tratar. Todas estas suas propostas de reforma, mais os problemas
do dia-a-dia do Conselho...
- E também procurar
injetar mais diplomacia no que restou do conflito em Chin'toka...
– Stel acrescentou. Desde o final da operação de resgate,
meses atrás, o governo Cardassiano vinha conseguindo controlar a
situação, e parece que no momento Trovez já não mais podia
chamar o que ainda controlava de uma aliança. Contudo, ele ainda
estava em posição de complicar a estabilidade da União
Cardassiana, então a matéria estava longe de estar finalizada, e
a Federação não tinha muito como tirar o corpo fora.
- Você vai descobrir,
Stel, que vai ter que se policiar muito para não cometer os vícios
os quais alega que tive. Mas na verdade... bem, talvez você
esteja certa. Eu realmente tenho alguns. Talvez nada intencional,
certo... mas muitas vezes agi como se as coisas sempre fossem como
os humanos gostam que elas sejam, como elas sempre têm sido. –
Duke se apóia levemente no encosto de uma das poltronas de
pilotagem do runabout, e fica fitando a janela, com um olhar vago.
- Nós tomamos demais muitas coisas por padrão...
E o Embaixador ficou
mais um pouco ali, em silêncio, na parte traseira das poltronas
de pilotagem do runabout, cuja cabine estava vazia –- Vortik
havia pilotado pessoalmente a nave, e já havia descido. O
runabout estava completando mais uma órbita lunar, já deixando
para trás o lado escuro da Lua, e se aproximando de estar
geoestaticamente acima de Nova Berlim.
Na janela, o cinzento e
negro perfil do horizonte lunar era tudo o que ocupava boa parte
da visão, abaixo da escuridão do espaço pontilhado de estrelas.
E detrás deste horizonte, algo maior começou a surgir.
A
Terra estava nascendo.
O humano e a Betazóide
olhavam em silêncio para a vista, enquanto o runabout continuava
a suavemente avançar na órbita. O globo com seus tons de azul,
branco e verde continuava a surgir calmamente detrás da iluminada
superfície de seu satélite, com os raios solares criando sombras
nas bordas das crateras, deixando a superfície lunar ora bem
clara, e ora bastante escura. E detrás destes contrastes, surgia
o planeta do satélite, um disco em tonalidades verde, branco e
azul.
- Por exemplo... como
deve ter sido para eles? – Duke continuou, fazendo um gesto leve
na direção da janela. – Quando viram isto?
Duke esticou seus braços,
com suas mãos abertas como se segurasse a esfera que se levantava
detrás da paisagem lunar. - Quero dizer, isto que hoje estamos tão
acostumados a observar isto, tanto que acabamos nos entediando...
aceitamos por padrão. Mas como deve ter sido para Borman, para
Lovell, e Anders, ao verem tal panorama? – Duke continuava
fitando o nascer da Terra, a mesma visão que os astronautas da
Apollo 8, os quais citou, viram cerca de quatrocentos anos antes,
os primeiros seres humanos a terem tido tal oportunidade. Ambos,
Duke e Stel, continuavam ali, observando calmamente a paisagem
propiciada pelo runabout continuar suavemente mais uma órbita.
- Acho que perdemos esta
simplicidade de ver as coisas, e aceitamos tudo demais por padrão.
Eu aceitei tudo demais por padrão. – Duke finalmente disse.
Stel não adicionou nada em particular a estes últimos comentários
de Duke. Apenas continuou a refletir sobre aquilo tudo, sobre a
simplicidade da cena, e a complexidade da situação que ambos ali
tinham que conduzir.
- E da tripulação
da Apollo 8, nós encerramos com um boa-noite, boa sorte, um feliz
natal, e que Deus abençoe todos vocês... todos vocês na boa
Terra. – A Embaixadora eleita apenas citou a frase de Frank
Borman, no natal de 1968, sem realmente intencionar alguma ironia
em particular para Duke, mas também sem se incomodar caso
houvesse uma ali, particularmente sobre despedidas.
- É... todos vocês na
Terra... – Duke repetiu suavemente, enquanto se afastava para a
traseira do runabout, na direção do teleporte.
Em um dos monitores
LCARS daquela área do Runabout, estava uma transmissão de vídeo
da cerimônia ocorrendo abaixo. Delegações de diversas regiões
da Terra e do Setor 001 estavam presentes, aglomeradas no meio do
paço principal, e a frente de um grande palanque com as bandeiras
da Terra e da Federação, penduradas lado a lado, além de uma
exuberante decoração. De uma maneira geral, a cerimônia de
apresentação pública do vencedor de uma eleição havia se
tornado o único evento de eleições na Terra o qual mantinha o
estilo de "campanha de rua" típico de eleições até o
início do século 22.
Naquele momento em
particular, a vista do vídeo mostrava o staff de Stel reunido na
parte detrás do palanque, perto do acesso para se chegar ao
podium de discurso, um palanque de madeira com o brasão da Federação
à frente. David se adiantou dos demais, e passou pelo grupo de
pessoas que também estava ali, como membros do Comitê Eleitoral,
da Assembléia-Geral e de outras instituições relacionadas, e se
aproximou do palanque.
- Muito bem, senhoras e
senhores, o momento que aguardavam, - o humano começou a
pronunciar, sua voz soando forte entre a gritaria e a música
tocando. – Irá agora ter acesso a este palanque a pessoa a qual
escolheram, a sua nova Embaixadora do planeta Terra no Conselho da
Federação de Planetas Unidos, Cristina Stel!
A salva de palmas
combinou-se com os primeiros acordes da melodia de uma música que
David fizera questão de pessoalmente escolher para a ocasião, Hail
to the Chief, e que há muito tempo não era mais usada para
anunciar a entrada de autoridades, mas que ele havia dito para
Stel que, já que Duke considerava tanto aquele cargo como uma espécie
de presidência da Terra, ele que a aturasse entrar ali sob aquela
música. A Betazóide não levava aquilo a sério, claro –- era
apenas mais uma das típicas piadas sutis que ele gostava de
fazer.
Stel ajeitou um pouco o
seu longo vestido, para subir o par de degraus do pad do teleporte
do runabout, o qual iria transmiti-la para o início da escada até
o palanque, e ficou na posição de transporte, o qual o
computador iria ativar. Duke fez o mesmo, depois de instruir o
computador a enviá-lo para a sua casa em Nova Berlim. O
computador alinhou os dados e estava pronto para iniciar a operação.
E os dois estavam ali agora, lado a lado no pad. Duke virou sua
cabeça para o lado, na direção da Betazóide.
- Agora... apesar de
qualquer coisa que eu diga, você deve estar se perguntando por
que, não? Por que ele agiu desta maneira que agiu, por que ele se
permitiu baixar a guarda na eleição em nome de uma teimosia em
querer as coisas do jeito dele. Porque o tiro no próprio pé. –
o Embaixador disse. – Enfim, o porquê de tudo isto, destas
coisas...
O zunido do teleporte
começara.
- Eu jamais poderia te
dizer, mas talvez você possa um dia descobrir.
Embutido no típico
efeito do teleporte começando a desmaterializar suas moléculas e
as transmitir para outra localidade, Stel sentiu algo mais, de
Duke. Não apenas uma sensação emotiva, pois isto ela sempre foi
capaz de sentir. Algo mais profundo, como pensamentos conscientes,
os quais ele sempre habilmente manteve para si. Mas agora... tal
fluxo parecia existir pela vontade própria de Duke... ou não?
Stel não estava certa de si mesma, pois nem sabia ao certo o que
aquilo que estava captando era exatamente, com o fato agravante
que a sensação da desmaterialização parecia nebular a sua
percepção telepática.
Mas havia algo sendo
gerido, ali. Fragmentos de imagens, sons, o que parecia ser
informação desconexa e aleatória. Mas seria mesmo?
<Lembre-se.> -
Esta afirmação que parecia fechar aquela onda sensitiva foi algo
que a Betazóide pôde captar claramente, embora de maneira fraca.
Stel virou bruscamente o seu rosto na direção do de Duke, que
também olhava para ela, com uma expressão tranqüila. Mas a face
de ambos já estava translúcida pelo processo de transporte.
E com isto, finalizado o processo de transporte, ambos
foram transmitidos para seus destinos.
|