Capítulo 6 –
Primeiros Contatos
O shuttle classe dois
vindo da USS Sagan mal havia pousado ao lado do hangar, e
uma equipe de seis homens se aproximou. O local em que se
encontravam era a sede da Secretaria de Exploração Espacial da
Federação, instalada no complexo em Houston que outrora fora
conhecido como o Centro Espacial Johnson. A tripulação do
shuttle o manobrou até uma das áreas de descarga do hangar, onde
a equipe de Terra havia posicionado um hovercar para transporte de
carga. Assim que a manobra terminou, a tripulação de dois
oficiais da Sagan e a equipe da Secretaria de Exploração
começaram a descarregar os seis contêiners contendo inúmeros
artefatos alienígenas. O transporte havia sido feito por shuttle
devido a algumas daquelas peças aparentemente serem feitas de
algum composto que não reagia bem a teleporte, ficando com sua
estrutura molecular muito fragilizada. A tripulação da Sagan
havia perdido duas estátuas devido a este fator; uma quando da
primeira tentativa de teleporte para bordo da Sagan, e a
outra em algumas tentativas de se determinar as razões desta
fragilidade à teleportagem. De qualquer forma, os laboratórios
na Terra iriam ter mais recursos para encontrar uma calibração
adequada para se ajustar o teleporte para aquele tipo de material
recentemente descoberto.
Os seis contêineres
foram então levados para o Edifício James T. Kirk, parte do
complexo da SecExp, onde estava instalada a Agência de
Monitoração de Espécies Subdobra, ou AMS, o órgão da
Secretaria de Exploração Espacial encarregado do estudo,
acompanhamento e monitoramento de civilizações pré-dobra
existentes na região do espaço da Federação e em suas
proximidades. A AMS, juntamente com a Frota Estelar, também era a
responsável pela coordenação dos processos de Primeiro Contato
com aquelas civilizações que demonstravam estarem prontas para
tal evento. E aqueles artefatos que estavam sendo transportados no
momento faziam parte dos resultados de mais um destes primeiro
contatos.
O hovercar passou por
diversos outros edifícios da Secretaria, alguns deles datando
ainda da época em que aquelas instalações eram parte da antiga
NASA. Assim que o hovercar chegou ao Edifício Kirk, os artefatos
foram então descarregados na principal área de triagem e
avaliação da AMS, onde dezenas de acadêmicos da Federação,
dos mais diversos campos de conhecimento, se preparavam para um
estudo profundo dos artefatos, bem como de todas as demais
informações obtidas pelas equipes de campo que realizaram aquele
Primeiro Contato.
A equipe de campo em
questão também estava presente, tendo vindo com a USS Sagan,
a nave que serviu de centro de comando e controle para o Primeiro
Contato. Em uma das salas de reuniões do edifício, eles todos
estavam reunidos no momento com Raquel Trajina, a Secretária de
Exploração Espacial, com Steve Qriton, o Rigeliano que era o
Diretor da AMS, e alguns outros oficiais da Frota Estelar,
incluindo a Capitão Sabrina Stuart, oficial-comandante da USS Sagan.
Todo este pessoal estava no momento realizando o debriefing
principal do Primeiro Contato, que realizou a apresentação
oficial da Federação de Planetas Unidos para a espécie Akali,
uma civilização em um sistema estelar a 78 anos-luz da Terra.
Faltando apenas alguns
instantes para os trabalhos começarem, o representante do
Conselho da Federação finalmente chegou. Timothy Duke entrou na
sala, e rapidamente começou a cumprimentar todos ali, que estavam
espalhados pelo recinto, conversando. O Embaixador dava um pouco
mais de atenção em cumprimentar aqueles que ele ainda não
conhecia, mas uma dos que o Embaixador já conhecia, Raquel
Trajina, não parecia especialmente satisfeita em encontrá-lo.
Trajina percebeu que
Duke estava acompanhado de Terawaki, e de outro de seus assessores
que ela não saiba quem era. Ela se aproximou de Duke, que ainda
estava falando com o Diretor Qriton. – Duke, meu caro, - ela
disse. – O que está fazendo aqui? Onde está Kylan? - A
Secretária de Exploração se referia ao Embaixador
Klaestroniano, que havia sido encarregado pelo Conselho de ser o
representante deste órgão da Federação nos trabalhos
pós-contato.
- Houve um imprevisto,
Trajina, - Duke respondeu, sorrindo levemente. – Kylan teve que
ir às pressas até Klaestron para resolver alguns assuntos que
surgiram lá, e o Conselho me encarregou de o substituí-lo. Não
faça esta cara, - Duke falava enquanto se afastava de Trajina,
para ir cumprimentar a Capitão Stuart. – Você sabe
perfeitamente que eu estou mais do que habilitado para acompanhar
este tipo de tarefa.
Substituir,
pensou Trajina, ainda sem desfazer a "cara" a qual Duke
disse com que ela estava. Ela podia muito bem imaginar que tipo de
conchavo que Duke deve ter armado com Kylan para convencê-lo a
ter que ir para o seu planeta-natal, e assim ceder a Duke a chance
de ser o Embaixador a levar oficialmente as credenciais
diplomáticas dos Akalis para o Conselho da Federação. E desta
forma, ser o Embaixador encarregado de recepcionar a primeira
comitiva Akali que eventualmente viria visitar a Federação.
Primeiro ele
assegurou para si os trabalhos do ingresso de Bajor na
Federação, depois meteu o bedelho no escarcéu que os Romulanos
criaram devido às declarações de Stel, e agora isto,
Trajina continuou a pensar. Era até mesmo uma audácia de Duke
vir querer tirar uma casquinha dos esforços de sua Secretaria e
da AMS. Afinal de contas, fora Duke um dos responsáveis por
aquele departamento passar por uma situação extremamente
constrangedora alguns anos antes, quando alguns funcionários seus
da AMS tiveram que ser designados para trabalhar com alguns
oficiais da Frota em uma missão secreta em Ba'ku. A polêmica
toda que seguiu-se à crise em Ba'ku afetou a reputação da
agência, pois em todo o período de observação não se
conseguiu determinar que os Ba'ku já eram uma espécie que
possuía capacidade de dobra, embora eles não a utilizassem. Foi
uma mancada considerável, pois era uma informação fundamental a
se conhecer sobre qualquer espécie. Mas todo o clima de segredo e
restrições em que o Conselho e o Almirante Dougherty envolveram
o projeto acabou minando a eficiência de seu pessoal, além é
claro de os obrigar a trabalharem com aquele bando de salafrários
que eram os Son'a; a coisa toda só pode ter acabado da maneira
que acabou, realmente. Os comitês de investigação do Conselho
apontaram para inúmeras falhas e erros no processo todo, mas
"convenientemente" parecem ter se esquecido de que foram
eles mesmos, Duke incluído, quem aprovaram a idéia inicial de se
trabalhar com os Son'a com a intenção de se estudar as
propriedades medicinais do mundo Ba'ku.
Ela, contudo, não
queria se preocupar demais com aquelas questões políticas no
momento. Havia bastante trabalho a ser feito, trabalho este que
envolvia todas as questões básicas de um Primeiro Contato com
todas as suas peculiaridades. Estas peculiaridades sempre são
bastante imprevisíveis, pois é algo até natural de se esperar
quando uma civilização inteira descobre que não está nem um
pouco sozinha na galáxia. Trajina se dirigiu ao seu lugar na mesa
principal, seguida pelos demais, e deu início aos trabalhos. A
primeira parte da reunião sempre é utilizada para se debater
sobre como foi o procedimento de Primeiro Contato propriamente
dito, se discutindo aspectos como reação inicial da espécie,
receptividade ao pessoal da Federação, intenções iniciais da
espécie frente ao fato de descobrirem uma civilização
alienígenasígena, e coisas do tipo. Os contatos com os Akalis
foram bastante amigáveis. Embora a AMS já viesse acompanhando
esta espécie há um certo tempo, o Primeiro Contato propriamente
dito teve que ser antecipado em alguns meses, pois como alguns
operadores da AMS descobriram, a segunda bateria de testes do
protótipo da nave de dobra dos Akalis iria levá-los para um dos
sistemas estelares vizinhos ao deles, exatamente onde a Frota
Estelar tem várias estações de comunicação. Portanto, a
recomendação da agência foi que se prosseguissem com o Primeiro
Contato antes que os Akalis descobrissem por si mesmos este fato,
o que poderia gerar mal entendidos.
Todo o Primeiro
Contato tem suas particularidades, e este não foi diferente, como
o grupo reunido ali pode constatar. Cerca de duzentos anos antes,
a nave da Terra Enterprise, sob o comando de Jonathan
Archer, já esteve estudando os Akalis antes, quando eles ainda
estavam em uma fase pré-industrial. Archer conseguiu encerrar uma
nociva interferência de uma terceira espécie alienígenas nos
Akalis, mas no processo uma nativa do planeta acabou por descobrir
a natureza alienígenas de Archer e seu grupo. "Proto
Primeiros Contatos" como este não são incomuns na
história, sobretudo nos séculos 21 e 22, e, ao menos neste caso,
nenhum tipo de contaminação cultural grande ocorreu, gerando
apenas algumas lendas esparsas na cultura Akali. Lendas das quais
os Akalis finalmente tiveram a oportunidade de conhecer as reais
origens.
Durante a reunião,
Trajina notou que Duke se mantinha admiravelmente contido, por
assim dizer. Ela esperava que ele fosse encrispar mais sobre
qualquer pequeno detalhe do contato, mas ele não fez isto mais do
que um par de vezes. Trajina sabe que Duke é um dos inúmeros
defensores do conceito do Primeiro Contato, ainda que somente no
que diz respeito à maneira pela qual esta política existe. Ele
mesmo participar de alguma forma do trabalho é algo que ele nunca
fez questão alguma, até agora, claro... e por seus motivos
particulares.
Bem, certamente isto
ao menos é melhor do que Writek Zirot considera. Na opinião
dele, o Primeiro Contato não é nada mais do que imperialismo
disfarçado, um movimento da Federação para conquistar
corações e mentes de civilizações que mal estão se
aventurando no espaço profundo. Certamente é uma posição
equivocada, mas nada estranho em se tratando de Zirot, um
comunitário que sempre advogou por uma Federação mais contida
dentro de si, que deveria procurar desenvolver mais as colônias
que cria, no lugar de tentar agregar toda e qualquer civilização
como membro.
Trajina pensou por
naquelas questões por mais alguns instantes, até o momento em
que o debriefing inicial se encerrou. Deste ponto em diante, os
diversos especialistas e acadêmicos iriam agora discutir entre si
sobre os aspectos da cultura Akali no que dizia respeito às suas
áreas particulares de conhecimento. O grupo então se dispersou,
com o pessoal de campo da AMS e da Frota acompanhando os
acadêmicos para os locais onde as demais reuniões e análises do
material dos Akalis iriam ocorrer. Duke e os demais conversaram
entre si mais alguns pontos enquanto se despediam, e, antes de
sair, o Embaixador não se incomodou muito em dispensar pouca
atenção a Trajina, o que não pareceu incomodá-la. Ela não
estava muito disposta mesmo a ter que dar ainda mais cortesia
diplomática para Duke, não importa se ele era ou não um dos
braços direitos do Presidente. Algo que poderia mudar logo, e
para melhor.
Hum... acho que uma
visitinha informal a Stel não faria mal algum...
- A Secretária de Exploração Espacial pensou consigo mesma, e
se retirou da sala de reuniões na direção do hangar principal.
# # # #
O tráfego de passageiros
embarcando nos Airtrans com destino a Long Island e o norte do
estado de Nova Iorque estava aumentando, mas no momento a Grand
Central Station ainda não tinha o seu pico de movimento do dia.
Não que este pico tornasse o trânsito pelo local insuportável,
claro. O início e final dos horários de trabalho na cidade
variavam bastante, o que fazia com que não houvesse realmente uma
hora do rush no sentido antigo da palavra. Mas como a Grand
Central servia de hub para as pessoas que estavam se dirigindo
para o norte da Nova Inglaterra e o Canadá, o movimento sempre
era maior em determinados horários.
David e Marcos, contudo, não se
encontravam ali para transporte, fosse por airtram ou teleporte.
Eles sempre freqüentavam o Bolarus' Blues, um bar Boliano
instalado em uma das áreas de restaurantes da Grand Central.
Geralmente ambos passavam algumas horas ali depois de saírem de
alguns dos longos períodos de trabalho na Assembléia Geral, e
desta vez não era diferente. Marcos já se encontrava ali fazia
alguns minutos, quando David chegou. Ele retirou o chapéu fedora
e sua capa, um sóbrio modelo aberto e sem bolsos, e os entregou
para o chapeleiro. Alguns garçons transitavam pelas mesas com
bebidas, enquanto uma felinóide no palco cantava um arranjo em
jazz Ktariano de These Boots are Made for Walking.
- Eu realmente não sei como você
agüenta beber isto. - David disse, sentando-se na banqueta ao
lado de Marcus, no balcão do bar. Marcus terminou seu gole e
recolocou a garrafa de D'ff novamente no balcão.
- É melhor beber enquanto eles
ainda não a tornaram ilegal novamente. - Marcus apenas respondeu,
sorrindo levemente. David fez uma expressão indignada.
- Você está brincando...!
- Ora, pergunte para o Ben Warmet,
- ele respondeu, se referindo ao amigo comum deles dois, um
funcionário da Secretaria de Abastecimento da Federação. - Ele
mesmo está tendo que preparar a documentação para o Conselho
sancionar isto no mês que vem. - Marcus se referia ao projeto de
lei que tornaria a cerveja Romulana novamente ilegal para se
consumir na Federação. Alguns anos antes, o banimento desta
bebida havia sido suspenso, em nome da aliança
Federação-Romulana na Guerra Dominion. Com esta vencida,
aparentemente o Conselho não via mais com bons olhos algo que
este órgão mesmo havia sancionado.
Tão logo Rtriow, o barman
Antoniano, trouxe a Silven Surprise que David pedira, ele tomou um
gole. - Caceta... eu gostaria de saber se o Conselho não tem nada
melhor para fazer a não ser legislar sobre frivolidades.
- Ora ilegaliza, ora legaliza, ora
ilegaliza de novo... - Marcus respondeu, confirmando que
concordava com o ponto de vista de David sobre a aparente
indecisão eterna da Federação sobre se libera ou não o consumo
de uma bebida que, fosse como fosse, era razoavelmente popular
entre seus cidadãos.
Marcus olhou para o monitor LCARS
instalado no fim do balcão, a alguns passos deles dois. No canto
superior esquerdo ele pôde ver o horário, quatro para as sete. -
Então, ele já te transmitiu os dados? - Marcus perguntou, mas
sabia o que David iria dizer.
- Como se você não o conhecesse,
- ele apenas respondeu, rindo levemente. Ambos conversaram sobre
alguns assuntos pessoais por mais alguns minutos, até que David
retirou um pequeno padd de seu bolso.
- Três, dois, um... - Marcus
disse, olhando novamente para o relógio no painel LCARS, que
agora mostrava serem sete horas cravadas. O padd na mão de David
soou um beep intermitente, indicando que havia recebido um upload
de dados criptografados.
- Eu imagino que Vortik deve ter
nascido em órbita de um pulsar, - Marcus comentou a Vulcana
pontualidade do colega deles, enquanto David já dava uma olhada
nos dados transmitidos pelo Vulcano. Depois de alguns segundos,
Marcus se virou para ele.
- E...
- E dê uma olhada você mesmo, -
David desanimadamente entregou o padd para Marcus, aproveitando
para tomar outro gole de sua bebida. Marcus olhou para os dados. O
relatório continha a tabulação mais recente das pesquisas de
intenção de voto para a eleição. E o quadro não era nada
rosado para Stel. Na primeira seqüência, Duke estava com
folgados 64 por cento das intenções de votos, enquanto a
Senadora estava empacada com cerca de 13 por cento, acompanhada de
perto por Writek Zirot, que também tinha quase 12 por cento,
enquanto Ronaldo Triev e Willian Duarte ficavam com números
abaixo de dez por cento. Nas segundas e terceiras seqüências a
coisa melhorava um pouco, com Stel estando na frente de Duke em
ambos: 45 por cento contra 13 do Embaixador na segunda, e 55 por
cento contra 30 na terceira. O relatório continuava por mais
algumas páginas, detalhando resultados por faixas etárias,
espécies, regiões e outros atributos.
Mas estes números todos faziam com
que no final das contas a eleição fosse ganha pelo Embaixador
Duke, com um placar de 41 por cento contra 30 em seu favor. A
forte posição de Duke em votos de primeira seqüência
assegurava-lhe este resultado. Marcus e David concordavam
plenamente que treze por cento na primeira seqüência era um
número totalmente inaceitável, que eliminava completamente
qualquer vantagem que eles podiam estar tendo nas demais
seqüências, uma vez que o peso da primeira seqüência era de
vezes três.
Marcus adquiriu a mesma face
desanimada de seu colega, e lhe retornou o padd. - É... todo
mundo parece comentar muito bem sobre nossa garota, mas não
muitos estão dispostos a apostar nela logo de cara. Só isto pode
explicar estarmos tão baixo na primeira, mas na frente na segunda
e terceiras.
- Vários outros progressistas já
enfrentaram o mesmo problema antes, Marcus, você sabe disto.
- E nem todos conseguiram resolver
este problema, você também sabe disto. As vezes, é preferível
você deixar o seu lado progressivo para desabrochar depois da
eleição, com calma. - Marcus comeu algumas castanhas do Pará,
que estavam em uma pequena tigela entre ele e David, e continuou.
- Não lhe parece óbvio, David? Esta agressividade toda em que
temos vindo não está dando os resultados que esperávamos que
dessem. Os eleitores simplesmente não estão prontos para uma
sacudida boa, ao menos não para o tipo de sacudida que Cris vem
advogando.
- Pode ser, - David respondeu. -
Pode ser. Mas estamos ainda no início, e eu acredito que... o
efeito, vamos dizer, desta nossa estratégia ainda vai ser
sentido. As coisas ainda não assentaram totalmente, os eleitores
ainda precisam absorver o que Cris tem debatido. Duke está com
esta bola toda apenas porque ele representa algo familiar para o
público. Só precisamos mostrar que somos uma alternativa tão
viável como segura. - David sabia que seu colega sempre preferia
ver as coisas por um prisma pessimista. Ele tinha uma frase que
David gostava muito. Marcus sempre dizia que Eu sempre vou pela
pior hipótese. Pois se a pior hipótese for na verdade uma
hipótese até razoável, então ela é na verdade uma boa
hipótese.
David tomou mais um pouco de sua
bebida e continuou. - Como você sabe, estamos ainda com o padd
cheio de pontos para discussão para mantermos a campanha na
ofensiva... você sabe que Cris tem mesmo um "q" a mais
para tornar até o mais inofensivo tema em um debate bem feito.
- Realmente espero que seja o caso,
- Marcus disse. - Meio que como as coisas piorarem antes de
melhorarem. Afinal de contas, ainda temos algum tempo para
revertermos o quadro. - ele é claro estava também sendo
cauteloso na questão de tempo. Pois por "algum tempo",
ele se referia aos quatro meses que os separavam ainda da
eleição, uma vez que ainda era o final de janeiro, e a eleição
iria ocorrer em julho.
- Com alguns ajustes, é certo que
sim. - David lhe respondeu. - Os eleitores estão nos considerando
como uma alternativa interessante, mas querem ainda continuar com
a familiaridade que Duke representa. E afinal de contas, não tem
jeito, - ele disse, decidido. - Se quisermos levarmos essa, temos
que reverter a coisa na primeira seqüência. Não podemos ficar
dependentes demais da segunda e terceiras.
- O que deixa agora a questão... -
Marcus disse, antecipando o que seu colega iria dizer.
- Dois ou um ou purrinha? - David
respondeu, sorrindo cinicamente. Era o momento de eles decidirem
de quem seria a vez para ir reportar para a Senadora os resultados
do relatório de Vortik. E seria uma conseqüência desta tarefa
acabar tendo que ficar com Stel até sabe-se lá que hora,
primeiro debatendo furiosamente com ela sobre as causas do
resultado, e mais um tanto de tempo planejando meios de se
reverter tal resultado. Não que estas tarefas fossem
indesejáveis, longe disto. Mas em momentos de crise, Cristina
parece que entrava em dobra, trabalhando freneticamente, e quase
levando seu pessoal à loucura no processo. Ela às vezes até
mesmo se esqueciam que a maioria deles não eram telepatas, e
começava a transmitir psiquicamente informações para eles, o
que acabava valendo-lhe uma série de apelos para ir mais devagar.
Mas ela quase não conseguia evitar. Cristina ficava muito
excitada em resolver tais crises, e enquanto as coisas não lhe
parecessem bem encaminhadas, ela não sossegava.
Certa vez, em uma festa de
fim-de-ano dos Parkers, em que ambos David e Marcus estiveram
presente, Eduardo Parker até mesmo agradeceu a ambos por agirem
como "co-maridos" de sua esposa. Eduardo explicou para
eles que os dois acabavam servindo de "buffer", no qual
Cristina podia descarregar toda sua carga de adrenalina e
excitação do trabalho, fazendo com que ela chegasse em casa
calma e tranqüila como um tribble. David e Marcus tinham
intimidade o suficiente com Eduardo para poderem responder com a
piada de que, em troca, eles gostariam de assumir certas outras
"tarefas" como co-maridos, portanto. A isto, Eduardo
disse que poderia até pensar no assunto, no caso de ele não
agüentar tais tarefas quando Cristina atingisse "A
Fase", um período de alto libido em mulheres Betazóides de
meia-idade.
Mas, por fim, ambos decidiram ir
juntos discutir o tema com a senadora. Havia trabalho adiante
deles, e a não ser que ambos pretendessem abrir mão de poder
transferir seus gabinetes para São Francisco, não tinham o que
ficar esperando muito, ali.
# # # #
O imponente salão de
conferências na Universidade de Greenwich já estava pronto para
receber mais um dos debates entre alguns candidatos da eleição,
e no momento, o staff destes respectivos candidatos estava
terminando os últimos preparativos junto à equipe da
Universidade encarregada do evento. O público participante já
estava começando a tomar os seus lugares, enquanto conversavam
entre si, especulando como se desenrolaria o evento a seguir. A
maior parte do público era composta pelo corpo docente de
Greenwich e seus estudantes, mas também estavam no local
inúmeros políticos londrinos e da União Européia, bem como
diversos jornalistas e outras pessoas presentes.
Stel caminhou pela
ante-sala do salão do debate até uma longa mesa, onde estava
disponível um razoável buffet de café-da-manhã para os
participantes do debate e para o pessoal que estava trabalhando na
sua organização. A Betazóide olhou em volta da mesa e escolheu
uma fatia de bolo Tarvokiano. Havia apenas mais uma pessoa também
se servindo no momento - e tanto Stel como este outro cidadão
ficaram em silêncio durante alguns segundos, antes de finalmente
darem conhecimento de que sabiam exatamente de quem o outro se
tratava.
- Embaixador. -
Cristina Stel disse em um tom leve e respeitoso.
- Senadora. - Timothy
Duke retribuiu no mesmo tom, que também não deixava de ter uma
pequena dose de ironia.
Ambos estavam ali na
Universidade de Greenwich para mais um dos vários debates e
palestras que estavam ocorrendo pela campanha. Como muitos outros
debates, este também teria um tema central, que seria sobre o
papel do Conselho da Federação e das demais instituições da
Federação no desenvolvimento cultural dos planetas-membros, em
particular sobre aqueles recém ingressos na organização, como
Bajor. Que impacto isto poderia trazer sobre estas civilizações,
e qual seria o efeito recíproco para a Federação.
Este debate em
particular também tinha uma particularidade interessante, que
seria o primeiro a ter a participação simultânea de Stel e
Duke. Eles já haviam participado de inúmeros outros com os
demais participantes da eleição, mas com ambos ao mesmo tempo
ainda não havia acontecido - e certamente este não seria o
último, muito pelo contrário.
- Confio que as coisas
no Conselho estão correndo suavemente, Embaixador? - Stel
perguntou.
- Eu a levo para dar
uma olhadinha, se você prometer não tocar em nada, - ele
respondeu, rindo levemente.
- Não posso prometer,
pois estou particularmente interessada no mobiliário de lá...
uma cadeira já me cairia muito bem. - Stel retrucou, também
rindo levemente. Embora esta fosse a primeira vez que eles se
encontravam desde que se tornaram adversários eleitorais, ambos
já haviam se encontrado algumas outras vezes. A última delas
havia sido na comemoração do Dia de Primeiro Contato do ano
passado, quando ambos atenderam às festividades nas montanhas de
Montana. Eles costumavam ter uma interação particularmente
agradável, embora fosse bastante comum ambos divergirem de
opiniões em diversos assuntos, e defenderem seus pontos de vista
com paixão. Stel estava antecipando alguma dose de rivalidade ser
adicionada nesta mistura, e na verdade, ela estava ansiosa por
isto. Duke não iria decepcioná-la, como ela própria já podia
imaginar. Se ao menos houvesse uma maneira de fazer a balança
pender um pouco para o seu lado...
- Não tem como eu
não o felicitá-lo, Embaixador, pelos bons resultados que vem
demonstrando nas últimas pesquisas, - Stel comentou. Duke
terminou de passar a geléia de uttaberries no pequeno croissant
que segurava, e agradeceu de volta antes de comer.
- Não deixei de notar
que você se posicionou muito bem como o "Plano B" do
público, Stel. Embora eu deva confessar que o Plano A deles está
bem seguro de acontecer. - ele não evitou sorrir.
- Sabe, - Cristina
disse, adquirindo um ar pensativo, enquanto fazia uma pausa para
terminar de engolir um pedaço de bolo. - Várias pessoas na minha
equipe estão com um gagh atrás da orelha com os meus níveis de
votos da pesquisa atual. Alguns deles acreditam que esta minha
maneira de realizar a campanha está me comendo pela perna. - Stel
se aproximou de Duke, e torceu a cabeça em um gesto inquisitivo.
- Qual é a sua opinião, Embaixador?
- Você está
perguntando para mim o que eu acho sobre isto? - Duke disse, e
ficou em silêncio durante alguns segundos. - Bem, acho que esta
sua iniciativa não é realmente algo tão estranho assim, afinal
de contas. - ele disse, mais para si mesmo do que para ela,
acompanhado de um maroto sorriso. Cristina sabia muito bem o
porquê deste sorrisinho, embora ela não tivesse feito esta
pergunta devido àquele motivo em particular. A Betazóide tinha
consciência de que Duke estava sorrindo por o humano saber muito
bem que, com ele, Cristina não poderia valer-se de nenhum tipo de
truque mental ou telepático para descobrir o que Duke estaria
pensando neste momento.
Este tipo de
resistência mental é algo que altos funcionários da Federação
aprendem a fazer com algum treinamento básico ministrado por
conselheiros de algumas das espécies telepatas membros da
Federação, como os Vulcanos e Betazóides. Este programa foi
introduzido depois que muitos funcionários e oficiais da UFP
acabaram cedendo a interrogatórios mentais em ocasiões no
passado. Este treinamento não é tão sofisticado como o
treinamento que os Cardassianos costumavam fornecer aos seus
agentes da antiga Ordem Obsidiana, que fornecia a estes agentes
uma resistência praticamente Ferengi a incursões mentais, mas de
qualquer modo, trata-se de uma habilidade bastante útil para quem
pode sempre acabar encontrando oponentes que, de outra forma,
poderiam facilmente adquirir informações que seriam prejudiciais
em alguma negociação, por exemplo.
Duke em particular
utilizava o que telepatas costumam chamar de "defesa em
profundidade", ou seja, a pessoa não impede realmente o
telepata de entrar em sua mente; ao invés disto, a pessoa
controla o fluxo de informações ao telepata de tal modo que este
é sobrecarregado de informações irrelevantes ao que procura,
confundindo assim o telepata. É uma técnica particularmente
difícil, mas Duke se tornou excepcionalmente hábil em usar estes
métodos a ponto de ter uma resistência excepcional a qualquer
tipo de incursão mental. Stel realmente não fez a pergunta por
eventualmente não conseguir ler diretamente a resposta dele, é
claro. Cristina não tinha o costume de ler diretamente a mente de
seus interlocutores, embora admitisse que já fizera isto antes. O
que ela ficava desgostosa em particular a Duke é que com o seu
treinamento, Duke também era bastante invulnerável até mesmo
para ela poder sentir emoções dele. Seria um bom adversário
para pôquer, Stel pensou.
- Bem, minha cara
Senadora, - Duke finalmente disse. - Eu devo admitir que seu
método incomum de campanha pode ser uma d’ktahg de dois gumes.
A insistência nele pode lhe custar mais do que seria saudável
para as suas pretensões.
- Retirando todo este
seu verniz diplomático, você quer dizer que se eu não tomar
vergonha eu vou quebrar a minha cara, não é? - Stel respondeu.
- Essa é uma maneira
de colocar a coisa, - Duke admitiu. - Sabe, em muitos aspectos
você me lembra alguns Bajorianos que conheci nesta ocasião da
admissão deles na Federação. Sem meias palavras.
- Bajor... - Stel
disse, enquanto parecia pensar em algo. - Estou certa de que você
terá bastante a falar sobre eles neste debate, não? Sobre sua
cultura, sobre sua espiritualidade...
- Essa é a idéia, -
Duke confirmou.
- E não só sobre a
espiritualidade Bajoriana, mas de toda a Federação, claro. -
Stel continuou, o que fez o Embaixador perceber que ela estava
tentando direcionar a conversa para algo em particular. Aparentemente,
esta Betazóidezinha não dorme em serviço, pensou Duke, que
estava curioso para ver o que ela tinha em mente. - Sem dúvida,
Stel, - ele finalmente respondeu.
- Então tenho certeza
de que poderemos discutir sobre como a sociedade federativa será
influenciada com a natureza e os conceitos que Bajor tem em
relação às entidades alienígenas que habitam o buraco-negro...
os Profetas, não? - Era apenas uma pergunta retórica, e Stel
não esperou Duke dizer nada. - Eu tenho muitas questões a se
debater sobre eles, e sobre outros alienígenas desta natureza,
como aqueles que habitam o... como era mesmo... ah, sim, claro. O
Contínuo Q.
Duke ficou em
silêncio por vários segundos, coisa que não é de seu costume
fazer, pois sempre entra com algo a dizer, mesmo que seja pego
desprevenido por alguma afirmação. Mas neste momento, ele não
conseguiu evitar de ter que pensar um pouco sobre o que acabara de
ouvir. Estaria Cristina com a intenção de trazer o assunto Q à
baila da discussão que eles estavam para ter dentro de cinco
minutos? Cristina parecia saber do que estava falando, pensou
Duke, apesar de ela estar dando uma de sonsa a respeito dos
Profetas e dos Q, e também antecipava que ela estava querendo dar
tintas teológicas ao assunto. Ele sabia que Stel também era uma
agnóstica, mas não muito mais além disto, e não tinha
realmente como especular sobre de que maneira Stel iria abordar a
questão.
De uma maneira geral,
grande parte da população da Federação de Planetas Unidos, e
principalmente da Terra, não era seguidora de nenhuma religião
formal, ou mesmo acreditava em um Ser Divino com as
características mitológicas de um deus. Centenas de anos de
evolução científica colocaram por terra inúmeros mitos e
crenças antigos da humanidade e que, com o seu grau
avançadíssimo de educação e desenvolvimento social, conseguiu
superar todas as suas antigas superstições e mitos. Contudo,
isto era válido apenas para a grande maioria da população, mas
não certamente toda ela. Ainda existiam muitas pessoas no
planeta, humanas ou não, que seguiam uma religião ou algum outro
tipo de espiritualidade pessoal.
Desta forma, a
Federação de Planetas Unidos, construída em cima de sólidos
valores democráticos, era uma sociedade onde a livre crença em
qualquer tipo de religião era algo assegurado ao cidadão. Mesmo
alguns poucos membros da Federação ainda tinham boa parte de
suas populações seguindo antigas religiões, e outras com
diversos outros tipos de misticismo, e mesmo grandes sociedades da
Federação como os Vulcanos ainda tinham teorias teológicas em
estudo. Mas, de maneira geral, o tema "religião" não
era amplamente debatido na sociedade, e isto devia-se em parte
não apenas à evolução desta sociedade em si, mas também ao
próprio governo da Federação. Embora totalmente livre, a
prática religiosa não era nem um pouco estimulada, e qualquer
estudo ou pesquisa referente a isto, quando havia, era tratado
como algo de conhecimento antropológico, e, portanto, de cunho
científico.
E agora ali estava
Stel, não apenas querendo discutir a influência religiosa que
outras espécies alienígenas podiam trazer à Federação, mas
querendo fazer isto exatamente com os Q. Em tempos remotos, não
havia a menor dúvida de que Q seria visto como uma divindade
entre os humanos, e segundo constava, isto até acontecia entre
algumas outras sociedades fora da Federação. Os poderes
onipotentes desta espécie, somada às suas personalidades
imprevisíveis e arrogantes, certamente os encaixavam dentro dos
padrões necessários para classificá-las eles de
"Deuses", como as divindades do antigo Olimpo, por assim
dizer.
Mas esta
classificação, adequada que fosse, não era nem de longe o
suficiente para mudar a opinião oficial da Federação sobre o
Contínuo Q, ou seja, a de uma espécie alienígena como qualquer
outra, mas que atingiu um grau de desenvolvimento a tal ponto
sofisticado, que adquiriram tais... poderes divinos. A relação
da Federação com os Q, portanto, deveria ser encarada pelo povo
da mesma maneira como a relação com qualquer outra espécie, ou
seja, a relação entre entidades conscientes e inteligentes, e
jamais como a relação entre fiéis e divindade.
Não que o Contínuo Q
tivesse o mesmo ponto de vista, claro. Ou sequer o mesmo
interesse, uma vez que, segundo as observações da Enterprise
e demais pessoas da Frota que já encontraram estes seres, o
interesse dos Q na humanidade é largamente marginal, com os Q
encarando-os apenas como réles entretenimento casual.
Mas por improvável
que fosse, os Q também eram encarados pelo Conselho como uma
ameaça em potencial, pois não havia a menor dúvida de que a
sociedade dos Q poderia facilmente varrer do mapa a Federação.
Portanto, o assunto Q sempre foi tratado com discrição, e embora
não fosse um tema secreto, poucos na Federação e na Frota
conheciam esta espécie a fundo. Duke sabia que uma destas pessoas
certamente era Stel, uma vez que ela aparentava saber exatamente o
que estava fazendo, e jamais tocaria no assunto se estivesse
despreparada. Duke estava surpreso, mas certamente não
preocupado, pois tinha confiança de que poderia gerencia qualquer
situação que daquilo surgisse. O assunto Q afinal, não tinha
toda esta discrição devido a eventualmente entrar em uma área
de discussão teológica, não se tratava disto. Tratava sim de
evitar que o tema se tornasse um debate excessivo pela
Federação, levantando não só temores por entre a população,
mas também levantando o interesse dos próprios Q, que poderiam
começar a se interessar mais do que seria aconselhável pela
Federação.
Mas era bastante
provável que seria exatamente com aquilo que Stel queria mexer,
com os aparentes poderes ilimitados de algumas espécies
alienígenas, com a natureza mística dos "Profetas"
Bajorianos, com a onipotência dos Q, e com a relutância do
Conselho em sequer admitir que os Q seriam algo muito maior do que
o pouco que o público em geral sabe sobre ele. Realmente, não
havia dúvidas de que Stel estava com isto adiantando um ponto que
poderia vir a ser bastante polêmico no debate a seguir.
A Senadora observava o
Embaixador também em silêncio. Seja lá qual fosse a reação
que ela havia provocado em Duke, ela sabia que poderia vir a
servir em seu favor. Em um primeiro momento, parecia ser tolice
ela antecipar ao seu adversário um dos pontos do debate que ela
tinha intenção de mencionar. Mas isto não tinha nada de tolo.
Stel queria que Duke pensasse no assunto antecipadamente, mais e
mais, o quanto ele pudesse. Pois assim, toda esta antecipação
poderia fazer com que o treinamento dele no estilo "defesa em
profundidade" ficasse mais amolecido, por ele não conseguir
tirar o assunto da cabeça. E, portanto, emanar algumas emoções
a mais do que só este semblante Vulcaniano que ele consegue
colocar em seus debates diplomáticos. E também servia de
resposta a Duke considerar que "se ela não tomar vergonha
vai quebrar a cara", mesmo que ele utilizasse o seu próprio
estilo formal de dizer.
- Stel, não faça
isto, - aconselhou Duke, procurando combinar uma expressão de
censura às intenções da Betazóide com um sorriso cínico de
quem sabe que pode lidar com a situação.
- Não? Pois fique
olhando. - Stel apenas respondeu, enquanto caminhava na frente do
Embaixador, com ambos saindo dos bastidores para entrarem na
câmara de debate principal, já com todos os ocupantes presentes,
e os aguardando para darem início.
# # # #
- Droga.
Um suspiro mais forte
seguiu-se a esta exclamação, e Oryza Zgouridy, a Secretária de
Educação da Federação, olhou para o teto de seu gabinete,
localizado em Viena, Áustria. A Cignetiana estava no momento
acompanhada de dois membros do seu staff, Jack Silver,
Sub-secretário encarregado de Pesquisas Pedagógicas, e de
Andréia Mtryev, a felinóide que era a Chairman do Comitê
Educacional de Integração Federativa, ou seja, o órgão
responsável por coordenar as diretrizes básicas de ensino para
os membros da Federação de Planetas Unidos. Ambos haviam trazido
para ela o primeiro relatório de campo do pessoal do CEIF que
fora até Bajor, e como de costume, este relatório inicial se
encaixava perfeitamente naquilo que os três haviam antecipado.
- Porque será que
toda, mas toda a vez que um novo membro se junta à Federação,
tem que ser exatamente conosco a surgir a primeira rusga? - Oryza
lamentou, ainda que estivesse mostrando um sorriso. Afinal, não
era realmente a primeira vez que este tipo de problema ocorria.
Dentre os inúmeros projetos que tem início tão logo um novo
sistema entra na Federação, um deles é de se ajustar a grade
curricular do sistema de ensino do novo membro, fazendo com que
esta grade esteja de acordo com algumas regras básicas
educacionais comuns a toda a Federação. Neste momento, as
autoridades educacionais Bajorianas, bem como diversos outros
líderes locais, estavam fazendo severas restrições a que o
Inglês Federativo se tornasse matéria mandatária no currículo
escolar Bajoriano. De qualquer modo, tanto Oryza como eles dois
ali já haviam previsto isto, pois isto é bastante comum de
ocorrer.
- Bem, Oryza, acho que
nós deveríamos é agradecer "aos Profetas" que eles
só reclamaram disto, na verdade... não, minto. Tem mais,
também... - e Jack reviu o padd do relatório, mas Mtryev se
adiantou ao seu colega.
- Eles estão
relutantes também de permitirem que o ensino religioso se torne
facultativo. Para falar a verdade, foi a isto que o clero
Bajoriano e os políticos mais conservadores do planeta fizeram o
protesto. Os grupos mais liberais se mostraram contra o ingresso
do Inglês no currículo.
- Esse pessoal parece
nunca ler a linha pontilhada do acordo se entrar na Federação,
não? - Oryza comentou, genericamente se referindo a membros
recentes da UFP. - Quero dizer, eles realmente acham que aprender
Inglês vai fazer com que eles percam a sua identidade cultural,
quando na verdade isto no final das contas até ajuda a
reforçá-la, uma vez que eles poderão com isto passar a difundir
a sua cultura através das outras sociedades de nossa nação.
- E a crítica mais
comum foi a de que não há um pingo de necessidade de se aprender
Inglês, pois "é para isto que tradutores universais
servem"... - Mtryev citou uma das autoridades Bajorianas que
recepcionara o seu pessoal.
- A crítica mais
batida, você quer dizer, né? É exatamente o que todo mundo diz.
- Oryza confirmou. - Nestas horas todos põem uma confiança cega
em tecnologia. Mas nunca ninguém lembra que se dá algum
pirepaque nos sistemas de tradução, uma eventual reunião de
várias pessoas de membros diferente da Federação poderia
literalmente virar uma Torre de Babel. - Ambos os membros do staff
de Oryza concordaram com sua comparação. - Bom, fora isto, eles
têm mais alguma reserva a fazer? - a Secretária perguntou, e
Silver repassou novamente os dados no padd.
- Não, Oryza, os
demais pontos foram todos aceitos, sem problemas... na verdade,
muitos deles já haviam até sido implantados de uma forma ou de
outra, através das várias equipes da Federação que estiveram
ajudando a reconstrução de Bajor nos últimos oito anos, desde o
fim da ocupação Cardassiana. - Silver comentou.
- Mas no que disse
respeito a idioma e religião, eles deixaram bem claro que não
aceitam mudanças.
Oryza pensou por
alguns instantes a respeito do que havia previamente estudado
sobre Bajor. Sem dúvida se tratava de uma sociedade bastante
espiritual, e com um senso de nacionalidade muito forte; uma
combinação dura de se amolecer. Mas ela havia tido a esperança
de que o ingresso na Federação faria com que estes fatores não
se mostrassem obstáculos para a implementação das políticas
educacionais federativas em Bajor. Afinal de contas, a sua
Secretaria é uma das mais preocupadas em resguardar a identidade
cultural dos membros, mas no final das contas é a que acaba tendo
que sofrer o papel de bode espiatório para os primeiros
desentendimentos que acontecem entre o novo membro e o governo
Federativo. E, como sempre, não dá para se contar demais com a
ajuda do Conselho. Eles raramente estão dispostos a fazer a
pressão necessária ao novo membro, para evitar quaisquer
problemas em seu relacionamento diplomático. E, portanto, estas
batata-quentes acabam tendo que ficar com o pessoal de campo.
Apoio do Conselho
para a implementação destes projetos,
Oryza pensou. Não deixa de ter sido conveniente que alguns dias
atrás ela tenha assistido ao vídeo do debate entre Stel e Duke,
que entre outras coisas tratou exatamente sobre questões
espirituais do povo Bajoriano, e como isto se relaciona ao
restante da Federação. Ela ficara muito satisfeita em ver as
posições de Stel a respeito deste tema em geral. A sua colega, a
Secretária Raquel Trajina, havia confidenciado sobre o encontro
que havia tido com Cristina Stel, alguns dias atrás. Trajina
disse que Stel se mostrava bastante aberta a alianças,
especialmente dentro do gabinete de Inyo. Certamente é muito cedo
para se poder contar com a ajuda de uma eventual "Embaixadora
Stel", mas certamente isto seria bastante útil em
situações semelhantes no futuro. E além de tudo, Stel era uma
mulher que viera da comunidade educacional, tendo tido ela mesma
um cargo equivalente ao de Oryza, no Rio de Janeiro. Trajina
realmente pode ter razão em um eventual apoio a Stel.
Mas, no momento, há
estes temas pendentes que precisam de atenção. Certamente será
necessário dar início em Bajor a um debate amplo a respeito
destes temas, e para isto, o CEIF irá precisar de todo o apoio
que a Secretaria puder fornecer.
- Andréia, você
está com viagem marcada de volta a Bajor, não? - Oryza
finalmente perguntou.
- Sim, eu devo voltar
para lá na semana que vem.
- Algo em mente,
Oryza? - Jack perguntou.
- Sim... eu quero que
você reveja a sua agenda, Andréia. Verifique com o seu pessoal
se é possível você esperar mais alguns dias até a sua volta.
Jack, eu quero que você adiante algumas coisas para a minha
agenda, e prepare a sua para ficar no meu lugar por um par de
semanas.
- Então você... -
Jack especulou, mas a Secretária se antecipou a ele.
- Eu estarei indo para
Bajor.
# # # #
- Computador, mostre a
atualização mais recente do La Federation, - Amanda
Jrovit ordenou, enquanto observava o console na mesa de Massif, um
de seus analistas que estava encarregado da pauta relativa a crise
em Chin'Toka.
A editora-chefe do Inquirer
estava ali juntamente com Massif, além de Scott Ross, e Jtron, o
Boliano que era chefe da editoria extrafederativa. Todos estavam
agora assistindo à matéria que o La Federation acabara de
divulgar, em uma edição especial. No início do dia, haviam
informações conflitantes sobre uma escalada na crise interna do
sistema Cardassiano de Chin'Toka, mas agora o pessoal do La
Federation conseguira a confirmação de que uma Lei Marcial
havia sido decretada em todo o sistema, em resposta aos grupos
setoriais da colônia terem levado às últimas conseqüências
suas ameaças contra o Conselho Detapa. Esta resposta deu-se na
forma de uma greve geral, decretada em todo o sistema, e a qual
teve a adesão de quase 80 por cento da força produtiva de
Chin'toka, incluindo uma boa parte da burocracia oficial.
O mero conceito de
greve é de muitas formas algo completamente estranho na cultura
Cardassiana, que valoriza sobremaneira a disciplina e lealdade a
um governo central forte. Contudo, em função da profunda crise
política, econômica e social do pós-guerra, a equação toda da
crise em Chin'Toka também tinha que considerar algumas rixas e
problemas fundamentais que estavam surgindo entre esta colônia e
os setores mais internos da União Cardassiana. Atualmente, quase
tudo era possível de se acontecer, e muitos temiam que o que
estava ocorrendo em Chin'Toka poderia facilmente se alastrar pelos
demais setores da União Cardassiana, e na verdade, este processo
estava começando a ocorrer.
- Na verdade, eu estou
até admirado em como demoraram para federalizarem de vez o
governo provinciano local, - Jtron comentou, enquanto as imagens
dos protestos em diversas cidades de Chin'Toka Prime eram
exibidas. Uma delas mostrava um Cardassiano, discursando para uma
multidão agrupada à frente do que parecia ser uma instalação
de indústria química.
- Quem é ele? -
Amanda perguntou, para ninguém em particular.
- Trovez, - respondeu
Massif. - Ex-Gul, veterano dos conflitos entre a Federação na
década de 50, e fez parte do gabinete de administração de
Chin'Toka, durante a aliança deles com o Dominion, até quando o
sistema foi tomado por nossas forças. Ele desapareceu na
confusão subseqüente que ocorreu, e durante algum tempo foi dado
como morto. Com o Dominion já controlando diretamente boa parte
de Cardássia, ele se manteve na clandestinidade mesmo depois de o
Dominion recuperar o sistema, e posteriormente se juntou ao grupo
de resistência criado por Damar. Após a queda final do Dominion,
ele e alguns de seus associados criaram um grupo de oposição
local.
- Mas se ele se
alinhou ao pessoal ligado a Damar no final do conflito, porque ele
está agora tão radicalmente contra o governo de Lang? - Jtron
emendou à pergunta de Amanda.
- Bem, exatamente por
isto. Ele considera que o Comando Central é que deveria ter de
volta o seu poder sobre a união, e não o Conselho Detapa. Ele se
recusou a participar do gabinete de Lang.
- E além do mais, o
grupo dele é de cunho fortemente nacionalista, - explicou Ross. -
Não é apenas Trovez que faz parte dele, mas também muitos
outros Cardassianos de origem quigoliana. - Ross se referia a uma
das principais etnias Cardassianas da qual era composta a
população do sistema de Chin'Toka. – Os quigolianos
consideraram que com Trovez fora, a voz que eles teriam no governo
central seria ainda menos considerada... desta forma, eles estão
querendo maior autonomia.
Cerca de sete séculos
antes, vastas áreas do quadrante Alfa foram colonizada por
Cardassianos, vindos em missões de exploração e colonização.
Todo este fluxo de migração Cardassiano deu origem a várias
sociedades distintas, originárias destas primeiras colônias. Uma
destas sociedades foi a Quigoliana, que surgira em volta de
vários sistemas estelares colonizados por imigrantes desta etnia
de Cardássia Prime. Os quigolianos logo desenvolveram e
expandiram a rica cultura da qual haviam se originado. Contudo,
com a militarização pela qual Cardássia Prime passou desde a
época equivalente ao século 19 terrestre, as diversas sociedades
independentes que haviam surgido foram uma a uma engolfadas em um
vasto império que deu origem à União Cardassiana. O sistema
estelar de Chin'Toka era um daqueles no qual os quigolianos haviam
se instalado, embora não fosse o seu principal, e um dos que se
tornou apenas mais uma província do Estado Cardassiano. Portanto,
a maior parte da população Cardassiana destes planetas era de
origem quigoliana. Não era surpresa, portanto, que no meio de
todo o caos em que Chin'Toka se encontrou nos últimos três anos
- mudara de controle três vezes durante a guerra, todas elas em
sangrentas batalhas - um forte sentimento de resistência
nacionalista estava surgindo.
- Mais autonomia do
comando central? - Amanda perguntou, retoricamente.
- Isso trata-se da
base de reivindicações deles, mas no momento... este tipo de
coisa, uma vez iniciada, muitas vezes torna-se algo
incontrolável. - Ross comentou, e procurou especular um pouco
mais. - Por exemplo, esta facção de Trovez... ou eles são
malucos, ou eles têm um poder de barganha considerável, e sabem
disto. Pois esta greve foi praticamente chamar o Conselho Detapa
para o pau. E eles não fariam isto sem terem certeza de que
possuem algum bom escudo contra uma resposta forte, e se não
soubessem que Lang e os demais no Conselho ainda não estão
maduros o suficiente no poder para peitar eles.
- Com certeza. Ele
sabe muito bem que o Conselho Detapa não vai se atrever a fazer
nenhuma medida drástica sem o aval das forças aliadas, - Jtron
comentou.
- É verdade.
Certamente a turma em Cardássia Prime vai ter que pisar em ovos
para poder tomar a decisão de algo mais forte... - Massif disse.
- Bom, - Amanda
começou, desviando a sua atenção da tela para o grupo ali
reunido. - Eu só quero saber mais uma coisa. Como foi que eles
conseguiram meter a mão neste material antes de nós e o restante
dos principais centros noticiosos? O La Federation não tem
ninguém in loco no momento, e as agências ainda não repassaram
nada... - Amanda se referia aos diversos boletins conflitantes que
eles receberam por todo o dia, vindos das principais agências de
notícias. - E eles têm apenas aquele correspondente em
Cardássia Prime, e o cara nunca foi de conseguir furos deste
jeito.
- Eles devem ter
mexido alguns pauzinhos no Serviço de Notícias da Federação, -
Ross disse. - Eu ouvi falar que o novo correspondente deles em
Bajor, Mateus Heis, é amigo do Jake Sisko. Se Sisko conseguiu
este material com a SNF, ele pode ter trabalhado com o Heis para
finalizarem a matéria, e ele pode ter ficado com uma parte do
butim.
- Seria melhor
mantermos o olho nesta confusão, - Jtron aconselhou, e passou os
olhos por algumas pautas futuras em um padd. - Há coisa aqui em
que podemos dar uma segurada, o que poderia liberar algumas
pessoas para ajudar... e Ross, você poderia ser de grande ajuda,
também.
- Concordo, - Amanda
disse, apoiando a idéia. - Ross, você e Massif se encarregam
disto, e recrutem tantos outros braços quanto precisarem. - Ross
concordou, enquanto Massif se levantou de sua mesa.
- Muito bem, mas por
hoje eu ainda tenho que ir para Haia, pois vai ter início hoje a
sessão de declarações finais no julgamento da Fundadora, - ele
disse. Massif era o correspondente do Inquirer cobrindo o
julgamento da Fundadora, que se aproximava do seu final, e a
antecipação era grande por se saber o veredicto final, que
provavelmente seria de prisão perpétua. Os representantes
Klingons e Romulanos certamente iriam protestar, ao que a
Federação, para garantir este veredicto, iria ter que ceder
sobre em que local a pena seria executada; a colônia penal da
Nova Zelândia certamente estaria fora de cogitação, e Martok
declarara recentemente que a Fundadora já tinha uma câmara
especial com o nome dela em Rura Penthe. De qualquer modo, fosse
qual fosse o local definitivo, este iria certamente ser
construído especialmente para se manter um transmorfo preso com a
máxima segurança.
- Muito bem, mas
façam deste pega em Chin'Toka prioridade atual. - Ela terminou,
enquanto o seu pessoal ali se dispersava para tomar as
providências necessárias para intensificar a cobertura de uma
crise que, pelo que estava parecendo, poderia se agravar.
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