Capítulo 6 – Primeiros Contatos

O shuttle classe dois vindo da USS Sagan mal havia pousado ao lado do hangar, e uma equipe de seis homens se aproximou. O local em que se encontravam era a sede da Secretaria de Exploração Espacial da Federação, instalada no complexo em Houston que outrora fora conhecido como o Centro Espacial Johnson. A tripulação do shuttle o manobrou até uma das áreas de descarga do hangar, onde a equipe de Terra havia posicionado um hovercar para transporte de carga. Assim que a manobra terminou, a tripulação de dois oficiais da Sagan e a equipe da Secretaria de Exploração começaram a descarregar os seis contêiners contendo inúmeros artefatos alienígenas. O transporte havia sido feito por shuttle devido a algumas daquelas peças aparentemente serem feitas de algum composto que não reagia bem a teleporte, ficando com sua estrutura molecular muito fragilizada. A tripulação da Sagan havia perdido duas estátuas devido a este fator; uma quando da primeira tentativa de teleporte para bordo da Sagan, e a outra em algumas tentativas de se determinar as razões desta fragilidade à teleportagem. De qualquer forma, os laboratórios na Terra iriam ter mais recursos para encontrar uma calibração adequada para se ajustar o teleporte para aquele tipo de material recentemente descoberto.

Os seis contêineres foram então levados para o Edifício James T. Kirk, parte do complexo da SecExp, onde estava instalada a Agência de Monitoração de Espécies Subdobra, ou AMS, o órgão da Secretaria de Exploração Espacial encarregado do estudo, acompanhamento e monitoramento de civilizações pré-dobra existentes na região do espaço da Federação e em suas proximidades. A AMS, juntamente com a Frota Estelar, também era a responsável pela coordenação dos processos de Primeiro Contato com aquelas civilizações que demonstravam estarem prontas para tal evento. E aqueles artefatos que estavam sendo transportados no momento faziam parte dos resultados de mais um destes primeiro contatos.

O hovercar passou por diversos outros edifícios da Secretaria, alguns deles datando ainda da época em que aquelas instalações eram parte da antiga NASA. Assim que o hovercar chegou ao Edifício Kirk, os artefatos foram então descarregados na principal área de triagem e avaliação da AMS, onde dezenas de acadêmicos da Federação, dos mais diversos campos de conhecimento, se preparavam para um estudo profundo dos artefatos, bem como de todas as demais informações obtidas pelas equipes de campo que realizaram aquele Primeiro Contato.

A equipe de campo em questão também estava presente, tendo vindo com a USS Sagan, a nave que serviu de centro de comando e controle para o Primeiro Contato. Em uma das salas de reuniões do edifício, eles todos estavam reunidos no momento com Raquel Trajina, a Secretária de Exploração Espacial, com Steve Qriton, o Rigeliano que era o Diretor da AMS, e alguns outros oficiais da Frota Estelar, incluindo a Capitão Sabrina Stuart, oficial-comandante da USS Sagan. Todo este pessoal estava no momento realizando o debriefing principal do Primeiro Contato, que realizou a apresentação oficial da Federação de Planetas Unidos para a espécie Akali, uma civilização em um sistema estelar a 78 anos-luz da Terra.

Faltando apenas alguns instantes para os trabalhos começarem, o representante do Conselho da Federação finalmente chegou. Timothy Duke entrou na sala, e rapidamente começou a cumprimentar todos ali, que estavam espalhados pelo recinto, conversando. O Embaixador dava um pouco mais de atenção em cumprimentar aqueles que ele ainda não conhecia, mas uma dos que o Embaixador já conhecia, Raquel Trajina, não parecia especialmente satisfeita em encontrá-lo.

Trajina percebeu que Duke estava acompanhado de Terawaki, e de outro de seus assessores que ela não saiba quem era. Ela se aproximou de Duke, que ainda estava falando com o Diretor Qriton. – Duke, meu caro, - ela disse. – O que está fazendo aqui? Onde está Kylan? - A Secretária de Exploração se referia ao Embaixador Klaestroniano, que havia sido encarregado pelo Conselho de ser o representante deste órgão da Federação nos trabalhos pós-contato.

- Houve um imprevisto, Trajina, - Duke respondeu, sorrindo levemente. – Kylan teve que ir às pressas até Klaestron para resolver alguns assuntos que surgiram lá, e o Conselho me encarregou de o substituí-lo. Não faça esta cara, - Duke falava enquanto se afastava de Trajina, para ir cumprimentar a Capitão Stuart. – Você sabe perfeitamente que eu estou mais do que habilitado para acompanhar este tipo de tarefa.

Substituir, pensou Trajina, ainda sem desfazer a "cara" a qual Duke disse com que ela estava. Ela podia muito bem imaginar que tipo de conchavo que Duke deve ter armado com Kylan para convencê-lo a ter que ir para o seu planeta-natal, e assim ceder a Duke a chance de ser o Embaixador a levar oficialmente as credenciais diplomáticas dos Akalis para o Conselho da Federação. E desta forma, ser o Embaixador encarregado de recepcionar a primeira comitiva Akali que eventualmente viria visitar a Federação.

Primeiro ele assegurou para si os trabalhos do ingresso de Bajor na Federação, depois meteu o bedelho no escarcéu que os Romulanos criaram devido às declarações de Stel, e agora isto, Trajina continuou a pensar. Era até mesmo uma audácia de Duke vir querer tirar uma casquinha dos esforços de sua Secretaria e da AMS. Afinal de contas, fora Duke um dos responsáveis por aquele departamento passar por uma situação extremamente constrangedora alguns anos antes, quando alguns funcionários seus da AMS tiveram que ser designados para trabalhar com alguns oficiais da Frota em uma missão secreta em Ba'ku. A polêmica toda que seguiu-se à crise em Ba'ku afetou a reputação da agência, pois em todo o período de observação não se conseguiu determinar que os Ba'ku já eram uma espécie que possuía capacidade de dobra, embora eles não a utilizassem. Foi uma mancada considerável, pois era uma informação fundamental a se conhecer sobre qualquer espécie. Mas todo o clima de segredo e restrições em que o Conselho e o Almirante Dougherty envolveram o projeto acabou minando a eficiência de seu pessoal, além é claro de os obrigar a trabalharem com aquele bando de salafrários que eram os Son'a; a coisa toda só pode ter acabado da maneira que acabou, realmente. Os comitês de investigação do Conselho apontaram para inúmeras falhas e erros no processo todo, mas "convenientemente" parecem ter se esquecido de que foram eles mesmos, Duke incluído, quem aprovaram a idéia inicial de se trabalhar com os Son'a com a intenção de se estudar as propriedades medicinais do mundo Ba'ku.

Ela, contudo, não queria se preocupar demais com aquelas questões políticas no momento. Havia bastante trabalho a ser feito, trabalho este que envolvia todas as questões básicas de um Primeiro Contato com todas as suas peculiaridades. Estas peculiaridades sempre são bastante imprevisíveis, pois é algo até natural de se esperar quando uma civilização inteira descobre que não está nem um pouco sozinha na galáxia. Trajina se dirigiu ao seu lugar na mesa principal, seguida pelos demais, e deu início aos trabalhos. A primeira parte da reunião sempre é utilizada para se debater sobre como foi o procedimento de Primeiro Contato propriamente dito, se discutindo aspectos como reação inicial da espécie, receptividade ao pessoal da Federação, intenções iniciais da espécie frente ao fato de descobrirem uma civilização alienígenasígena, e coisas do tipo. Os contatos com os Akalis foram bastante amigáveis. Embora a AMS já viesse acompanhando esta espécie há um certo tempo, o Primeiro Contato propriamente dito teve que ser antecipado em alguns meses, pois como alguns operadores da AMS descobriram, a segunda bateria de testes do protótipo da nave de dobra dos Akalis iria levá-los para um dos sistemas estelares vizinhos ao deles, exatamente onde a Frota Estelar tem várias estações de comunicação. Portanto, a recomendação da agência foi que se prosseguissem com o Primeiro Contato antes que os Akalis descobrissem por si mesmos este fato, o que poderia gerar mal entendidos.

Todo o Primeiro Contato tem suas particularidades, e este não foi diferente, como o grupo reunido ali pode constatar. Cerca de duzentos anos antes, a nave da Terra Enterprise, sob o comando de Jonathan Archer, já esteve estudando os Akalis antes, quando eles ainda estavam em uma fase pré-industrial. Archer conseguiu encerrar uma nociva interferência de uma terceira espécie alienígenas nos Akalis, mas no processo uma nativa do planeta acabou por descobrir a natureza alienígenas de Archer e seu grupo. "Proto Primeiros Contatos" como este não são incomuns na história, sobretudo nos séculos 21 e 22, e, ao menos neste caso, nenhum tipo de contaminação cultural grande ocorreu, gerando apenas algumas lendas esparsas na cultura Akali. Lendas das quais os Akalis finalmente tiveram a oportunidade de conhecer as reais origens.

Durante a reunião, Trajina notou que Duke se mantinha admiravelmente contido, por assim dizer. Ela esperava que ele fosse encrispar mais sobre qualquer pequeno detalhe do contato, mas ele não fez isto mais do que um par de vezes. Trajina sabe que Duke é um dos inúmeros defensores do conceito do Primeiro Contato, ainda que somente no que diz respeito à maneira pela qual esta política existe. Ele mesmo participar de alguma forma do trabalho é algo que ele nunca fez questão alguma, até agora, claro... e por seus motivos particulares.

Bem, certamente isto ao menos é melhor do que Writek Zirot considera. Na opinião dele, o Primeiro Contato não é nada mais do que imperialismo disfarçado, um movimento da Federação para conquistar corações e mentes de civilizações que mal estão se aventurando no espaço profundo. Certamente é uma posição equivocada, mas nada estranho em se tratando de Zirot, um comunitário que sempre advogou por uma Federação mais contida dentro de si, que deveria procurar desenvolver mais as colônias que cria, no lugar de tentar agregar toda e qualquer civilização como membro.

Trajina pensou por naquelas questões por mais alguns instantes, até o momento em que o debriefing inicial se encerrou. Deste ponto em diante, os diversos especialistas e acadêmicos iriam agora discutir entre si sobre os aspectos da cultura Akali no que dizia respeito às suas áreas particulares de conhecimento. O grupo então se dispersou, com o pessoal de campo da AMS e da Frota acompanhando os acadêmicos para os locais onde as demais reuniões e análises do material dos Akalis iriam ocorrer. Duke e os demais conversaram entre si mais alguns pontos enquanto se despediam, e, antes de sair, o Embaixador não se incomodou muito em dispensar pouca atenção a Trajina, o que não pareceu incomodá-la. Ela não estava muito disposta mesmo a ter que dar ainda mais cortesia diplomática para Duke, não importa se ele era ou não um dos braços direitos do Presidente. Algo que poderia mudar logo, e para melhor.

Hum... acho que uma visitinha informal a Stel não faria mal algum... - A Secretária de Exploração Espacial pensou consigo mesma, e se retirou da sala de reuniões na direção do hangar principal.

 

# # # #

 

O tráfego de passageiros embarcando nos Airtrans com destino a Long Island e o norte do estado de Nova Iorque estava aumentando, mas no momento a Grand Central Station ainda não tinha o seu pico de movimento do dia. Não que este pico tornasse o trânsito pelo local insuportável, claro. O início e final dos horários de trabalho na cidade variavam bastante, o que fazia com que não houvesse realmente uma hora do rush no sentido antigo da palavra. Mas como a Grand Central servia de hub para as pessoas que estavam se dirigindo para o norte da Nova Inglaterra e o Canadá, o movimento sempre era maior em determinados horários.

David e Marcos, contudo, não se encontravam ali para transporte, fosse por airtram ou teleporte. Eles sempre freqüentavam o Bolarus' Blues, um bar Boliano instalado em uma das áreas de restaurantes da Grand Central. Geralmente ambos passavam algumas horas ali depois de saírem de alguns dos longos períodos de trabalho na Assembléia Geral, e desta vez não era diferente. Marcos já se encontrava ali fazia alguns minutos, quando David chegou. Ele retirou o chapéu fedora e sua capa, um sóbrio modelo aberto e sem bolsos, e os entregou para o chapeleiro. Alguns garçons transitavam pelas mesas com bebidas, enquanto uma felinóide no palco cantava um arranjo em jazz Ktariano de These Boots are Made for Walking.

- Eu realmente não sei como você agüenta beber isto. - David disse, sentando-se na banqueta ao lado de Marcus, no balcão do bar. Marcus terminou seu gole e recolocou a garrafa de D'ff novamente no balcão.

- É melhor beber enquanto eles ainda não a tornaram ilegal novamente. - Marcus apenas respondeu, sorrindo levemente. David fez uma expressão indignada.

- Você está brincando...!

- Ora, pergunte para o Ben Warmet, - ele respondeu, se referindo ao amigo comum deles dois, um funcionário da Secretaria de Abastecimento da Federação. - Ele mesmo está tendo que preparar a documentação para o Conselho sancionar isto no mês que vem. - Marcus se referia ao projeto de lei que tornaria a cerveja Romulana novamente ilegal para se consumir na Federação. Alguns anos antes, o banimento desta bebida havia sido suspenso, em nome da aliança Federação-Romulana na Guerra Dominion. Com esta vencida, aparentemente o Conselho não via mais com bons olhos algo que este órgão mesmo havia sancionado.

Tão logo Rtriow, o barman Antoniano, trouxe a Silven Surprise que David pedira, ele tomou um gole. - Caceta... eu gostaria de saber se o Conselho não tem nada melhor para fazer a não ser legislar sobre frivolidades.

- Ora ilegaliza, ora legaliza, ora ilegaliza de novo... - Marcus respondeu, confirmando que concordava com o ponto de vista de David sobre a aparente indecisão eterna da Federação sobre se libera ou não o consumo de uma bebida que, fosse como fosse, era razoavelmente popular entre seus cidadãos.

Marcus olhou para o monitor LCARS instalado no fim do balcão, a alguns passos deles dois. No canto superior esquerdo ele pôde ver o horário, quatro para as sete. - Então, ele já te transmitiu os dados? - Marcus perguntou, mas sabia o que David iria dizer.

- Como se você não o conhecesse, - ele apenas respondeu, rindo levemente. Ambos conversaram sobre alguns assuntos pessoais por mais alguns minutos, até que David retirou um pequeno padd de seu bolso.

- Três, dois, um... - Marcus disse, olhando novamente para o relógio no painel LCARS, que agora mostrava serem sete horas cravadas. O padd na mão de David soou um beep intermitente, indicando que havia recebido um upload de dados criptografados.

- Eu imagino que Vortik deve ter nascido em órbita de um pulsar, - Marcus comentou a Vulcana pontualidade do colega deles, enquanto David já dava uma olhada nos dados transmitidos pelo Vulcano. Depois de alguns segundos, Marcus se virou para ele.

- E...

- E dê uma olhada você mesmo, - David desanimadamente entregou o padd para Marcus, aproveitando para tomar outro gole de sua bebida. Marcus olhou para os dados. O relatório continha a tabulação mais recente das pesquisas de intenção de voto para a eleição. E o quadro não era nada rosado para Stel. Na primeira seqüência, Duke estava com folgados 64 por cento das intenções de votos, enquanto a Senadora estava empacada com cerca de 13 por cento, acompanhada de perto por Writek Zirot, que também tinha quase 12 por cento, enquanto Ronaldo Triev e Willian Duarte ficavam com números abaixo de dez por cento. Nas segundas e terceiras seqüências a coisa melhorava um pouco, com Stel estando na frente de Duke em ambos: 45 por cento contra 13 do Embaixador na segunda, e 55 por cento contra 30 na terceira. O relatório continuava por mais algumas páginas, detalhando resultados por faixas etárias, espécies, regiões e outros atributos.

Mas estes números todos faziam com que no final das contas a eleição fosse ganha pelo Embaixador Duke, com um placar de 41 por cento contra 30 em seu favor. A forte posição de Duke em votos de primeira seqüência assegurava-lhe este resultado. Marcus e David concordavam plenamente que treze por cento na primeira seqüência era um número totalmente inaceitável, que eliminava completamente qualquer vantagem que eles podiam estar tendo nas demais seqüências, uma vez que o peso da primeira seqüência era de vezes três.

Marcus adquiriu a mesma face desanimada de seu colega, e lhe retornou o padd. - É... todo mundo parece comentar muito bem sobre nossa garota, mas não muitos estão dispostos a apostar nela logo de cara. Só isto pode explicar estarmos tão baixo na primeira, mas na frente na segunda e terceiras.

- Vários outros progressistas já enfrentaram o mesmo problema antes, Marcus, você sabe disto.

- E nem todos conseguiram resolver este problema, você também sabe disto. As vezes, é preferível você deixar o seu lado progressivo para desabrochar depois da eleição, com calma. - Marcus comeu algumas castanhas do Pará, que estavam em uma pequena tigela entre ele e David, e continuou. - Não lhe parece óbvio, David? Esta agressividade toda em que temos vindo não está dando os resultados que esperávamos que dessem. Os eleitores simplesmente não estão prontos para uma sacudida boa, ao menos não para o tipo de sacudida que Cris vem advogando.

- Pode ser, - David respondeu. - Pode ser. Mas estamos ainda no início, e eu acredito que... o efeito, vamos dizer, desta nossa estratégia ainda vai ser sentido. As coisas ainda não assentaram totalmente, os eleitores ainda precisam absorver o que Cris tem debatido. Duke está com esta bola toda apenas porque ele representa algo familiar para o público. Só precisamos mostrar que somos uma alternativa tão viável como segura. - David sabia que seu colega sempre preferia ver as coisas por um prisma pessimista. Ele tinha uma frase que David gostava muito. Marcus sempre dizia que Eu sempre vou pela pior hipótese. Pois se a pior hipótese for na verdade uma hipótese até razoável, então ela é na verdade uma boa hipótese.

David tomou mais um pouco de sua bebida e continuou. - Como você sabe, estamos ainda com o padd cheio de pontos para discussão para mantermos a campanha na ofensiva... você sabe que Cris tem mesmo um "q" a mais para tornar até o mais inofensivo tema em um debate bem feito.

- Realmente espero que seja o caso, - Marcus disse. - Meio que como as coisas piorarem antes de melhorarem. Afinal de contas, ainda temos algum tempo para revertermos o quadro. - ele é claro estava também sendo cauteloso na questão de tempo. Pois por "algum tempo", ele se referia aos quatro meses que os separavam ainda da eleição, uma vez que ainda era o final de janeiro, e a eleição iria ocorrer em julho.

- Com alguns ajustes, é certo que sim. - David lhe respondeu. - Os eleitores estão nos considerando como uma alternativa interessante, mas querem ainda continuar com a familiaridade que Duke representa. E afinal de contas, não tem jeito, - ele disse, decidido. - Se quisermos levarmos essa, temos que reverter a coisa na primeira seqüência. Não podemos ficar dependentes demais da segunda e terceiras.

- O que deixa agora a questão... - Marcus disse, antecipando o que seu colega iria dizer.

- Dois ou um ou purrinha? - David respondeu, sorrindo cinicamente. Era o momento de eles decidirem de quem seria a vez para ir reportar para a Senadora os resultados do relatório de Vortik. E seria uma conseqüência desta tarefa acabar tendo que ficar com Stel até sabe-se lá que hora, primeiro debatendo furiosamente com ela sobre as causas do resultado, e mais um tanto de tempo planejando meios de se reverter tal resultado. Não que estas tarefas fossem indesejáveis, longe disto. Mas em momentos de crise, Cristina parece que entrava em dobra, trabalhando freneticamente, e quase levando seu pessoal à loucura no processo. Ela às vezes até mesmo se esqueciam que a maioria deles não eram telepatas, e começava a transmitir psiquicamente informações para eles, o que acabava valendo-lhe uma série de apelos para ir mais devagar. Mas ela quase não conseguia evitar. Cristina ficava muito excitada em resolver tais crises, e enquanto as coisas não lhe parecessem bem encaminhadas, ela não sossegava.

Certa vez, em uma festa de fim-de-ano dos Parkers, em que ambos David e Marcus estiveram presente, Eduardo Parker até mesmo agradeceu a ambos por agirem como "co-maridos" de sua esposa. Eduardo explicou para eles que os dois acabavam servindo de "buffer", no qual Cristina podia descarregar toda sua carga de adrenalina e excitação do trabalho, fazendo com que ela chegasse em casa calma e tranqüila como um tribble. David e Marcus tinham intimidade o suficiente com Eduardo para poderem responder com a piada de que, em troca, eles gostariam de assumir certas outras "tarefas" como co-maridos, portanto. A isto, Eduardo disse que poderia até pensar no assunto, no caso de ele não agüentar tais tarefas quando Cristina atingisse "A Fase", um período de alto libido em mulheres Betazóides de meia-idade.

Mas, por fim, ambos decidiram ir juntos discutir o tema com a senadora. Havia trabalho adiante deles, e a não ser que ambos pretendessem abrir mão de poder transferir seus gabinetes para São Francisco, não tinham o que ficar esperando muito, ali.

 

# # # #

 

O imponente salão de conferências na Universidade de Greenwich já estava pronto para receber mais um dos debates entre alguns candidatos da eleição, e no momento, o staff destes respectivos candidatos estava terminando os últimos preparativos junto à equipe da Universidade encarregada do evento. O público participante já estava começando a tomar os seus lugares, enquanto conversavam entre si, especulando como se desenrolaria o evento a seguir. A maior parte do público era composta pelo corpo docente de Greenwich e seus estudantes, mas também estavam no local inúmeros políticos londrinos e da União Européia, bem como diversos jornalistas e outras pessoas presentes.

Stel caminhou pela ante-sala do salão do debate até uma longa mesa, onde estava disponível um razoável buffet de café-da-manhã para os participantes do debate e para o pessoal que estava trabalhando na sua organização. A Betazóide olhou em volta da mesa e escolheu uma fatia de bolo Tarvokiano. Havia apenas mais uma pessoa também se servindo no momento - e tanto Stel como este outro cidadão ficaram em silêncio durante alguns segundos, antes de finalmente darem conhecimento de que sabiam exatamente de quem o outro se tratava.

- Embaixador. - Cristina Stel disse em um tom leve e respeitoso.

- Senadora. - Timothy Duke retribuiu no mesmo tom, que também não deixava de ter uma pequena dose de ironia.

Ambos estavam ali na Universidade de Greenwich para mais um dos vários debates e palestras que estavam ocorrendo pela campanha. Como muitos outros debates, este também teria um tema central, que seria sobre o papel do Conselho da Federação e das demais instituições da Federação no desenvolvimento cultural dos planetas-membros, em particular sobre aqueles recém ingressos na organização, como Bajor. Que impacto isto poderia trazer sobre estas civilizações, e qual seria o efeito recíproco para a Federação.

Este debate em particular também tinha uma particularidade interessante, que seria o primeiro a ter a participação simultânea de Stel e Duke. Eles já haviam participado de inúmeros outros com os demais participantes da eleição, mas com ambos ao mesmo tempo ainda não havia acontecido - e certamente este não seria o último, muito pelo contrário.

- Confio que as coisas no Conselho estão correndo suavemente, Embaixador? - Stel perguntou.

- Eu a levo para dar uma olhadinha, se você prometer não tocar em nada, - ele respondeu, rindo levemente.

- Não posso prometer, pois estou particularmente interessada no mobiliário de lá... uma cadeira já me cairia muito bem. - Stel retrucou, também rindo levemente. Embora esta fosse a primeira vez que eles se encontravam desde que se tornaram adversários eleitorais, ambos já haviam se encontrado algumas outras vezes. A última delas havia sido na comemoração do Dia de Primeiro Contato do ano passado, quando ambos atenderam às festividades nas montanhas de Montana. Eles costumavam ter uma interação particularmente agradável, embora fosse bastante comum ambos divergirem de opiniões em diversos assuntos, e defenderem seus pontos de vista com paixão. Stel estava antecipando alguma dose de rivalidade ser adicionada nesta mistura, e na verdade, ela estava ansiosa por isto. Duke não iria decepcioná-la, como ela própria já podia imaginar. Se ao menos houvesse uma maneira de fazer a balança pender um pouco para o seu lado...

- Não tem como eu não o felicitá-lo, Embaixador, pelos bons resultados que vem demonstrando nas últimas pesquisas, - Stel comentou. Duke terminou de passar a geléia de uttaberries no pequeno croissant que segurava, e agradeceu de volta antes de comer.

- Não deixei de notar que você se posicionou muito bem como o "Plano B" do público, Stel. Embora eu deva confessar que o Plano A deles está bem seguro de acontecer. - ele não evitou sorrir.

- Sabe, - Cristina disse, adquirindo um ar pensativo, enquanto fazia uma pausa para terminar de engolir um pedaço de bolo. - Várias pessoas na minha equipe estão com um gagh atrás da orelha com os meus níveis de votos da pesquisa atual. Alguns deles acreditam que esta minha maneira de realizar a campanha está me comendo pela perna. - Stel se aproximou de Duke, e torceu a cabeça em um gesto inquisitivo. - Qual é a sua opinião, Embaixador?

- Você está perguntando para mim o que eu acho sobre isto? - Duke disse, e ficou em silêncio durante alguns segundos. - Bem, acho que esta sua iniciativa não é realmente algo tão estranho assim, afinal de contas. - ele disse, mais para si mesmo do que para ela, acompanhado de um maroto sorriso. Cristina sabia muito bem o porquê deste sorrisinho, embora ela não tivesse feito esta pergunta devido àquele motivo em particular. A Betazóide tinha consciência de que Duke estava sorrindo por o humano saber muito bem que, com ele, Cristina não poderia valer-se de nenhum tipo de truque mental ou telepático para descobrir o que Duke estaria pensando neste momento.

Este tipo de resistência mental é algo que altos funcionários da Federação aprendem a fazer com algum treinamento básico ministrado por conselheiros de algumas das espécies telepatas membros da Federação, como os Vulcanos e Betazóides. Este programa foi introduzido depois que muitos funcionários e oficiais da UFP acabaram cedendo a interrogatórios mentais em ocasiões no passado. Este treinamento não é tão sofisticado como o treinamento que os Cardassianos costumavam fornecer aos seus agentes da antiga Ordem Obsidiana, que fornecia a estes agentes uma resistência praticamente Ferengi a incursões mentais, mas de qualquer modo, trata-se de uma habilidade bastante útil para quem pode sempre acabar encontrando oponentes que, de outra forma, poderiam facilmente adquirir informações que seriam prejudiciais em alguma negociação, por exemplo.

Duke em particular utilizava o que telepatas costumam chamar de "defesa em profundidade", ou seja, a pessoa não impede realmente o telepata de entrar em sua mente; ao invés disto, a pessoa controla o fluxo de informações ao telepata de tal modo que este é sobrecarregado de informações irrelevantes ao que procura, confundindo assim o telepata. É uma técnica particularmente difícil, mas Duke se tornou excepcionalmente hábil em usar estes métodos a ponto de ter uma resistência excepcional a qualquer tipo de incursão mental. Stel realmente não fez a pergunta por eventualmente não conseguir ler diretamente a resposta dele, é claro. Cristina não tinha o costume de ler diretamente a mente de seus interlocutores, embora admitisse que já fizera isto antes. O que ela ficava desgostosa em particular a Duke é que com o seu treinamento, Duke também era bastante invulnerável até mesmo para ela poder sentir emoções dele. Seria um bom adversário para pôquer, Stel pensou.

- Bem, minha cara Senadora, - Duke finalmente disse. - Eu devo admitir que seu método incomum de campanha pode ser uma d’ktahg de dois gumes. A insistência nele pode lhe custar mais do que seria saudável para as suas pretensões.

- Retirando todo este seu verniz diplomático, você quer dizer que se eu não tomar vergonha eu vou quebrar a minha cara, não é? - Stel respondeu.

- Essa é uma maneira de colocar a coisa, - Duke admitiu. - Sabe, em muitos aspectos você me lembra alguns Bajorianos que conheci nesta ocasião da admissão deles na Federação. Sem meias palavras.

- Bajor... - Stel disse, enquanto parecia pensar em algo. - Estou certa de que você terá bastante a falar sobre eles neste debate, não? Sobre sua cultura, sobre sua espiritualidade...

- Essa é a idéia, - Duke confirmou.

- E não só sobre a espiritualidade Bajoriana, mas de toda a Federação, claro. - Stel continuou, o que fez o Embaixador perceber que ela estava tentando direcionar a conversa para algo em particular. Aparentemente, esta Betazóidezinha não dorme em serviço, pensou Duke, que estava curioso para ver o que ela tinha em mente. - Sem dúvida, Stel, - ele finalmente respondeu.

- Então tenho certeza de que poderemos discutir sobre como a sociedade federativa será influenciada com a natureza e os conceitos que Bajor tem em relação às entidades alienígenas que habitam o buraco-negro... os Profetas, não? - Era apenas uma pergunta retórica, e Stel não esperou Duke dizer nada. - Eu tenho muitas questões a se debater sobre eles, e sobre outros alienígenas desta natureza, como aqueles que habitam o... como era mesmo... ah, sim, claro. O Contínuo Q.

Duke ficou em silêncio por vários segundos, coisa que não é de seu costume fazer, pois sempre entra com algo a dizer, mesmo que seja pego desprevenido por alguma afirmação. Mas neste momento, ele não conseguiu evitar de ter que pensar um pouco sobre o que acabara de ouvir. Estaria Cristina com a intenção de trazer o assunto Q à baila da discussão que eles estavam para ter dentro de cinco minutos? Cristina parecia saber do que estava falando, pensou Duke, apesar de ela estar dando uma de sonsa a respeito dos Profetas e dos Q, e também antecipava que ela estava querendo dar tintas teológicas ao assunto. Ele sabia que Stel também era uma agnóstica, mas não muito mais além disto, e não tinha realmente como especular sobre de que maneira Stel iria abordar a questão.

De uma maneira geral, grande parte da população da Federação de Planetas Unidos, e principalmente da Terra, não era seguidora de nenhuma religião formal, ou mesmo acreditava em um Ser Divino com as características mitológicas de um deus. Centenas de anos de evolução científica colocaram por terra inúmeros mitos e crenças antigos da humanidade e que, com o seu grau avançadíssimo de educação e desenvolvimento social, conseguiu superar todas as suas antigas superstições e mitos. Contudo, isto era válido apenas para a grande maioria da população, mas não certamente toda ela. Ainda existiam muitas pessoas no planeta, humanas ou não, que seguiam uma religião ou algum outro tipo de espiritualidade pessoal.

Desta forma, a Federação de Planetas Unidos, construída em cima de sólidos valores democráticos, era uma sociedade onde a livre crença em qualquer tipo de religião era algo assegurado ao cidadão. Mesmo alguns poucos membros da Federação ainda tinham boa parte de suas populações seguindo antigas religiões, e outras com diversos outros tipos de misticismo, e mesmo grandes sociedades da Federação como os Vulcanos ainda tinham teorias teológicas em estudo. Mas, de maneira geral, o tema "religião" não era amplamente debatido na sociedade, e isto devia-se em parte não apenas à evolução desta sociedade em si, mas também ao próprio governo da Federação. Embora totalmente livre, a prática religiosa não era nem um pouco estimulada, e qualquer estudo ou pesquisa referente a isto, quando havia, era tratado como algo de conhecimento antropológico, e, portanto, de cunho científico.

E agora ali estava Stel, não apenas querendo discutir a influência religiosa que outras espécies alienígenas podiam trazer à Federação, mas querendo fazer isto exatamente com os Q. Em tempos remotos, não havia a menor dúvida de que Q seria visto como uma divindade entre os humanos, e segundo constava, isto até acontecia entre algumas outras sociedades fora da Federação. Os poderes onipotentes desta espécie, somada às suas personalidades imprevisíveis e arrogantes, certamente os encaixavam dentro dos padrões necessários para classificá-las eles de "Deuses", como as divindades do antigo Olimpo, por assim dizer.

Mas esta classificação, adequada que fosse, não era nem de longe o suficiente para mudar a opinião oficial da Federação sobre o Contínuo Q, ou seja, a de uma espécie alienígena como qualquer outra, mas que atingiu um grau de desenvolvimento a tal ponto sofisticado, que adquiriram tais... poderes divinos. A relação da Federação com os Q, portanto, deveria ser encarada pelo povo da mesma maneira como a relação com qualquer outra espécie, ou seja, a relação entre entidades conscientes e inteligentes, e jamais como a relação entre fiéis e divindade.

Não que o Contínuo Q tivesse o mesmo ponto de vista, claro. Ou sequer o mesmo interesse, uma vez que, segundo as observações da Enterprise e demais pessoas da Frota que já encontraram estes seres, o interesse dos Q na humanidade é largamente marginal, com os Q encarando-os apenas como réles entretenimento casual.

Mas por improvável que fosse, os Q também eram encarados pelo Conselho como uma ameaça em potencial, pois não havia a menor dúvida de que a sociedade dos Q poderia facilmente varrer do mapa a Federação. Portanto, o assunto Q sempre foi tratado com discrição, e embora não fosse um tema secreto, poucos na Federação e na Frota conheciam esta espécie a fundo. Duke sabia que uma destas pessoas certamente era Stel, uma vez que ela aparentava saber exatamente o que estava fazendo, e jamais tocaria no assunto se estivesse despreparada. Duke estava surpreso, mas certamente não preocupado, pois tinha confiança de que poderia gerencia qualquer situação que daquilo surgisse. O assunto Q afinal, não tinha toda esta discrição devido a eventualmente entrar em uma área de discussão teológica, não se tratava disto. Tratava sim de evitar que o tema se tornasse um debate excessivo pela Federação, levantando não só temores por entre a população, mas também levantando o interesse dos próprios Q, que poderiam começar a se interessar mais do que seria aconselhável pela Federação.

Mas era bastante provável que seria exatamente com aquilo que Stel queria mexer, com os aparentes poderes ilimitados de algumas espécies alienígenas, com a natureza mística dos "Profetas" Bajorianos, com a onipotência dos Q, e com a relutância do Conselho em sequer admitir que os Q seriam algo muito maior do que o pouco que o público em geral sabe sobre ele. Realmente, não havia dúvidas de que Stel estava com isto adiantando um ponto que poderia vir a ser bastante polêmico no debate a seguir.

A Senadora observava o Embaixador também em silêncio. Seja lá qual fosse a reação que ela havia provocado em Duke, ela sabia que poderia vir a servir em seu favor. Em um primeiro momento, parecia ser tolice ela antecipar ao seu adversário um dos pontos do debate que ela tinha intenção de mencionar. Mas isto não tinha nada de tolo. Stel queria que Duke pensasse no assunto antecipadamente, mais e mais, o quanto ele pudesse. Pois assim, toda esta antecipação poderia fazer com que o treinamento dele no estilo "defesa em profundidade" ficasse mais amolecido, por ele não conseguir tirar o assunto da cabeça. E, portanto, emanar algumas emoções a mais do que só este semblante Vulcaniano que ele consegue colocar em seus debates diplomáticos. E também servia de resposta a Duke considerar que "se ela não tomar vergonha vai quebrar a cara", mesmo que ele utilizasse o seu próprio estilo formal de dizer.

- Stel, não faça isto, - aconselhou Duke, procurando combinar uma expressão de censura às intenções da Betazóide com um sorriso cínico de quem sabe que pode lidar com a situação.

- Não? Pois fique olhando. - Stel apenas respondeu, enquanto caminhava na frente do Embaixador, com ambos saindo dos bastidores para entrarem na câmara de debate principal, já com todos os ocupantes presentes, e os aguardando para darem início.

 

# # # #

 

- Droga.

Um suspiro mais forte seguiu-se a esta exclamação, e Oryza Zgouridy, a Secretária de Educação da Federação, olhou para o teto de seu gabinete, localizado em Viena, Áustria. A Cignetiana estava no momento acompanhada de dois membros do seu staff, Jack Silver, Sub-secretário encarregado de Pesquisas Pedagógicas, e de Andréia Mtryev, a felinóide que era a Chairman do Comitê Educacional de Integração Federativa, ou seja, o órgão responsável por coordenar as diretrizes básicas de ensino para os membros da Federação de Planetas Unidos. Ambos haviam trazido para ela o primeiro relatório de campo do pessoal do CEIF que fora até Bajor, e como de costume, este relatório inicial se encaixava perfeitamente naquilo que os três haviam antecipado.

- Porque será que toda, mas toda a vez que um novo membro se junta à Federação, tem que ser exatamente conosco a surgir a primeira rusga? - Oryza lamentou, ainda que estivesse mostrando um sorriso. Afinal, não era realmente a primeira vez que este tipo de problema ocorria. Dentre os inúmeros projetos que tem início tão logo um novo sistema entra na Federação, um deles é de se ajustar a grade curricular do sistema de ensino do novo membro, fazendo com que esta grade esteja de acordo com algumas regras básicas educacionais comuns a toda a Federação. Neste momento, as autoridades educacionais Bajorianas, bem como diversos outros líderes locais, estavam fazendo severas restrições a que o Inglês Federativo se tornasse matéria mandatária no currículo escolar Bajoriano. De qualquer modo, tanto Oryza como eles dois ali já haviam previsto isto, pois isto é bastante comum de ocorrer.

- Bem, Oryza, acho que nós deveríamos é agradecer "aos Profetas" que eles só reclamaram disto, na verdade... não, minto. Tem mais, também... - e Jack reviu o padd do relatório, mas Mtryev se adiantou ao seu colega.

- Eles estão relutantes também de permitirem que o ensino religioso se torne facultativo. Para falar a verdade, foi a isto que o clero Bajoriano e os políticos mais conservadores do planeta fizeram o protesto. Os grupos mais liberais se mostraram contra o ingresso do Inglês no currículo.

- Esse pessoal parece nunca ler a linha pontilhada do acordo se entrar na Federação, não? - Oryza comentou, genericamente se referindo a membros recentes da UFP. - Quero dizer, eles realmente acham que aprender Inglês vai fazer com que eles percam a sua identidade cultural, quando na verdade isto no final das contas até ajuda a reforçá-la, uma vez que eles poderão com isto passar a difundir a sua cultura através das outras sociedades de nossa nação.

- E a crítica mais comum foi a de que não há um pingo de necessidade de se aprender Inglês, pois "é para isto que tradutores universais servem"... - Mtryev citou uma das autoridades Bajorianas que recepcionara o seu pessoal.

- A crítica mais batida, você quer dizer, né? É exatamente o que todo mundo diz. - Oryza confirmou. - Nestas horas todos põem uma confiança cega em tecnologia. Mas nunca ninguém lembra que se dá algum pirepaque nos sistemas de tradução, uma eventual reunião de várias pessoas de membros diferente da Federação poderia literalmente virar uma Torre de Babel. - Ambos os membros do staff de Oryza concordaram com sua comparação. - Bom, fora isto, eles têm mais alguma reserva a fazer? - a Secretária perguntou, e Silver repassou novamente os dados no padd.

- Não, Oryza, os demais pontos foram todos aceitos, sem problemas... na verdade, muitos deles já haviam até sido implantados de uma forma ou de outra, através das várias equipes da Federação que estiveram ajudando a reconstrução de Bajor nos últimos oito anos, desde o fim da ocupação Cardassiana. - Silver comentou.

- Mas no que disse respeito a idioma e religião, eles deixaram bem claro que não aceitam mudanças.

Oryza pensou por alguns instantes a respeito do que havia previamente estudado sobre Bajor. Sem dúvida se tratava de uma sociedade bastante espiritual, e com um senso de nacionalidade muito forte; uma combinação dura de se amolecer. Mas ela havia tido a esperança de que o ingresso na Federação faria com que estes fatores não se mostrassem obstáculos para a implementação das políticas educacionais federativas em Bajor. Afinal de contas, a sua Secretaria é uma das mais preocupadas em resguardar a identidade cultural dos membros, mas no final das contas é a que acaba tendo que sofrer o papel de bode espiatório para os primeiros desentendimentos que acontecem entre o novo membro e o governo Federativo. E, como sempre, não dá para se contar demais com a ajuda do Conselho. Eles raramente estão dispostos a fazer a pressão necessária ao novo membro, para evitar quaisquer problemas em seu relacionamento diplomático. E, portanto, estas batata-quentes acabam tendo que ficar com o pessoal de campo.

Apoio do Conselho para a implementação destes projetos, Oryza pensou. Não deixa de ter sido conveniente que alguns dias atrás ela tenha assistido ao vídeo do debate entre Stel e Duke, que entre outras coisas tratou exatamente sobre questões espirituais do povo Bajoriano, e como isto se relaciona ao restante da Federação. Ela ficara muito satisfeita em ver as posições de Stel a respeito deste tema em geral. A sua colega, a Secretária Raquel Trajina, havia confidenciado sobre o encontro que havia tido com Cristina Stel, alguns dias atrás. Trajina disse que Stel se mostrava bastante aberta a alianças, especialmente dentro do gabinete de Inyo. Certamente é muito cedo para se poder contar com a ajuda de uma eventual "Embaixadora Stel", mas certamente isto seria bastante útil em situações semelhantes no futuro. E além de tudo, Stel era uma mulher que viera da comunidade educacional, tendo tido ela mesma um cargo equivalente ao de Oryza, no Rio de Janeiro. Trajina realmente pode ter razão em um eventual apoio a Stel.

Mas, no momento, há estes temas pendentes que precisam de atenção. Certamente será necessário dar início em Bajor a um debate amplo a respeito destes temas, e para isto, o CEIF irá precisar de todo o apoio que a Secretaria puder fornecer.

- Andréia, você está com viagem marcada de volta a Bajor, não? - Oryza finalmente perguntou.

- Sim, eu devo voltar para lá na semana que vem.

- Algo em mente, Oryza? - Jack perguntou.

- Sim... eu quero que você reveja a sua agenda, Andréia. Verifique com o seu pessoal se é possível você esperar mais alguns dias até a sua volta. Jack, eu quero que você adiante algumas coisas para a minha agenda, e prepare a sua para ficar no meu lugar por um par de semanas.

- Então você... - Jack especulou, mas a Secretária se antecipou a ele.

- Eu estarei indo para Bajor.

 

# # # #

 

- Computador, mostre a atualização mais recente do La Federation, - Amanda Jrovit ordenou, enquanto observava o console na mesa de Massif, um de seus analistas que estava encarregado da pauta relativa a crise em Chin'Toka.

A editora-chefe do Inquirer estava ali juntamente com Massif, além de Scott Ross, e Jtron, o Boliano que era chefe da editoria extrafederativa. Todos estavam agora assistindo à matéria que o La Federation acabara de divulgar, em uma edição especial. No início do dia, haviam informações conflitantes sobre uma escalada na crise interna do sistema Cardassiano de Chin'Toka, mas agora o pessoal do La Federation conseguira a confirmação de que uma Lei Marcial havia sido decretada em todo o sistema, em resposta aos grupos setoriais da colônia terem levado às últimas conseqüências suas ameaças contra o Conselho Detapa. Esta resposta deu-se na forma de uma greve geral, decretada em todo o sistema, e a qual teve a adesão de quase 80 por cento da força produtiva de Chin'toka, incluindo uma boa parte da burocracia oficial.

O mero conceito de greve é de muitas formas algo completamente estranho na cultura Cardassiana, que valoriza sobremaneira a disciplina e lealdade a um governo central forte. Contudo, em função da profunda crise política, econômica e social do pós-guerra, a equação toda da crise em Chin'Toka também tinha que considerar algumas rixas e problemas fundamentais que estavam surgindo entre esta colônia e os setores mais internos da União Cardassiana. Atualmente, quase tudo era possível de se acontecer, e muitos temiam que o que estava ocorrendo em Chin'Toka poderia facilmente se alastrar pelos demais setores da União Cardassiana, e na verdade, este processo estava começando a ocorrer.

- Na verdade, eu estou até admirado em como demoraram para federalizarem de vez o governo provinciano local, - Jtron comentou, enquanto as imagens dos protestos em diversas cidades de Chin'Toka Prime eram exibidas. Uma delas mostrava um Cardassiano, discursando para uma multidão agrupada à frente do que parecia ser uma instalação de indústria química.

- Quem é ele? - Amanda perguntou, para ninguém em particular.

- Trovez, - respondeu Massif. - Ex-Gul, veterano dos conflitos entre a Federação na década de 50, e fez parte do gabinete de administração de Chin'Toka, durante a aliança deles com o Dominion, até quando o sistema foi tomado por nossas forças. Ele desapareceu na confusão subseqüente que ocorreu, e durante algum tempo foi dado como morto. Com o Dominion já controlando diretamente boa parte de Cardássia, ele se manteve na clandestinidade mesmo depois de o Dominion recuperar o sistema, e posteriormente se juntou ao grupo de resistência criado por Damar. Após a queda final do Dominion, ele e alguns de seus associados criaram um grupo de oposição local.

- Mas se ele se alinhou ao pessoal ligado a Damar no final do conflito, porque ele está agora tão radicalmente contra o governo de Lang? - Jtron emendou à pergunta de Amanda.

- Bem, exatamente por isto. Ele considera que o Comando Central é que deveria ter de volta o seu poder sobre a união, e não o Conselho Detapa. Ele se recusou a participar do gabinete de Lang.

- E além do mais, o grupo dele é de cunho fortemente nacionalista, - explicou Ross. - Não é apenas Trovez que faz parte dele, mas também muitos outros Cardassianos de origem quigoliana. - Ross se referia a uma das principais etnias Cardassianas da qual era composta a população do sistema de Chin'Toka. – Os quigolianos consideraram que com Trovez fora, a voz que eles teriam no governo central seria ainda menos considerada... desta forma, eles estão querendo maior autonomia.

Cerca de sete séculos antes, vastas áreas do quadrante Alfa foram colonizada por Cardassianos, vindos em missões de exploração e colonização. Todo este fluxo de migração Cardassiano deu origem a várias sociedades distintas, originárias destas primeiras colônias. Uma destas sociedades foi a Quigoliana, que surgira em volta de vários sistemas estelares colonizados por imigrantes desta etnia de Cardássia Prime. Os quigolianos logo desenvolveram e expandiram a rica cultura da qual haviam se originado. Contudo, com a militarização pela qual Cardássia Prime passou desde a época equivalente ao século 19 terrestre, as diversas sociedades independentes que haviam surgido foram uma a uma engolfadas em um vasto império que deu origem à União Cardassiana. O sistema estelar de Chin'Toka era um daqueles no qual os quigolianos haviam se instalado, embora não fosse o seu principal, e um dos que se tornou apenas mais uma província do Estado Cardassiano. Portanto, a maior parte da população Cardassiana destes planetas era de origem quigoliana. Não era surpresa, portanto, que no meio de todo o caos em que Chin'Toka se encontrou nos últimos três anos - mudara de controle três vezes durante a guerra, todas elas em sangrentas batalhas - um forte sentimento de resistência nacionalista estava surgindo.

- Mais autonomia do comando central? - Amanda perguntou, retoricamente.

- Isso trata-se da base de reivindicações deles, mas no momento... este tipo de coisa, uma vez iniciada, muitas vezes torna-se algo incontrolável. - Ross comentou, e procurou especular um pouco mais. - Por exemplo, esta facção de Trovez... ou eles são malucos, ou eles têm um poder de barganha considerável, e sabem disto. Pois esta greve foi praticamente chamar o Conselho Detapa para o pau. E eles não fariam isto sem terem certeza de que possuem algum bom escudo contra uma resposta forte, e se não soubessem que Lang e os demais no Conselho ainda não estão maduros o suficiente no poder para peitar eles.

- Com certeza. Ele sabe muito bem que o Conselho Detapa não vai se atrever a fazer nenhuma medida drástica sem o aval das forças aliadas, - Jtron comentou.

- É verdade. Certamente a turma em Cardássia Prime vai ter que pisar em ovos para poder tomar a decisão de algo mais forte... - Massif disse.

- Bom, - Amanda começou, desviando a sua atenção da tela para o grupo ali reunido. - Eu só quero saber mais uma coisa. Como foi que eles conseguiram meter a mão neste material antes de nós e o restante dos principais centros noticiosos? O La Federation não tem ninguém in loco no momento, e as agências ainda não repassaram nada... - Amanda se referia aos diversos boletins conflitantes que eles receberam por todo o dia, vindos das principais agências de notícias. - E eles têm apenas aquele correspondente em Cardássia Prime, e o cara nunca foi de conseguir furos deste jeito.

- Eles devem ter mexido alguns pauzinhos no Serviço de Notícias da Federação, - Ross disse. - Eu ouvi falar que o novo correspondente deles em Bajor, Mateus Heis, é amigo do Jake Sisko. Se Sisko conseguiu este material com a SNF, ele pode ter trabalhado com o Heis para finalizarem a matéria, e ele pode ter ficado com uma parte do butim.

- Seria melhor mantermos o olho nesta confusão, - Jtron aconselhou, e passou os olhos por algumas pautas futuras em um padd. - Há coisa aqui em que podemos dar uma segurada, o que poderia liberar algumas pessoas para ajudar... e Ross, você poderia ser de grande ajuda, também.

- Concordo, - Amanda disse, apoiando a idéia. - Ross, você e Massif se encarregam disto, e recrutem tantos outros braços quanto precisarem. - Ross concordou, enquanto Massif se levantou de sua mesa.

- Muito bem, mas por hoje eu ainda tenho que ir para Haia, pois vai ter início hoje a sessão de declarações finais no julgamento da Fundadora, - ele disse. Massif era o correspondente do Inquirer cobrindo o julgamento da Fundadora, que se aproximava do seu final, e a antecipação era grande por se saber o veredicto final, que provavelmente seria de prisão perpétua. Os representantes Klingons e Romulanos certamente iriam protestar, ao que a Federação, para garantir este veredicto, iria ter que ceder sobre em que local a pena seria executada; a colônia penal da Nova Zelândia certamente estaria fora de cogitação, e Martok declarara recentemente que a Fundadora já tinha uma câmara especial com o nome dela em Rura Penthe. De qualquer modo, fosse qual fosse o local definitivo, este iria certamente ser construído especialmente para se manter um transmorfo preso com a máxima segurança.

- Muito bem, mas façam deste pega em Chin'Toka prioridade atual. - Ela terminou, enquanto o seu pessoal ali se dispersava para tomar as providências necessárias para intensificar a cobertura de uma crise que, pelo que estava parecendo, poderia se agravar.

 

# # # #

 

 

Earth, D.C.

Prólogo
|   01   |   02   |   03   |   04   |   05   |   06   |
|   07   |   08   |   09   |   10   |   11   |   12   |
Epílogo