Capítulo 4 –
Dobrando a Camuflagem
Embora seja um fato
que desde meados do século 21 o conceito de
"Televisão" tenha desaparecido da sociedade terrestre,
da mesma maneira é um fato que mesmo no século 24 as pessoas
ainda possuem o hábito de assistir em um monitor a transmissões
de algum evento ou programa, o que em si poderia ser considerado
de certa forma a se "assistir televisão".
O que desapareceu na
verdade foi o conceito de "Indústria Televisiva", ou
seja, organizações que produziam programação regular e a
transmitiam por uma determinada freqüência de VHF ou UHF.
Desapareceram os conceitos de estúdios, anunciantes e índices de
audiência. Desapareceram os produtores inescrupulosos,
apresentadores hipócritas e astros excêntricos. Mas o velho
costume de se assistir à exibição de um programa em um monitor
de vídeo continuou a existir, pois a geração e transmissão
deste programa em questão ficava agora a cargo de quem de fato
tinha interesse sobre a livre divulgação do evento. E uma vez
que a logística para isto era infinitamente mais fácil de se
manter, não havia nenhum impedimento que mesmo uma peça teatral
de uma escola primária fosse transmitida ao vivo para toda a
Federação. Se a pessoa desejasse assistir, bastava pedir ao seu
computador mostrar as imagens e apresentações liberadas. Desta
forma, praticamente tudo que acontece em público na Federação
é possível acompanhar a longa distância, como eventos
esportivos, apresentações culturais, palestras acadêmicas
abertas ao público, noticiários, entrevistas e debates ao vivo,
e muito mais. Além disto, havia também a disponibilidade de
qualquer programa previamente preparado, como aulas a distância,
documentários, shows, e também todo o acervo de absolutamente
tudo o que já fora produzido e registrado em filme ou vídeo,
desde o início do século 20. Para se assistir a qualquer coisa,
bastava a uma pessoa pedir ao seu computador que mostrasse o
programa em questão.
E neste momento, era
um dos inúmeros noticiários terrestres que Tolia assistia na
sala de estar de seu apartamento de beira da ensolarada costa
mediterrânea, na cidade de Beirute. A Boliana estava prestes a ir
ao trabalho, e comia uma tigela de tâmaras com molho tabasco como
o seu café da manhã enquanto mantinha os olhos no monitor
principal, onde a principal imagem era a "Atualização da
Semana" pelo Serviço de Notícias Libanês. Ela já havia
assistido a algumas notícias locais, e acompanhava agora os
comentários a respeito de política do quadrante.
- ... considerando
os recentes problemas no sistema Cardassiano de Chin´toka, onde
pela terceira semana consecutiva os protestos aumentaram contra o
governo provisório. Nesta manhã, o Archer Hall se pronunciou a
respeito... – e a imagem atrás do apresentador mudou de
cenas em cidades Cardassianas para uma cena dentro da sala de
imprensa da presidência da UFP, - ... quando o Porta-Voz do
Archer Hall, Sebastian Drake, assegurou que o Presidente Inyo e o
Comando da Frota Estelar estão em constante contato com as
autoridades Cardassianas para a solução desta crise... –
Tolia agora tomava um pouco de seu suco de laranja enquanto o
apresentador terminava o segmento. A atenção da Boliana aumentou
quando notícias referentes à eleição começaram a ser
exibidas, e uma foto de divulgação da senadora surgiu na tela
atrás do apresentador.
- Diversos setores
do governo protestaram em reação às recentes críticas à Frota
Estelar feitas pela Senadora Cristina Stel, atual candidata à
Embaixada da Terra no Conselho da Federação. – A imagem
mudou para um grupo de pessoas ao redor do Embaixador Duke, no que
parecia ser uma das salas de transporte do Conselho. – O
Embaixador Duke comentou as declarações da Senadora Stel, quando
estava de saída do Conselho, nesta manhã... – o áudio
passou agora a ser o da cena no Conselho, com vários repórteres
falando ao mesmo tempo, até que Duke fez sua declaração.
- Bem, isto
demonstra claramente que a Senadora Stel ainda não está
preparada para agir da maneira que uma verdadeira diplomata deve
se postar. Ao lançar acusações aleatórias e sem fundamento
contra a Frota Estelar, ela não está apenas desdenhando do
importante apoio que esta instituição fornece para todas as
esferas de nossa sociedade, ela também está desdenhando o
próprio povo à Federação, o qual a Frota Estelar honra em
servir. – Algumas outras
questões foram rápida e confusamente gritadas pelos repórteres,
mas Duke continuou. – Afinal de contas, a Frota Estelar tem
servido a Federação desde a fundação desta, e sua
participação na nossa sociedade é tão adequada como bem
ajustada. Mas aparentemente a Senadora não consegue ver outra
coisa na Frota do que uma suposta "ameaça" ao modo de
vida de nossos cidadãos, o que evidentemente é equivocado.
- Mas que filho de
escrava Órion... – Tolia disse para si mesma, enquanto o
apresentador passava a comentar sobre alguns candidatos locais do
Oriente Médio. Um sinal de intercom soou, e a voz de Denise soou
pela sala.
- Tô, você está
assistindo? – a amiga da Boliana disse.
- Sim, pelo
noticiário local. Onde vocês estão?
- No Delaware,
- respondeu a híbrida humano-Romulana, confirmando que estavam no
runabout da campanha de Cristina. – Estamos voltando das
reuniões em Europa, - pelas últimas 36 horas, Cristina fez
várias "town meetings" nas colônias nos satélites de
Saturno e Júpiter, tendo se encontrado com vários líderes
locais.
- A Senadora já viu
também?
- Ela está tomando
banho, - Denise respondeu. – Mas pelo jeito ela também
estava com o monitor do banheiro ativado, pelo jeito que ela
xingou o Duke de lá de dentro.
- Tolia, você e
Zhaav precisam ir indo para a Assembléia-Geral e preparar uma
coletiva, - David requisitou para sua assistente. – Precisamos
disto pronto para assim que chegarmos lá.
- Em quanto tempo
vocês vão estar aqui? – Tolia perguntou, enquanto pegava
vários de seus pertences espalhados pela sala e os colocava em
sua bolsa, se preparando para sair. Ela pôde escutar Denise
murmurando algo para David e uma outra pessoa.
- A tripulação
disse que vamos estar na órbita da Terra em 35 minutos, - ela
finalmente respondeu.
- Certo, eu devo ter
tudo arranjado para assim que vocês chegarem, a gente já pode
começar.
- Ótimo, Delaware
desligando. – Tolia terminou de se preparar, e voltou sua
atenção de volta ao monitor principal, onde o noticiário do dia
já estava terminando.
- Eu sou Kent
Brockmann, e isto é novidade para mim. – o apresentador
terminou de dizer, arrumando alguns padds.
- Computador, desative
o monitor. – a Boliana disse, antes de sair pela porta de seu
apartamento, a caminho do teleporte no quarteirão de seu prédio.
# # # #
- E ela aceitou assim,
numa boa?
Amanda Jrovit
caminhava ao lado de Scott Ross, enquanto ambos seguiam na
direção da estação da SEPTA, na 13º Rua com a Market Street,
logo que eles deixaram o prédio da redação. Havia caído uma
nova camada de neve durante o final da tarde, mas a rua estava
completamente desobstruída, pois o sistema automático de degelo
do calçamento fazia com que as áreas de livre circulação
sempre ficassem limpas. E não parecia que iria nevar novamente,
com o céu estando bem limpo no momento, deixando a noite bastante
estrelada.
- Ela foi bastante
receptiva à idéia, realmente. – Scott estava comentando para a
sua editora como havia sido o encontro que tivera com Mônica
Munro, onde discutiram sobre a possibilidade de Scott mandar
mensagens para a USS Voyager. – Nós falamos sobre o
assunto quando ela me convidou para jantar na casa dela e de sua
namorada. Me surpreendeu que ela se lembrasse de mim ainda, pois
fazia anos que eu a havia conhecido, com o Mike. Eu expliquei por
que eu precisaria que ela me ajudasse em mandar a mensagem para a Voyager,
expliquei sobre a série de artigos nossos, expliquei como está
este projeto...
- Porque eu estou
vendo um grande "mas..." vindo aí, Scott? – Amanda
perguntou.
- Não, ela concordou
com tudo, como eu te disse. Contanto que eu também incluísse nas
entrevistas a prima dela, a Alferes Munro. – ele colocou uma
certa ênfase no contanto, para deixar claro que Mônica realmente
queria que a sua prima tivesse participação.
- Mas segundo o que
você me disse, esta Alferes já era da tripulação da Voyager
desde o início... ela não era maquis.
- Sim, mas na verdade,
esta emenda saiu melhor do que o soneto. Eu já estava pensando
mesmo em incluir um dos tripulantes originais da Voyager
nas entrevistas, para ter o ponto de vista deles sobre as
questões que eu passei para os maquis. Não sobre como está
sendo viver com a tripulação a qual eles foram incumbidos de
capturar, não se trata disto... – Scott realmente não queria
apenas mais da mesma coisa, ou seja, mais depoimentos dizendo as
mesmas coisas que já haviam aparecido antes sobre a Voyager
desde que o contato regular com a nave no quadrante Delta foi
alcançado.
- Ah, muito bem...
você quer saber o que o pessoal da Frota na Voyager teria
a dizer sobre o movimento maquis em geral, não?
- Exatamente, chefe.
Originalmente eu tinha pensado em mandar as questões para o
Tenente Tuvok, ou mesmo a Capitão Janeway, mas quando Mônica
condicionou a colaboração dela com a participação da prima nas
entrevistas, isto encerrou o assunto. Eu preparei então a parte
"Frota" da entrevista para ser respondida pela Alferes
Munro.
- E você já tem tudo
pronto?
- Eu vou dar uma
repassada no material todo, e amanhã eu já devo transmitir para
Mônica. Ela então vai gravar como a "carta" dela as
perguntas e o software de entrevista, com uma introdução
explicando para a prima dela o que fazer. Daí a coisa toda é
enviada pelo Projeto Pathfinder no próximo pacote mensal para a
nave, o que deve ser em uns 10 dias.
- Você vai trabalhar
nisto ainda hoje? Eu pensei que você iria sair com a Denise, pelo
que você me disse.
- Bem, eu estou indo
agora para o apartamento dela lá em Germantown, mas acho que ela
vai chegar meio tarde. Ela está tendo que correr feito uma doida
para coordenar uma série de coletivas para responderem às
críticas do Embaixador Duke e do Bill Duarte.
- Putz... falando na
eleição, eu esqueci de perguntar se a Dulce foi acompanhar a
town meeting que o Ronaldo Triev participou hoje em Cincinnati. Eu
preciso entrar em contato com ele. – ela então deu um leve
tapinha na sua combadge, e contatou sua repórter para confirmar a
informação que precisava. Após isto, Scott e Amanda chegaram
finalmente na estação, e após passarem pelos arcos de
identificação na entrada, que automaticamente debitaram de cada
um deles 30¢ de crédito pelo uso do Airtram, o casal desceu as
escadas rolantes de acesso a plataforma, onde encontraram uma boa
multidão aglomerada logo na saída da escada, todos esperando o
próximo Airtram, que já se aproximava da plataforma.
- Vamos mais para a
ponta da plataforma, - Amanda sugeriu, e apertou o passo, seguida
por Scott. Ambos continuaram até a extremidade oeste da
plataforma, onde apenas algumas poucas pessoas esperavam o airtram
terminar de estacionar.
- Pense só um
pouco... o transporte público em massa existe neste planeta há
mais de quatrocentos anos, mas as pessoas ainda se aglomeram todas
bem aonde elas chegam na plataforma... e ficam espremidas nos
vagões. – a híbrida Kitariana comentou com o humano, enquanto
ambos entravam no airtram e ocupavam uma das várias poltronas
vazias do vagão em que haviam entrado.
# # # #
A Chris Kraft Plaza
era um dos locais mais antigos de Tycho City, datando ainda da
época das primeiras colônias permanentes na Lua. Outrora uma
fazenda hidropônica, o local havia passado por uma completa
remodelagem quando instalações agrárias mais modernas entraram
em operação no século 23. Isto, adicionado à recente
restauração que a Chris Kraft Plaza havia passado alguns anos
antes, deram ao local um aspecto bastante incomum, com a sua
enorme redoma de alumínio transparente, mantida pela estrutura de
aparência industrial típica do século 21, e hoje o local era um
movimentado centro turístico.
Desta forma, a Plaza
estava bastante movimentada como de costume, com várias pessoas
ali presentes, aproveitando a tranqüila tarde de sábado. Na
Estação de Airtram local, um grupo de Bajorianos desembarcava do
tour pelos seis sites de pouso das antigas missões Apollo,
enquanto que mais ao sul do local, em frente ao Hyatt Tycho City,
uma boa multidão estava reunida.
O hotel em questão
estava abrigando o jantar anual da Associação dos Veteranos da
Frota Estelar. Era uma Convenção bastante movimentada, contando
com a presença de diversos ex-membros da Frota, que sempre se
reuniam ali em Tycho City para rever antigos colegas e trocar
histórias. Além do jantar, havia também diversas outras
atividades para os convidados, em diversos outros locais da
cidade.
Apesar de a AVFE se
tratar de uma entidade de veteranos em geral, não havia muitos
ex-oficiais de alta patente em seus quadros. Os ex-oficiais que se
graduaram da Academia sempre tiveram o costume de se reunir sob os
auspícios da Associação de Alumnis da Academia da Frota. Desta
forma, a AVFE era praticamente apenas de veteranos que haviam se
alistado como conscritos na Frota Estelar, ainda que diversos
tenham se tornado oficiais posteriormente, através de cursos
complementares na Academia. Ainda que as relações entre as duas
entidades fossem geralmente cordiais, sempre havia um sentimento
nos veteranos conscritos, que na sua grande maioria foram
tripulantes de baixa patente, de que isto se tratava realmente de
um certo elitismo por parte dos oficiais da Frota que tiveram a
oportunidade de cursar a Academia.
O jantar da AVFE era
um dos mais importantes eventos do calendário de convenções do
satélite terrestre, que era conhecido pela Federação como um
importante centro de simpósios e congressos, por dispor de
excelente infra-estrutura para receber praticamente centenas de
grandes convenções ao mesmo tempo. E este evento da Convenção
da AVFE em particular, o jantar anual, iria ter esta noite uma
convidada especial, a Senadora Stel, que iria fazer um discurso
seguido de um debate acerca dos pontos mais importantes de sua
campanha para o Conselho.
Em uma ante-sala do
salão principal de jantar do hotel, Denise estava organizando os
preparativos e arranjos necessários para a cobertura
jornalística do evento, acompanhada de alguns funcionários do
hotel e da AVFE. No momento, a assessora de Stel estava
autenticando as credenciais de várias pessoas que iriam
participar do jantar.
- Eu devia arrancar o
seu fígado por isto, Romulana! – uma forte voz feminina soou
por trás de Denise, que se virou tranqüilamente na direção da
mulher, que usava um vestido cerimonial Klingon.
- Olá, amiga! Eu não
sabia que você vinha aqui hoje. – e com isto Denise se adiantou
para dar um beijo no rosto da Klingon, que não fazia questão
alguma em esconder o fato que não apreciava aquele gesto em
particular.
- Ugh. Você e esta
sua mania de beijar, Denise. Por isso eu já rosno em
antecipação! – Katilla disse, e logo em seguida entregou a sua
credencial para Denise autenticar.
- Pensei que você
estivesse ocupada com os preparativos para a cerimônia de
Ingresso de Bajor. – Denise autenticou a credencial da Klingon,
e a devolveu.
- Eu já tive o
bastante de todos aqueles entusiasmados Bajorianos ficarem de
trocar afagos com os diplomatas do Conselho, - Katilla respondeu.
– Cobrir a sua superior em campanha vai ser bem mais excitante,
isto é certo.
- E as movimentações
da Frota também não estão tendo sua atenção? – Denise
brincou.
- Por mais que eu
quisesse, isto fica a cargo do pessoal da Embaixada Klingon! –
as duas mulheres riram. Valkirs Katilla era a correspondente
principal na Terra para o Ministério de Propaganda Klingon, que
tinha para si a função de agência de notícias oficial para o
Império. Tal posição tinha grande prestígio, mas como todas as
demais posições na Terra, não eram exatamente as favoritas de
um típico Klingon. Katilla, por exemplo, ressentia o fato de que
ela não podia levar a sua d'ktahg ou qualquer outra de suas armas
para todo e qualquer lugar no planeta. Segundo ela mesma, estar
desarmada em público lhe trazia uma sensação pior do que seria
estar nua em público.
Vinda de uma das mais
importantes casas de Qo'noS, Katilla havia se preparado desde
criança para ingressar nas Forças Militares do Império, mas ela
acabou rejeitada por ser baixa demais; com um metro e sessenta e
oito de altura, ela era realmente bem baixinha para uma Klingon. O
fato a enfureceu bastante, mas seu tio, um membro do Alto Conselho
Klingon, a convenceu de que ela poderia servir ao Império sendo
correspondente interestelar para o Ministério da Propaganda.
Depois de passar por vários postos em colônias internas do
Império, ela foi designada para ser a principal correspondente na
Terra, onde ela adquiriu grande prestígio nos meios de
comunicação locais. Katilla sabia exatamente como e quando era
adequado de se usar calma e serenidade em um planeta com bilhões
de humanos e outras pacíficas espécies da Federação; ela
conseguia regular o seu temperamento como se o fizesse através de
um interruptor, o que sempre se mostrava útil em seu trabalho. As
duas colegas conversaram durante mais algum tempo, quando Denise
verificou que já estava na hora do jantar começar; de fato,
muitas pessoas já se dirigiam ao salão de banquete principal.
- Vamos indo? – ela
finalmente sugeriu para Katilla.
- khi-GOSH, -
confirmou a sua amiga Klingon, em seu próprio idioma, e ambas
seguiram para o salão principal. Katilla tinha bom conhecimento
de Inglês federativo, então ela mantinha o seu tradutor
universal a maior parte do tempo desativado. Ele nunca era
absolutamente perfeito em perceber todos e quaisquer momentos em
que Katilla fazia questão de usar algumas frases e expressões de
seu próprio idioma nativo.
O local estava
bastante cheio, com todas as mesas redondas de oito lugares
totalmente ocupadas. Denise arranjou para que Katilla tivesse um
lugar na mesa do grupo da Senadora, e ela aceitou o convite. Por
todo o salão havia quase três centenas de ex-tripulantes e
oficiais da Frota Estelar, todos de traje formal, de dezenas de
espécies diferentes da Federação, que estavam ali representando
suas agremiações de veteranos locais de cada região da
Federação. O Chairman da AVFE, Humberto Brinnighan, fez as
saudações de boas vindas, que foi seguida pelos discursos de
várias outras pessoas, bem como a entrega de placas comemorativas
e de outras atividades típicas de um jantar como aquele.
Durante a refeição,
Vortik e Marcos foram até a seção de banheiros do salão, para
onde Zhaav havia se dirigido alguns minutos antes. Ambos
observaram uma mulher Altariana sair do banheiro feminino, e logo
depois Vortik verificou se a Andoriana conhecida deles havia
ficado sozinha no local. Desta forma, ambos entraram.
- O banheiro para
espécies assexuadas é a porta do meio, viu? – Zhaav disse,
enquanto ajustava a alça de seu longo vestido na frente do
espelho na seção de pias.
- Zhaav, seria
importante você falar com Marcos aqui, ou temo que ele possa
precisar de uma hypospray para se tranqüilizar.
- Que é que foi? –
ela perguntou, enquanto ajeitava parte de seus lisos cabelos
brancos por entre as suas antenas.
- A Senadora decidiu
por qual versão ela vai usar do discurso? – a voz de Marcos
tinha um certo tom de preocupação.
- Sim, - a Andoriana
respondeu. – A primeira versão que demos a ela. – A resposta
não pareceu agradar muito o humano.
- Eu acho que nós
não devíamos ter sequer mostrado a primeira versão para ela, -
Marcos disse. – Tem várias coisas ali que eu acho que estão
ácidas demais, e não seria adequado de se falar considerando que
o pessoal da Frota está todo melindrado com as últimas
declarações dela. E aquela proposta lá pelo final... não sei
se é prudente tocarmos neste assunto no momento.
- Marcos, você
esquenta demais. Você sabe tão bem quanto eu que a Senadora
nunca usa os discursos que escrevemos para ela ao pé-da-letra.
Ela sempre faz algumas modificações, bem como faz ajustes até
mesmo enquanto ela já está discursando, baseado no que ela sente
da platéia. Então, por mais ácida que a primeira versão do
discurso esteja, eu sei que ela vai dar o ajuste necessário.
- Eu espero que sim, -
Marcos disse, enquanto o grupo retornava para a mesa. – por
detrás do humano, Zhaav apenas olhou ironicamente para Vortik,
que entendeu bem o gesto, ainda que mantendo a sua neutra
expressão de sempre.
Depois de mais algum
tempo, a atenção retornou novamente para o chairman da AVFE, que
estava anunciando a próxima pessoa que iria discursar. Assim que
Brinnighan anunciou Cristina Stel, ela se levantou e seguiu na
direção do palanque principal, acompanhada por palmas. A
Senadora agradeceu a oportunidade de estar ali presente na
cerimônia, brincou com alguns dos presentes os quais ela conhecia
pessoalmente, e se pôs a discursar.
À medida que Cristina
deliberava sobre suas opiniões, idéias e pensamentos, as
reações individuais eram várias. Algumas pessoas balançavam
levemente a cabeça em silenciosos gestos de aprovação ou de
reprovação, e vez e outra alguém se inclinava ao colega da
cadeira do lado para cochichar um comentário sobre algum ponto em
particular. Uma vantagem de ser uma telepata sem dúvida era poder
sentir nitidamente o clima geral da multidão a quem se discursa,
e Cristina se tornara particularmente hábil nisto. Mas ela mesma
admitia que era uma habilidade que também tinha seus perigos,
vamos dizer assim. A tentação de se desviar por tangentes podia
ser grande, uma vez que se podia claramente sentir de uma
multidão aquilo que esta gostaria de ouvir. Se entregar
incondicionalmente aos desejos das pessoas que a ouviam seria se
entregar ao populismo, e não era aquilo que Cristina desejava;
ela precisava dizer o que considerava ser o necessário e o
adequado de se dizer. As respostas emocionais de sua platéia a
ajudavam a ajustar a maneira a qual ela fazia isto, mas jamais
faria ela mudar a essência e o conteúdo daquilo que ela
pretendia dizer. As respostas visuais de sua platéia eram também
de grande ajuda, como as várias pausas para breves surtos de
palmas em diversos pontos do discurso, que prosseguia muito bem.
- Tem sido motivo de
muito comentário que eu seria uma pessoa anti-Frota Estelar, que
não veria com bons olhos a participação da Frota em nossa
sociedade. – A Senadora continuava seu discurso agora por pontos
de interesse mais específicos daquela agremiação. - Eu afirmo,
pessoalmente aqui para vocês, que nada é mais falso do que esta
idéia, por mais que outras pessoas digam que não é o caso, que
a Cristina é contra a Frota e coisa e tal. Eu lhes asseguro, a
Frota Estelar sempre pode contar com meu apoio. E, como muitos de
vocês aqui, eu também tenho servindo na Frota muitos de meus
entes queridos, como minha boa amiga e cunhada, a Capitão Parker.
Cristina fez uma breve
pausa e continuou. – A Frota Estelar é um importante elemento
da Federação, e nas fronteiras mais distantes do quadrante, a
Frota tem que ser a própria representação da Federação. Ela
é tanto nosso instrumento de defesa quanto nossa ferramenta para
aumentarmos nosso conhecimento do universo, de conhecermos novas
civilizações e novas formas de vida. – Cristina sentia que o
interesse por aqueles pontos estava nitidamente aumentando.
- Mas algo que nunca
devemos nos esquecer é que a Frota Estelar não é apenas a sua
estrutura organizacional, suas naves e suas bases. Ou mesmo os
seus oficiais. Não, vocês são a Frota Estelar. – Stel deu uma
maior ênfase no "vocês" - Ser contra a instituição
per se seria ser contra todos que algum dia já serviram em seu
uniforme, e também contra toda a Federação. – Uma nova
rápida salva de palmas se seguiu antes que ela continuasse. - Se
eu tenho reservas a alguma coisa, é apenas à maneira pela qual
vocês aqui são representados por e nesta importante
instituição que é a Frota Estelar. Sim, vocês, os simples
tripulantes. Os camisa-vermelhas, como muitos oficiais
desdenhosamente se referem a vocês, que são na verdade o pilar
mais importante de uma nave estelar. Vocês são os que mantêm as
instalações e bases estelares em suas melhores capacidades
operacionais. Vocês são os que mantêm as naves em plena
eficiência para nos levarem onde ninguém jamais estivera.
Contudo, muitas vezes... muitas mesmo, vocês são pouco
lembrados. – Neste ponto, um silêncio quase cerimonial estava
sobre todas as pessoas no recinto.
- Eu digo que é hora
de isto mudar. Deve-se haver uma evolução na maneira pela qual a
participação do assim chamado camisa-vermelha acontece na Frota.
Para que isto ocorra, é necessário se quebrar com os status-quo
estabelecidos, pois estas mudanças devem e precisam acontecer.
Mas o que significaria, em termos realmente práticos, tudo isto
que ela está falando, vocês podem perguntar. Bem, eu posso dar
alguns poucos exemplos do muito pelo qual pretendemos fazer com
que o Conselho da Federação trabalhe. No caso do tripulante da
Frota, este precisa estar sempre, sempre bem protegido. Não é
porque um determinado planeta é classe M que se deva ir até ele
pobremente equipado. Não, sempre se precisa estar protegido por
uniformes que sejam tão eficientes quando confortáveis de se
usar no dia a dia. Não é de novas padronagens ou cores de
uniformes que precisamos. O que precisamos é de novos uniformes
mesmo, que sejam bem mais capazes de protegerem seus usuários do
que os modelos atuais jamais foram. Precisamos de novos
equipamentos para acompanhar este tripulante em missões,
equipamentos mais completos e versáteis do que apenas um
tricorder, um feiser e uma lanterna... uma lanterna, meus caros! O
que se passa na cabeça daqueles que padronizaram isto como um
equipamento de grupo avançado? Muitas vezes em ambientes bastante
hostis. Eu sinceramente não sei. Parece até que o Comando da
Frota tem receio de colocar equipamento demais no corpo de um
tripulante... mas não há grande razão disto; pelo que sei, eu
sou candidata a Embaixadora em uma Federação, e não a Rainha de
nenhuma Coletividade! – Cristina fez uma pausa para as diversas
risadas terminarem de soar pelo salão. Os pontos sobre os quais
ela comentava estavam gerando bons comentários paralelos pela
multidão, os assessores dela podiam perceber. O pessoal da
imprensa estava com toda a sua atenção focada no discurso, e
alguns outros estavam comentando em seus sistemas alguns pontos do
discurso, certamente para fazer comentários mais elaborados
posteriormente.
- E precisamos de
mudanças e avanços reais também em relação a
tecnologias-chave de exploração espacial. – Cristina
continuava. – Nossas naves poderiam ter grandes vantagens
táticas, mas estas são inibidas por códigos e tratados que nos
amordaçam, enquanto os demais participantes destes mesmos
tratados e acordos encontram brechas e subterfúgios, agindo
impunemente, e tirando vantagem de nossa Federação. Bem, não
mais. Nós devemos ter a coragem, em nome de vocês e de toda a
Federação, de propormos que possamos usufruir de vantagens de
igual para igual com os demais poderes do quadrante. Portanto, o
que eu proponho é: Nós devemos imediatamente requisitar uma
revisão geral sobre determinados artigos do Tratado de Algeron,
para que assim a Federação possa ter alternativas viáveis para
sistemas de camuflagem, da mesma maneira que o Império Romulano
tem em relação à propulsão de dobra!
A tensão do discurso
de Cristina já vinha crescendo havia um bom tempo, mas aquilo sem
dúvida foi o que bastou. Primeiro um veterano de uma das mesas se
levantou, depois outro, e mais outro, até que em poucos segundos
o salão inteiro se encontrava de pé, aplaudindo a Senadora Stel
com um entusiasmo difícil de se igualar por qualquer multidão,
enquanto as palmas e os gritos de apoio continuavam a soar pelo
local. Era realmente algo sem precedentes; jamais nenhum político
da Federação ousara questionar qualquer termo do Tratado de
Algeron em público. E Stel o havia feito porque não havia
dúvida alguma de que era a coisa certa de se fazer, e não apenas
porque seria algo que a platéia eventualmente gostaria de ouvir.
Na mesa do pessoal de Stel, a maioria estava sorrindo, mas mais
pela nítida demonstração de apoio que estavam conseguindo ali,
o que será valiossíssimo para o eventual triunfo de Stel na
eleição. Já Tolia estava mais cautelosa, e também Marcos, que
acreditava ser prematuro uma declaração do tipo. Ainda assim,
podiam reconhecer que a demonstração de apoio era valiosa, e
estavam contentes por isto. Mas a mais animada na mesa parecia ser
Katilla, uma vez que é claro que não tinha prévio conhecimento
de nada, e ficou agradavelmente surpresa, assegurando para a sua
colega Denise que em seus artigos não iria economizar elogios à
honra, lealdade e preocupação que Cristina demonstrava ter pelos
guerreiros da Federação.
- Isso não vai
prestar... – Marcos sussurrou para Zhaav, sentada ao seu lado.
- Cara, eu estou é
torcendo por isto, he, he. – a Andoriana apenas respondeu,
falando um pouco mais alto para superar todo o som das palmas e
ovações.
# # # #
Ao contrário do que
estava se estabelecendo como rotina, Tolia conseguira terminar o
seu dia de tarefas no Itamaraty dentro de seu horário regular, o
que era ainda mais admirável considerando que a equipe da
Senadora estava tendo uma boa carga de trabalho relacionado a toda
a repercussão do discurso do dia anterior. Mas Tolia havia
conseguido não só a autorização da Senadora para sair mais
cedo, como uma verdadeira ordem para isto. A sua mãe estava
fazendo aniversário no dia seguinte, e Tolia precisava buscar o
presente que a Senadora encomendara para a ocasião, uma vez que
ela e Laina, a mãe de Tolia, eram velhas colegas de magistério,
quando ambas haviam lecionado em uma escola pública em Roma, e
também onde Laina vivia com o marido. Cristina praticamente viu a
jovem Boliana crescer, pois sempre que podia acompanhava Laina e
suas duas filhas em diversos eventos e passeios por Roma. Anos
depois de entrar para a vida pública, Cristina, na época a
Secretária de Educação do Estado do Rio de Janeiro, deu à
filha de sua amiga o cargo de estagiária em seu gabinete, um
pouco antes de Tolia se formar em Ciências Sociais pela
Universidade de Hamburgo. Desde aquela época, Tolia tem estado
presente na equipe da Senadora, pelos diversos cargos públicos
que Cristina Stel passou. Não que Tolia fosse apenas uma sortuda
incapaz que teria apenas um "quem indica" forte, não se
tratava disto. Pois, se havia alguém que era exigente com o
desempenho de Tolia, esta pessoa era justamente a Senadora Stel;
ela sabia das capacidades da Boliana, e portanto não se
contentava em ter menos do que um desempenho exemplar por parte de
sua protegida.
E era justamente em
Hamburgo que Tolia estava chegando no momento, saindo dos
teletransportes de uma estação da EFA próximo ao parque
Stadpark. A Boliana caminhou por um par de quarteirões até
chegar em uma confeitaria na Theodor-Heuss-Platz, a qual ela
sempre freqüentara quando estudava na cidade. Uma das várias
especialidades da casa consistia em uma linha específica de
produtos absurdamente adocicados, ainda que nos padrões de
paladares humanos; para Bolianos, aqueles pães, biscoitos, bolos
e confeitos em particular eram de um sabor irresistível. Cristina
costumava brincar com elas dizendo que se poderia substituir o
núcleo de dobra de uma nave com um daqueles bolos que a família
de Laina costumava comer, tão forte eram os níveis de glicose e
açúcar neles.
Tolia entrou na
aconchegante confeitaria e se dirigiu à balconista, uma humana,
que a reconheceu rapidamente, e confirmou que o pedido dela estava
pronto. Enquanto ela foi buscar o bolo de nozes de Tolia, esta
ficou olhando displicentemente pelos balcões, até que ela notou
a discussão na outra ponta do balcão.
Sentado em uma
banqueta estava um senhor de cerca de uns 60, talvez 70 anos, com
um outro homem ao lado, um Ktariano de uns 30 anos de idade, que
Tolia teve a impressão de ser um músico, por talvez já tê-lo
visto antes em alguma apresentação, mas ela não estava bem
certa de seu nome. O senhor ao lado dele ela já conhecia de
vista, pois ele sempre freqüentava o estabelecimento. E próximo
deles dois estava uma das donas da confeitaria, Aliciane Helder,
que colocava alguns pães recém-assados em uma vitrine. Ela
parecia estar participando da conversa também, pois era a que
falava quando Tolia virou sua atenção para o grupo, ainda que
discretamente.
Tolia estava querendo
manter esta discrição por ter tido a impressão de que o assunto
do debate ali era bastante interessante à eleição, e ela teve
esta confirmação quando o Ktariano voltou a falar.
- Eu estou te dizendo,
Senhor Dantas, essa Stel é uma inconseqüente em provocar os
Romulanos desta forma. Ela não pode colocar em xeque importantes
tratados de paz da Federação, como ela fez. Isto com certeza vai
provocar uma reação péssima dos Romulanos.
Dantas bebeu mais um
gole de seu chá Tarkaleano antes de responder. - Escute filho,
ela está tendo iniciativa, isto sim. Você sabe tanto quanto eu
que esse negócio de os Romulanos poderem saracutear poraí em
suas naves camufladas, e a Frota não poder, é uma bobagem, uma
afronta a nós!
- As cláusulas do
Tratado de Algeron deixam bastante claro. Eles não desenvolvem
motores de dobra, e nós não desenvolvemos camuflagem.
- Hunf. - Dantas
resmungou. - Um acordo que selou apenas um empate, isto sim. Não,
na verdade nem isto; foi praticamente uma capitulação das
forças da Terra.
- Como assim, Sr.
Dantas? - Aliciane perguntou, interessada pela linha de
raciocínio de Dantas.
- Ora, jovem, é
simples. Pelo acordo, os Romulanos não desenvolvem capacidade de
dobra no tipo de motor nosso, muito bem. Mas o que isto realmente
significa na prática? Rigorosamente nada. Eles têm aquele tal de
motor de singularitite...
- Singularidade, -
corrigiu o Ktariano.
- É, singularidade,
que seja, - Dantas retomou a palavra. - Pois bem, eles têm isto,
que serve muito bem como alternativa para dobra convencional, pois
pode atingir velocidades tão altas quanto. Ou seja, para eles, o
Tratado de Algeron não quer dizer droga alguma. Não faz a menor
diferença.
- A tecnologia de
dobra é superior em vários aspectos, senhor Dantas. Não dá
para comparar...
- Não dá o quê,
filho! Na época da guerra, eu até sei que a tecnologia de dobra
era bem superior, então parecia ser natural que fosse isto que a
Terra exigisse que os Romulanos não tivessem. Mas eles
aperfeiçoaram muito essa tecnologia, a um ponto em que ela já é
uma boa alternativa a eles "não poderem ter dobra", -
Dantas fez um gesto mais jocoso no final da frase.
- Bem, olhando por
este lado a Stel tem uma certa razão, Nirton, - Aliciane disse, e
também com isto informando Tolia do nome do Ktariano. - Enquanto
eles ficaram livres para procurar alternativas, e acharam uma,
nós nunca realmente tivemos opção de fazer o mesmo. E agora que
alguém sempre cita este assunto, os Romulanos ficam todos cheios
de nove-horas.
- Eu não estou
dizendo que eles estão certos em exigir que nós não tenhamos
tecnologia de camuflagem, Aliciane. - Nirton explicou. - Eu estou
apenas dizendo que Stel também não pode vir assim, sem mais nem
menos, e tocar nesta ferida para ganhar proveito político em
cima. Eu sou até favorável a se começar negociações para a
revisão do tratado, mas se tem uma maneira errada de se fazer
isto, é como a Senadora fez.
- Mas é de gente
assim que o Conselho está precisando mesmo, - Dantas continuou a
falar. Nisto, a balconista retornou com o bolo que a Senadora
havia encomendado para ela levar para a sua mãe. A balconista
teve que chamar uma segunda vez para retomar a atenção de Tolia,
que ainda estava fingindo olhar displicentemente as vitrines
enquanto prestava atenção na conversa próxima. A Boliana
finalmente percebeu a balconista chamando, e assim que pegou o
bolo, acessou o console LCARS para confirmar que havia retirado a
encomenda. Com isto, Tolia deixou a confeitaria na direção da
estação da EFA mais próxima, enquanto tentava equilibrar o bolo
com uma das mãos enquanto usava a outra para dar um leve tapa na
sua combadge para contatar Denise, que devia estar ainda no
Itamaraty.
# # # #
Aquela reunião não
estava planejada para durar mais do que vinte minutos, mas a
insistência da delegação Romulana em se manter formalmente de
pé o tempo todo estava começando a se tornar crescentemente
irritante para o Chairman do Comando da Frota Estelar, o Almirante
Willian Galbraith. O humano estava sentado em uma das poltronas
mais próximas à mesa do Presidente Inyo, da mesma forma que o
Embaixador Duke, na poltrona oposta a de Galbraith, e da
Secretária de Exploração Espacial, Raquel
Trajina, na poltrona ao lado. Já estes últimos três
diplomatas estavam mais acostumados a esta e outras
particularidades no trato com políticos Romulanos; não que fosse
um costume deles ou coisa parecida, mas era notório que o
Embaixador Romulano Trizael tinha algumas manias, especialmente
quando seu humor estava ainda mais ríspido do que o normal.
- Eu temo que não
esteja sendo bem claro, Embaixador – Inyo disse, procurando
manter o seu tom de voz neutro, para não melindrar ainda mais o
diplomata. – Então eu vou sumarizar a posição oficial da
Federação, a qual eu sempre reafirmei: a Federação de Planetas
Unidos não tem, e também não tem nenhuma intenção de ter,
nenhum projeto, estudo ou o que quer que seja relacionado ao
desenvolvimento de camuflagem para naves, ou mesmo de qualquer
outra tecnologia equivalente. – Os outros três representantes
da Federação ali já haviam explicado para o Embaixador Trizael
em mais detalhes qual era a política da Federação em relação
a camuflagem, e que esta não poderia ser de modo algum afetada
pelas recentes declarações de Cristina Stel, mas os Romulanos
mostravam que estavam longe de ficarem satisfeitos.
- Eu estou
perfeitamente ciente de que o senhor pode sem dúvida falar por
este gabinete, Senhor Presidente, - Trizael respondeu,
gesticulando a sua mão levemente ao redor da sala de Inyo. –
Mas a Federação tem o péssimo hábito de ser por demais...
imprevisível, eu diria, no seu processo de formação de novos
gabinetes, de novos governos. Em um momento nós podemos ter um
homem ponderado e razoável sentado abaixo deste brasão de armas,
mas em outro momento este local pode estar ocupado por
aventureiros oportunistas e beliscosos. E não haveria nada pior
para colocar em risco o recente e tão bem vindo início das
normalizações das relações entre os nossos povos.
O Presidente ficou em
silêncio um par de segundos antes de responder. Imprevisível,
Inyo pensou. Quem afinal de contas era Trizael para falar algo
assim, vindo de uma civilização onde traições políticas,
viradas de mesas e golpes baixos não eram apenas práticas
comuns, mas eram até práticas mandatárias para aqueles que
desejavam estar no poder. Duke se adiantou ao Presidente em tomar
a iniciativa de um novo comentário.
- Eu posso assegurar
ao Embaixador que da mesma maneira que a Senadora Stel não fala
oficialmente pela Federação, ela também não teria para si o
controle total sobre qualquer decisão de tal importância, na
vaga e improvável hipótese de que ela venha a ingressar no
Conselho da Federação...
- Ou além, - a
Secretária Trajina acrescentou.
- Ou além. - Duke
respondeu secamente. Trajina sorriu tão levemente que mal daria
para perceber, mas ela sabia que Duke haveria notado. Não era
grande segredo que Trajina considerava a participação de Duke
nas políticas do Archer Hall muito exagerada, mesmo considerando
que a Presidência da UFP é basicamente uma extensão da
Presidência do Conselho, e portanto, também passível de os
Embaixadores do Conselho fazerem sua participação. Em um bom
exemplo, Trajina não entendia exatamente qual seria a razão de
Duke estar ali naquele momento, e o fato de uma adversária
política de Duke estar envolvida na rusga apenas tornava a
presença dele ainda mais inapropriada.
Ademais, pensou
Trajina, este era um assunto extrafederação, o qual não teria a
menor necessidade da presença de Duke, mais do que não seria
necessária a presença de nenhum outro embaixador específico de
outros membros da Federação. Afinal de contas, o gabinete da
presidência estava respondendo a um protesto da Embaixada
Romulana, que havia sido dirigido especificamente para Inyo.
Trizael não queria arriscar um protesto formal perante todo o
Conselho, o que poderia ser visto como um ato agressivo por parte
do Império Romulano. Ao invés disto, o Embaixador estava
procurando lidar com o problema à moda Romulana: se dirigir
diretamente a quem seria relevante na questão, e fazer isto
discretamente, mas com firmeza.
- E falando pela Frota
Estelar, - o Almirante Galbraith disse, - Nós asseguramos que a
Frota não tinha em seu poder nenhum outro dispositivo de
camuflagem além daquela unidade emprestada pelo Império
Romulano, a qual foi destruída juntamente com a primeira USS Defiant,
ao final da Guerra Dominion. - O Almirante calculadamente evitou
fazer sua colocação de modo que afirmasse que a Federação
jamais tivera outro dispositivo de camuflagem que não o da Defiant.
Ele sabia, tanto quando certamente o Embaixador Romulano sabia,
das atividades secretas da USS Pegasus alguns anos antes,
que foi perdida justamente quando testava um novo sistema de
camuflagem, cujo projeto acabou sendo cancelado quando o
protótipo foi destruído em um asteróide.
Um dos assessores de
Trizael se curvou ligeiramente na direção dele e sussurrou algo
em seu ouvido. Isto o fez responder com um ligeiro gesto com a
cabeça, e então voltou a atenção para Inyo.
- Muito bem, Senhor
Presidente. Eu já deixei claro qual é a posição de meu governo
nesta questão, e quero apenas reafirmar que o senhor deve
levá-la em séria consideração quando for decidir por qualquer
providência que irá tomar.
Inyo confirmou para
Trizael que o Império Romulano tem seu apoio na questão, e
depois de uma série de despedidas, ele e suas escoltas se
retiraram do gabinete da presidência, para retornarem à
Embaixada Romulana, localizada em Zurique. Os Federações, que se
mantiveram no recinto, trocaram alguns comentários entre si, a
respeito de Trizael e de toda a saia justa que os comentários de
Stel haviam criado para o Archer Hall.
- Hum... para um
Romulano, até que ele se manteve inesperadamente polido. –
Trajina comentou. – Esses enroscos são bem do tipo em que
Romulanos adoram se meter, especialmente se eles podem pegar um
pingo de razão para si.
- Bom, mas também
você não esperava que ele descesse dos tamancos, não, Trajina?
– Galbraith emendou ao comentário da Secretária de
Exploração.
O Embaixador da Terra
se reacomodou na cadeira antes de fazer o seu próximo
comentário. - Separados ou não por mais de um milênio de
richas, Romulanos ainda têm algo de Vulcanos, sem dúvida... –
e com isto Duke se virou ao Presidente depois de terminar de
falar. – Você está muito quieto, Inyo... algo em mente?
- Sim, - respondeu o
Presidente, pensativo, e então se adiantou para ativar o intercom
para falar com Jalira Drivok na sala ao lado. - Eu quero falar com
o Senador Dranan, e eu quero falar agora. - Inyo vociferou, se
referindo ao Chanceler da Assembléia-Geral, o cargo equivalente
ao de presidente daquele órgão da administração da Terra.
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