Capítulo 12 – Nós, o Povo do Planeta Terra

- Ele certamente sabe o que faz... mas sempre no que diz respeito ao que ele quer.

Stel estava assistindo a mais outra das sessões que o Conselho da Federação estava fazendo, cujo tema principal era a discussão a respeito da proposta da Terra, de o Conselho passar o controle da investigação para uma Bancada Independente de composição regional. Junto a ela estavam Tolia, Denise e David, acompanhando o vídeo da sessão no monitor LCARS na mesa de trabalho de Denise.

Na tela principal, o Embaixador Duke argumentava com o Embaixador Tellariano, sobre como o próprio Conselho poderia coordenar a sua investigação sobre os mais recentes indícios levantados pela São Paulo sem que fosse necessária uma suposta Bancada Independente. Era prerrogativa dele traçar a sua própria opinião a respeito da matéria, apesar de que tenha sido ele próprio a trazer o tema para debate. Diversas vezes outros Embaixadores intercederam com perguntas e considerações, mas Duke estava sendo hábil em satisfazer a todos com qualquer tipo de garantia que lhe parecesse ser necessária para manter sob seu controle o caminhar do debate. Segundo uma projeção do Serviço de Notícias da Federação, entre o final da ultima sessão sobre o tema, dias atrás, e a sessão atual, quando o Conselho votar a matéria, a proposta da Terra deve ser rejeitada por pelo menos 65% dos Embaixadores.

Em diversos momentos, outros dignitários do governo da Federação, especialmente da Frota Estelar, puderam ter a palavra, e praticamente todos os que o fizeram questionaram de uma maneira ou de outra a necessidade da proposta da Terra. O Embaixador Duke estava conseguindo então garantir não só o apoio do Conselho para se engavetar a proposta, mas também apoio ao Conselho para ele fazer isto.

      - Ele só está dizendo generalismos, mesmo... – Denise especulou. – Com certeza toda a articulação que considera importante ele e o seu pessoal já devem ter feito no tempo entre as sessões, e... – nisto, Zhaav entrou rapidamente pela porta do andar, e correu até a metade da distância até a mesa de Denise, para chamar a atenção de todos.

      - Me sigam, - ela disse, entre bufadas para recuperar o fôlego. – Vocês precisam ver uma coisa!

      A Andoriana desapareceu pela porta novamente, seguindo para o hall ao lado das salas de trabalho, parando em frente às grandes janelas que davam vista para a Praça dos Três Poderes. Os seus colegas e a Senadora Stel vieram logo atrás, e todos puderam ver aquilo que Zhaav havia visto alguns momentos antes, quando estava chegando no Palácio do Itamaraty.

      Havia uma multidão reunindo-se ali.

      Stel olhou na direção do final da esplanada dos Ministérios, e um fluxo constante de pessoas estava se aproximando. Mais perto dos edifícios do Congresso e do Palácio do Planalto, o agrupamento de pessoas já estava se tornando bastante compacto. Havia de tudo; adultos, crianças, idosos, humanos e alienígenas, de tudo quanto era espécie que compunha a Federação, e mesmo algumas outras diversas.

      No meio daquilo tudo, bandeiras e bandeiras, do Brasil, de diversos outros países representados na Assembléia-Geral, da Terra e da Federação, juntamente com holoprojeções que ficavam repetindo dizeres e slogans, bem como citações de diversas pessoas, até mesmo da própria senadora, e de outros que apoiavam a proposta da Assembléia-Geral. O tom de tudo era um só: A Bancada Independente devia ser aprovada, e a vontade do povo da Terra devia ser considerada pelo Conselho.

David pediu para o computador destravar os campos de inibição de ruído daquele andar, e o murmúrio daquela multidão passou a ser ouvido, bem como seus gritos e suas cantorias, que só sublinhavam ainda mais aquilo que eles já podiam ver e observar.

      - Não é fantástico? – Zhaav dizia, enquanto os outros fitavam a janela, ainda em silêncio. – E o mais incrível é que acabei de falar com Vortik, ele está em Budapeste, e segundo ele, manifestações como esta estão pipocando por todo o planeta! Por todo o setor! – Denise se afastou alguns metros para acessar um terminal LCARS, e digitou alguns comandos para entrar na rede do Serviço de Notícias da Federação. E de fato, lá estavam já relatos de manifestações pró-Bancada Independente sendo relatadas de dezenas de cidades diferentes na Terra. Jacarta, Chicago, Barcelona, Joanesburgo, Manila, Pequim, Caracas, e muitas outras, multidões de cidadãos da Terra espontaneamente se reunindo para protestar contra aquilo que estavam considerando errado na sua comunidade. A voz da Terra se fazia ouvir, através da força coletiva da combinação das manifestações individuais de cada uma das pessoas que se juntava às multidões nas ruas da Terra.

      Como Stel e seu staff estavam descobrindo a partir daquele momento, as manifestações haviam sido organizadas de maneira descentralizada, pelas mais diferentes organizações do planeta, como escolas, instituições de pesquisa, universidades, câmaras setoriais, sindicatos, organizações econômicas, órgãos públicos regionais, e diversas outras. A própria equipe de Stel havia recebido mensagens de que manifestações de apoio estavam sendo organizadas por diferentes entidades com as quais eles estiveram em contato durante toda a campanha, mas ninguém havia imaginado que a coisa pudesse chegar a tal magnitude, e tão rapidamente. O boca-a-boca garantiu que um mínimo de coordenação fosse ganho naquela manhã, o que fez com que os diferentes grupos de manifestantes juntassem forças e decidissem sair às ruas todos juntos, simultaneamente pelo planeta inteiro, o que fazia daquilo um dos maiores surtos espontâneos de manifestação popular na Terra em décadas, senão séculos.

      Naquele momento, o grupo começou a receber mensagens e mensagens relatando os eventos pelo planeta, além de conter textos e mais textos declarando apoio total às decisões do governo regional da Terra e a Senadora Stel. Todos ali se dirigiram para o gabinete de Stel, de onde também podia-se ver a multidão, ao mesmo tempo em que podiam trabalhar com todo o volume de informações que chegava, e entrar em contato com os grupos de organização por toda a Terra.

      - Vortik acabou de chegar em Paris, - Tolia reportou, olhando um dos padds. – Segundo ele, uma multidão já está rumando da Champs Elisée para o Archer Hall! – Zhaav se adiantou, novamente apressada.

      - E escutem isto... Marcus está neste momento com a sua filha, Senadora, a Kátia... eles estão em São Francisco.

 

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      Os imensos jardins ao longo da Ponte Golden Gate ladeiam uma vasta área onde se localizam dois complexos de edifícios administrativos de extrema importância para a Federação. Ao longo da margem da baía de São Francisco, estão instalados a Academia da Frota Estelar, o Comando da Frota Estelar, e o Conselho da Federação, entre dezenas de outros departamentos de ambas as organizações. Ao longo de tudo isto existe um complexo de parques e boulevares que conectam todas as áreas, juntamente com áreas de recreação, estações de Airtram e teleporte, áreas de pouso de naves auxiliares, e diversas outras instalações.

      E ali, naquele momento, uma cena que estava ocorrendo em diversas outras cidades da Terra também estava acontecendo: milhares de pessoas se reunindo para fazer uma manifestação bem às portas da Frota Estelar e do Conselho da Federação. Aquela em particular havia sido convocada pelos Corpos Estudantis das universidades da Liga Ivy e das universidades da Costa Leste, além de diversas Câmaras Setoriais e dos Sindicatos da região. E naquele momento, o Presidente do Corpo Estudantil de Yale, Crigh Hirez, um Zakdoniano cursando o mesmo semestre que Kátia Parker cursava em Yale, estava discursando para a multidão, em pé em cima de um shuttle classe dois que naquele momento estava por acaso ali em uma das áreas de jardins perto da ponte.

      - E ali mesmo, meus colegas, - ele dizia para a multidão à sua frente, com suas palavras sendo retransmitidas por sistemas portáteis de som, enquanto apontava na direção do domo do edifício onde se encontrava a câmara principal do Conselho – Ali estão neste momento os Embaixadores do Conselho da Federação, em uma sessão na qual estão desconsiderando sem grandes preocupações as legítimas propostas enviadas para lá pelo governo da Terra! E o nosso representante ali dentro, o que está fazendo? Orquestrando tudo isto, orquestrando este movimento contra as propostas que ele mesmo foi encarregado de levar ao chão de debate daquela casa! – Hirez fez uma pausa para diversos gritos dos manifestantes terminarem, antes de continuar.

      - Mas não é de se espantar, meus colegas. Se olharmos bem para o histórico recente, desprezo pelo que o povo deste planeta pensa e diz não é novidade alguma para o nosso Embaixador, para o Archer Hall ou mesmo para o Conselho! E já chega disto. Chega. É hora de o povo da Terra mostrar que deve ser levado a sério pela Federação. Nós não somos um vácuo, não somos pessoas sem rosto que apenas fazem a manutenção do distrito federativo para manter a capital da Federação. Não, nós também somos membros desta Federação! Nossa opinião deve ser considerada com seriedade! Nossas idéias devem ser debatidas com motivação! E nossa voz deve ser ouvida com atenção! E eu estou indo lá agora lutar por tudo isto! – novamente, Hirez fez uma pausa para dar tempo a mais manifestações e gritos da multidão.

      - E eu pergunto agora, quem daqui está comigo?!?!

      - Nós estamos! – foi o forte grito único de toda a multidão.

      - E quem são vocês, afinal? – ele retrucou, firme como eles.

      - O povo do planeta Terra! – novamente a multidão soou tão firme quanto antes.

      - Então vamos até lá! – Hirez agitava o punho cerrado no ar. - Este é o momento no qual nós, os terráqueos, iremos reclamar este planeta de volta para nós! A voz deste planeta será ouvida! – e com isto, Hirez desceu do topo do shuttle, no meio da multidão, a qual abriu caminho para ele começar a marchar na direção do Boulevard do edifício do Conselho. Aos gritos de TERRA, TERRA, TERRA, e outros slogans, Hirez, Kátia Parker, Marcus e outros lideravam o avanço da multidão, que saía da praça ao largo da Golden Gate, passando pelos prédios do Comando da Frota Estelar, indo na direção do edifício principal do Conselho da Federação.

      O corpo de oficiais que fazia a segurança das instalações da Frota e do Conselho, que vinha acompanhando de perto a manifestação, se moveu para procurar organizar a movimentação, mas todos estavam muitos confusos, e o Tenente-Comandante em comando do destacamento não tinha idéia de como proceder exatamente. Suas ordens eram para garantir a segurança e integridade das instalações e seus ocupantes, mas supostamente isto queria dizer sobre ameaças externas, e não sobre os cidadãos do próprio planeta. Deveria ele, em algum momento, impedir o avanço de tamanho grupo? Não havia nenhuma regra específica para uma contingência daquelas, pois jamais uma manifestação de tal magnitude havia acontecido ali. O computador calculava que a área total do complexo já contava com 235.422 pessoas espalhadas por todas as áreas, e aumentando a uma razão de mais de mil pessoas a cada dois minutos. E ali em particular estava avançando pelo menos uma parcela grande de todos estes manifestantes.

      O líder estudantil adiantou-se ao grupo e alcançou o primeiro dos oficiais da Frota que estavam entre a multidão e o Boulevard principal, onde se encontrava o prédio principal do Conselho, um domo circular de coisa de dez andares de altura, com um grande brasão na parede, acompanhado dos dizeres UNITED FEDERATION OF PLANETS.

      - Eu sugiro seriamente você mover os seus homens em duas colunas na entrada aqui do boulevard, para coordenar a ocupação da área aqui do paço principal de maneira mais organizada.

      - Minhas ordens são para manter todos afastados do prédio principal, - o Tenente respondeu. – Eu não...

      Hirez balançou a cabeça em desaprovação desanimada. – Escute, e como você pensa em fazer isto? Erguer o escudo da instalação já não é mais possível, pois estamos dentro do perímetro de defesa, mesmo. Então você talvez tente nos tontear a todos? Ou usar algo mais clássico, como tombas e jatos de água? Nem pense em tentar nos impedir de nos aproximarmos do prédio do Conselho, meu chapa. Pode imaginar as conseqüências de um confronto deste tipo aqui? Aliás, você pode imaginar sequer qual poderia ser a simples significação de um confronto destes?

      O Tenente continuava com um semblante extremamente preocupado e ainda não estava certo de como proceder. A multidão já estava bem ali, seus homens aguardava ordens, e mesmo com tantos almirantes nos prédios ali perto, se ele pedir por uma decisão de um posto mais acima, esta pode levar tempo. Algo tem que ser feito.

      - Alferes Johnson, - ele finalmente gritou para um outro oficial, a alguns metros de distância. – Distribua o pessoal em duas fileiras, e organize o acesso destas pessoas ao boulevard, acelerado! – o Tenente ordenou, apenas olhando para Hirez, que em retribuição segurou firme o ombro do oficial da Frota, e logo em seguida voltou para o grupo de manifestantes. Todos ali tinham que se preparar para posar diante dos nobres Embaixadores.

 

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      - Eu espero que você esteja satisfeita, Trajina. – Duke disse, sem se preocupar em esconder qualquer indício de rancor. O Embaixador se encontrava no gabinete do Presidente Inyo naquele que já era o terceiro dia consecutivo de maciças manifestações populares. Tendo como estopim a reticência do Conselho em aprovar as medidas propostas pela Terra, o movimento popular ganhou uma pintura mais genérica sobre a importância geral que a Terra, como uma sociedade, e como a Federação como um todo a trata.

      - Se você se refere a eu desejar que os bons cidadão da Federação aqui da Terra tenham uma satisfação a respeito das denúncias que meu pessoal levantou, eu ainda não estou totalmente satisfeita, mas as coisas parecem caminhar nessa direção. – ela retrucou, sentada com os braços cruzados na frente da mesa do Presidente, enquanto Duke estava à frente das amplas janelas laterais do gabinete, de onde se podia ver a massa de manifestantes nas ruas de Paris.

      - Me poupe deste teatro barato, Trajina! Você armou esta vendetta mancomunada com a sua amiguinha Betazóide para conseguir torcer o apoio a este governo! E para quê? Não há nada de errado no momento, mas você tinha que se meter a querer consertar aquilo que só você mesma julga estar quebrado.

      - E só alguém iludido como você, Duke, para acreditar na própria mentira oficial que nós vendemos pela galáxia, de que este planeta é uma Família Feliz e Fraterna, com esta maquilagem de paraíso, que coloca a Terra como a garota-de-poster-de-recrutamento para alienígenas do quadrante todo desejarem se juntar a nós! Eu por mim estou cheia disto! Que os nossos problemas sejam discutidos às claras! Que o povo saia às ruas, se preciso! Mas que ele participe, e não que fique dependente de inertes como você.

      Duke ficou nitidamente vermelho de raiva e se adiantou na direção dela. – Como você ousa colocar em xeque os valores do gabinete do qual faz parte? Você deveria ter vergonha de sequer olhar no espelho e ver ali uma Secretária de Estado da Federação de Planetas Unidos! – Trajina não titubeou em retribuir o gesto de seu oponente e também ficou em pé na frente dele.

      - E pelo que eu deveria me envergonhar? Por colocar às claras que existem conflitos internos mesmo aqui na Terra do Nunca do quadrante Alfa? Ora, me poupem desta sua decência hipócrita, e ao menos uma vez na vida admita que está errado! Você é quem deveria se envergonhar por desdenhar do seu próprio planeta da maneira que faz, para no lugar disto querer bancar o vice-rei!

`     - Duke, Trajina, basta disto. – Inyo finalmente intercedeu. Os demais ocupantes da sala, que eram parte da equipe de Inyo, Duke e alguns Almirantes da Frota Estelar, estavam em silêncio desde que o duelo entre a Secretária e o Embaixador havia começado. O Presidente havia requisitado aquela reunião entre diversos dos seus oficiais de governo para justamente encontrar um senso comum no qual poder gerenciar a mais recente crise, mas pelo que parecia, isto estava se mostrando ser bem mais difícil do que imaginava.

 

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      - Foi sério assim?

      - Hum, hum. – respondeu a Secretária de Educação da Federação.

      Zgouridy estava presente naquele que era um momento de considerável descontração para a equipe de Stel e para a própria. O que não significava menos trabalho, de modo algum. Era uma hora da manhã, horário local de Alexandria, e mais tarde ainda pelo horário em que todos ali estavam acostumados a dormir. Mas, no momento, a própria Senadora e seu staff estavam colocando a mão na massa na organização de uma conferência que estava para acontecer na manhã que se aproximava. O local da conferência era um amplo salão de debates em um anexo da Biblioteca de Alexandria. Aquela versão da imponente biblioteca da Era Antiga terrestre havia sido construída no final do século 20, e apesar de ter passado por um primeiro século de existência difícil, dada a situação caótica em que o planeta mergulhou, do século 22 em diante ela se firmou como uma das mais importantes instituições de estudos da Federação.

Embora o tema programado com antecedência fosse política econômica, ninguém ali tinha dúvidas que a recente crise iria ser tópico constante de questões e comentários. A Secretária queria então aproveitar o momento razoavelmente calmo para conversar com sua amiga candidata como havia sido a reunião dela com Duke e o Presidente.

      - Bem, depois desta a Trajina não deve durar nem até o final de semana na cadeira de SecExp. – disse novamente Tolia, a que havia perguntado sobre a seriedade da discussão que Zgouridy havia descrito para todos ali.

      - Eu não contaria com isto, - a Secretária disse, sentada com Stel em uma das mesas redondas de oito lugares espalhadas pelo salão, enquanto Tolia, Marcus, Zhaav e David distribuíam kits de imprensa e padds de dados em cada um dos lugares reservados da conferência. - Ela tem garantias ótimas de estabilidade no emprego.

      - Tais como? – Stel fez a deixa.     

      - Tais como o fato de que se eles tocarem em um fio do cabelo dela, mais de dois terços do gabinete de Inyo renunciam, a começar por mim. – e a Secretária levou a sua caneca de café a boca.

      - Dois terços? – Zhaav arregalou os olhos e torceu as antenas. – Isto deve ter deixado eles maluquinhos!

      - É uma verdadeira crise institucional, esta que estamos enfrentando. – Marcus afirmou, sem esconder um tom preocupado.

      - Não posso deixar de concordar. Mas talvez seja o que nós estamos precisando um pouco. Para tirar o pó destas mesmas instituições. – Stel disse.

      Zgouridy pensou um pouco. – No dia em que uma sociedade inteira atingir a perfeição absoluta, esta sociedade está frita... condenada a virar pó por estagnação.

      A senadora se espreguiçou um pouco na cadeira, antes de continuar a falar. - Bem, mas Duke ainda não está derrotado. Ele próprio tem muito apoio de setores médios da sociedade terrestre aqui, da Frota Estelar e do partido dele. Nem todos os Federados fecharam com ele, mas é onde ele está com maioria garantida.

      - É verdade. – disse Tolia. – Por exemplo, a Denise foi encontrar o Scott algumas horas atrás, pois ele chegou na Terra novamente com a São Paulo, e ela me contou que quando Scott chegou na redação do Inquirer, a primeira coisa que teve que tomar as rédeas foi a pilha de críticas que o jornal está tendo, tão numerosa quanto os elogios. Não param de chegar mensagens. A coisa não tem sido fácil lá. – Tolia disse. – Mas eles também não se arrependem nem um pouco de ter jogado a bola deste jogo ao alto. E vão continuar a comentar o que eles acreditam que está errado sim.

      - Por falar na São Paulo, - Stel comentou, - A Trajina preparou a recepção para o material que a Carol trouxe, não?

      - Pode apostar que sim. Está tudo guardado no gabinete dela, por pessoal de segurança da própria SecExp.

      - Pensei que a segurança da SecExp fosse de responsabilidade da Frota Estelar, - David disse.

      - E é, mas não vamos nos esquecer também que a Trajina, embora tenha pisado nos calos do Comando da Frota, especialmente do Galbraith, ainda é a Secretária a qual trabalha em conjunto com a Frota Estelar, e portanto, tem seu pessoal de confiança lá.

      - Mas continua, Oryza, - Stel chamou a atenção da Cignetiana. – E o que ficou decidido, afinal, na reunião?

      A Secretária voltou a falar do tema anterior. - Bem, já tivemos as seguintes garantias de Inyo: primeiro, ele garantiu que não deseja um racha no gabinete, então ele vai ficar à margem de qualquer decisão que o Conselho venha a tomar, seja a favor ou contra qualquer lado. O que o Conselho decidir por si vai ser o que vai valer. Mas, para adiantar isto, ele marcou uma reunião extraordinária para definir uma decisão final sobre a matéria. Desta votação irá sair se a Bancada Independente vai ser criada, ou se o próprio Conselho é quem vai coordenar as investigações daqui por diante.

      - Então todo o lobby que todos nós estamos fazendo vai convergir seus efeitos nesta reunião, certo? – Tolia perguntou.

      - Nesta reunião e no que vem logo após ela, pois vai ser em 6 de julho. – A Secretária respondeu.

      Todos ali se espantaram pela data anunciada. - Ele levou em consideração que esta data coloca a decisão a apenas uma semana antes da eleição? – Marcus disse.

      - Sim, ele considerou. – Zgouridy apenas respondeu, - Ele considerou.

 

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      A semana havia sido conturbada, para se dizer o mínimo, para aqueles três jornalistas. Amanda e Scott ainda trabalhavam em seus textos, cada um em um terminal LCARS no centro de imprensa do Departamento Eleitoral da Terra, em Jacarta. Ora digitando, ora ditando, os dois estavam dando os toques finais em artigos para o Inquirer sobre o final do dia eleitoral – ali na Indonésia eram oito horas da manhã, hora local. O sistema de votação havia sido liberado para uso à zero hora HMG, e fechado exatas 24 horas terrestres depois. Já fazia pelo menos uma hora após este prazo, e tanto ali no centro de imprensa como no restante do planeta, todos estavam aguardando o anúncio oficial pelo chairman do Departamento Eleitoral, sobre os resultados finais, que certamente já eram de conhecimento do alto escalão do Departamento, é claro. Mas a espera estava sendo tranqüila, de qualquer modo -- alguns outros planetas da Federação já haviam anunciado seus resultados finais, então assunto não estava faltando para as equipes ali presentes cobrirem, ou apenas conversarem entre si.

      Acompanhando a dupla de cronistas do Inquirer, estava Katilla, sentada de maneira relaxada no tampo de uma das mesas ao lado da sua dupla de colegas. Ela já remetera a maioria das suas matérias para Qo'noS e estava agora matando o tempo antes do anúncio final, sobre o qual ela iria escrever outro texto rápido, apenas confirmando os números oficiais finais. Todos ali já estavam mais ou menos cientes de quais poderiam ser estes, baseados nas projeções das últimas horas que antecederam a liberação do sistema eleitoral para acesso dos eleitores do planeta.

      - Ele tinha algum envolvimento direto em tudo o que foi levantado e investigado? – Amanda perguntou para Scott, sem desviar sua atenção do seu terminal LCARS. Katilla apenas observava em silêncio os dois.

      - Nada que tenhamos descoberto, e o que foi além disto também não revelou indícios alguns. – foi a resposta de Scott, também sem interromper sua digitação ou desviar a atenção. – Pelo menos, não até agora.

      - Ele tinha algum envolvimento indireto, então? Ele conhecia algum dos acusados? Ele recebeu alguma informação de bastidores?

      - Nada.

      - Ele tinha muito a perder... e pouco a ganhar, certo?

      - Pelo menos é o que parece.

      - Então porque pipocas Duke resolveu cometer aquele suicídio político? – Amanda finalmente parou de digitar e se virou para Scott. Ela não esperava realmente nenhuma resposta a qual também já não tivesse especulado a respeito, claro; a pergunta era largamente retórica.

      A híbrida humana-Ktariana fora surpreendida como todos haviam sido vários dias atrás, quando o Conselho da Federação finalmente decidiu por recusar definitivamente a moção da Terra para que aquela casa entregasse o controle da investigação sobre as novas denúncias da crise do Empok para uma Bancada Independente de Investigação. A sessão em que se decidiu isto foi bastante conturbada, e o próprio Embaixador da Terra continuou insistindo que a proposta não deveria ser aceita. O acalorado debate durou horas, e finalmente se definiu que o Conselho da Federação iria continuar a reter o controle da investigação, mas em contrapartida toda uma nova equipe seria formada do zero, o que conseqüentemente colocava o Embaixador Duke de fora do controle direto do Comitê. Isto foi tudo o que ele e a sua bancada de apoio entre os outros Embaixadores conseguiram; um comprometimento de maneira a fazer com que a moção não fosse aprovada.

      Mas o resultado não o deixou totalmente satisfeito. De uma forma ou de outra, ele estava agora fora do jogo, e havia desprendido muito capital político no processo. Demais, na verdade. A semana seguinte demonstrou claramente que a posição de Duke na eleição praticamente se esfaleceu, especialmente em votos na primeira e terceira seqüências. As chances de Stel cresceram, e por meados da semana as projeções demonstravam que Stel ganhara uma boa margem, colocando-a em vantagem. Mas isto só poderia ser confirmado para valer dentro de alguns momentos, ainda.

      - O Duke cometeu o movimento final de um erro que ele já vinha cometendo há muito tempo, - disse finalmente Katilla, ainda no tampão da mesa, balançando relaxadamente as pernas no ar. – É como uma antiga Chanceler do Império certa vez citou... vocês humanos consideram a galáxia como um verdadeiro playground do Homo sapiens. O Duke é apenas um reflexo disto, que parece ter se acentuado nos últimos anos. Eu acho que ele realmente nunca se considerou Embaixador da Terra no Conselho da Federação...

      - Ele sempre se considerou o Embaixador Humano no Conselho da Federação. – Amanda emendou, dando ênfase no nome da espécie.

      - Exatamente. O Embaixador Humano. E este erro foi a sua lápide. Este imperialismo humano sempre sufocou a Terra enquanto membro da Federação de uma maneira que era só mesmo uma questão de tempo até acontecer uma reviravolta destas. Esta penga toda em Chin'toka é um negócio pequeno, na verdade, e é só o catalisador da coisa toda. Das razões que levaram Duke a agir desta maneira nesta confusão toda, eu até acredito que ele pode ter uma agenda própria a qual não sabemos qual é, mas uma outra destas razões é a de que ele simplesmente não agüentou ver o seu planeta se virar contra estes conceitos nos quais ele sempre acreditou, seja de maneira inconsciente ou não.

      - Você está totalmente certa, Katilla. Este é um vício que nossa sociedade precisa perder. Pelo menos agora, a população da Terra parece que acordou para este fato.

      - E o que parece... – e Katilla foi interrompida pelo sistema de comunicações do centro de imprensa anunciar que o Comitê Eleitoral iria agora anunciar os resultados finais para a eleição.

      Os três jornalistas ali naquelas mesas, como todos os demais trabalhando naquele momento no centro de imprensa, voltaram sua atenção para a grande tela LCARS no topo de uma das amplas paredes do salão, que começava a sua transmissão. O silêncio ficou considerável.

 

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      A primeira fileira de números correu pelo monitor, na fonte LCARS, juntamente com a legenda indicando que se tratavam, por ordem, da primeira para a terceira seqüência de votos dos eleitores da Terra e do setor 001.

      Na extremidade esquerda da linha, um algarismo que extrapolava um pouco a casa de 2,2 bilhões de votos. Em seguida, um número pouco menor de um bilhão de votos, e logo depois, um valor acima de quatro bilhões de votos completou a primeira linha.

      Outra fileira correu rapidamente pelo mostrador, abaixo da primeira. Esta indicava um valor de alguns milhares acima de um bilhão e trezentos milhões de votos, seguido por um valor de quase três bilhões de votos, e finalmente um terceiro valor de apenas coisa de 160 milhões de votos.

      Outras três fileiras de valores, estes bem mais modestos, correram também pelo marcador, até que então os valores das porcentagens computadas piscaram, depois de calcularem os pesos dos votos de cada uma das três seqüências.

      Primeiro, surgiu o valor de 43,38 por cento, seguido de 34,30 por cento, com os outros três valores seguintes ficando entre nove e 6 por cento, em média.

      Em seguida, os nomes se juntaram aos números e as porcentagens. Stel, Duke, Triev, Zirot, Duarte.

      E estava feito.

      Um contínuo grito de alegria ecoou por uma das salas de reuniões do Palácio do Itamaraty, onde o grupo de trabalho todo de Cristina Stel estivera reunido a noite toda, para esperar a apuração. Mais próximo a ela, estava o seu staff direto, comemorando, enquanto silenciosamente a Betazóide suspirou pesadamente e abaixou o tronco, aproximando sua cabeça de seus joelhos. O alívio pessoal era acompanhado não apenas por sua alegria pessoal, mas também de todo o fluxo de emoções daquelas dezenas de pessoas que estava ali, e que lutaram ao lado dela durante meses para que aquele momento finalmente estivesse ali. Ela podia sentir claramente.

      Mas em meio às comemorações, ainda havia trabalho a ser feito. Os resultados por região estavam seguindo na tela, da mesma maneira que os resultados das diversas outras disputas regionais para dezenas de cargos diferentes pelo planeta. Como eles estavam esperançosos, diversos candidatos a senadores de diversos países e colônias da Terra que estavam entre os vencedores anunciados eram do grupo que Stel apoiava. Não todos, mas muitos, o que também representava grande vitória. E tais dados precisariam depois ser analisados e avaliados, e reuniões acontecerem. Mas não é nada que realmente não possa esperar um pouco, pensou a Betazóide.

      Stel se levantou, ajeitando seu penteado, e retribuindo a salva de cumprimento de todos ali, de Tolia, David, Marcus, Zhaav, de Vortik e de Denise, da sua família, e de todos os seus conhecidos e colegas. A festa havia começado, e dali a algumas horas, uma cerimônia mais formal para a apresentação oficial do vencedor irá ocorrer, e eles estarão logo a caminho. Mas naqueles instantes, tudo o que ela queria contemplar era a magnífica vista do entardecer no planalto central.

 

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Earth, D.C.

Prólogo
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Epílogo