Capítulo 12 –
Nós, o Povo do Planeta Terra
- Ele
certamente sabe o que faz... mas sempre no que diz respeito ao que
ele quer.
Stel estava
assistindo a mais outra das sessões que o Conselho da Federação
estava fazendo, cujo tema principal era a discussão a respeito da
proposta da Terra, de o Conselho passar o controle da investigação
para uma Bancada Independente de composição regional. Junto a
ela estavam Tolia, Denise e David, acompanhando o vídeo da sessão
no monitor LCARS na mesa de trabalho de Denise.
Na tela
principal, o Embaixador Duke argumentava com o Embaixador
Tellariano, sobre como o próprio Conselho poderia coordenar a sua
investigação sobre os mais recentes indícios levantados pela São
Paulo sem que fosse necessária uma suposta Bancada Independente.
Era prerrogativa dele traçar a sua própria opinião a respeito
da matéria, apesar de que tenha sido ele próprio a trazer o tema
para debate. Diversas vezes outros Embaixadores intercederam com
perguntas e considerações, mas Duke estava sendo hábil em
satisfazer a todos com qualquer tipo de garantia que lhe parecesse
ser necessária para manter sob seu controle o caminhar do debate.
Segundo uma projeção do Serviço de Notícias da Federação,
entre o final da ultima sessão sobre o tema, dias atrás, e a
sessão atual, quando o Conselho votar a matéria, a proposta da
Terra deve ser rejeitada por pelo menos 65% dos Embaixadores.
Em diversos
momentos, outros dignitários do governo da Federação,
especialmente da Frota Estelar, puderam ter a palavra, e
praticamente todos os que o fizeram questionaram de uma maneira ou
de outra a necessidade da proposta da Terra. O Embaixador Duke
estava conseguindo então garantir não só o apoio do Conselho
para se engavetar a proposta, mas também apoio ao Conselho para
ele fazer isto.
- Ele só está dizendo
generalismos, mesmo... – Denise especulou. – Com certeza toda
a articulação que considera importante ele e o seu pessoal já
devem ter feito no tempo entre as sessões, e... – nisto, Zhaav
entrou rapidamente pela porta do andar, e correu até a metade da
distância até a mesa de Denise, para chamar a atenção de
todos.
- Me sigam, - ela disse,
entre bufadas para recuperar o fôlego. – Vocês precisam ver
uma coisa!
A Andoriana desapareceu
pela porta novamente, seguindo para o hall ao lado das salas de
trabalho, parando em frente às grandes janelas que davam vista
para a Praça dos Três Poderes. Os seus colegas e a Senadora Stel
vieram logo atrás, e todos puderam ver aquilo que Zhaav havia
visto alguns momentos antes, quando estava chegando no Palácio do
Itamaraty.
Havia uma multidão
reunindo-se ali.
Stel olhou na direção
do final da esplanada dos Ministérios, e um fluxo constante de
pessoas estava se aproximando. Mais perto dos edifícios do
Congresso e do Palácio do Planalto, o agrupamento de pessoas já
estava se tornando bastante compacto. Havia de tudo; adultos,
crianças, idosos, humanos e alienígenas, de tudo quanto era espécie
que compunha a Federação, e mesmo algumas outras diversas.
No meio daquilo tudo,
bandeiras e bandeiras, do Brasil, de diversos outros países
representados na Assembléia-Geral, da Terra e da Federação,
juntamente com holoprojeções que ficavam repetindo dizeres e
slogans, bem como citações de diversas pessoas, até mesmo da própria
senadora, e de outros que apoiavam a proposta da Assembléia-Geral.
O tom de tudo era um só: A Bancada Independente devia ser
aprovada, e a vontade do povo da Terra devia ser considerada pelo
Conselho.
David
pediu para o computador destravar os campos de inibição de ruído
daquele andar, e o murmúrio daquela multidão passou a ser
ouvido, bem como seus gritos e suas cantorias, que só sublinhavam
ainda mais aquilo que eles já podiam ver e observar.
- Não é fantástico?
– Zhaav dizia, enquanto os outros fitavam a janela, ainda em silêncio.
– E o mais incrível é que acabei de falar com Vortik, ele está
em Budapeste, e segundo ele, manifestações como esta estão
pipocando por todo o planeta! Por todo o setor! – Denise se
afastou alguns metros para acessar um terminal LCARS, e digitou
alguns comandos para entrar na rede do Serviço de Notícias da
Federação. E de fato, lá estavam já relatos de manifestações
pró-Bancada Independente sendo relatadas de dezenas de cidades
diferentes na Terra. Jacarta, Chicago, Barcelona, Joanesburgo,
Manila, Pequim, Caracas, e muitas outras, multidões de cidadãos
da Terra espontaneamente se reunindo para protestar contra aquilo
que estavam considerando errado na sua comunidade. A voz da Terra
se fazia ouvir, através da força coletiva da combinação das
manifestações individuais de cada uma das pessoas que se juntava
às multidões nas ruas da Terra.
Como Stel e seu staff
estavam descobrindo a partir daquele momento, as manifestações
haviam sido organizadas de maneira descentralizada, pelas mais
diferentes organizações do planeta, como escolas, instituições
de pesquisa, universidades, câmaras setoriais, sindicatos,
organizações econômicas, órgãos públicos regionais, e
diversas outras. A própria equipe de Stel havia recebido
mensagens de que manifestações de apoio estavam sendo
organizadas por diferentes entidades com as quais eles estiveram
em contato durante toda a campanha, mas ninguém havia imaginado
que a coisa pudesse chegar a tal magnitude, e tão rapidamente. O
boca-a-boca garantiu que um mínimo de coordenação fosse ganho
naquela manhã, o que fez com que os diferentes grupos de
manifestantes juntassem forças e decidissem sair às ruas todos
juntos, simultaneamente pelo planeta inteiro, o que fazia daquilo
um dos maiores surtos espontâneos de manifestação popular na
Terra em décadas, senão séculos.
Naquele momento, o grupo
começou a receber mensagens e mensagens relatando os eventos pelo
planeta, além de conter textos e mais textos declarando apoio
total às decisões do governo regional da Terra e a Senadora Stel.
Todos ali se dirigiram para o gabinete de Stel, de onde também
podia-se ver a multidão, ao mesmo tempo em que podiam trabalhar
com todo o volume de informações que chegava, e entrar em
contato com os grupos de organização por toda a Terra.
- Vortik acabou de
chegar em Paris, - Tolia reportou, olhando um dos padds. –
Segundo ele, uma multidão já está rumando da Champs Elisée
para o Archer Hall! – Zhaav se adiantou, novamente apressada.
- E escutem isto...
Marcus está neste momento com a sua filha, Senadora, a Kátia...
eles estão em São Francisco.
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Os imensos jardins ao longo da Ponte Golden Gate ladeiam
uma vasta área onde se localizam dois complexos de edifícios
administrativos de extrema importância para a Federação. Ao
longo da margem da baía de São Francisco, estão instalados a
Academia da Frota Estelar, o Comando da Frota Estelar, e o
Conselho da Federação, entre dezenas de outros departamentos de
ambas as organizações. Ao longo de tudo isto existe um complexo
de parques e boulevares que conectam todas as áreas, juntamente
com áreas de recreação, estações de Airtram e teleporte, áreas
de pouso de naves auxiliares, e diversas outras instalações.
E ali, naquele momento,
uma cena que estava ocorrendo em diversas outras cidades da Terra
também estava acontecendo: milhares de pessoas se reunindo para
fazer uma manifestação bem às portas da Frota Estelar e do
Conselho da Federação. Aquela em particular havia sido convocada
pelos Corpos Estudantis das universidades da Liga Ivy e das
universidades da Costa Leste, além de diversas Câmaras Setoriais
e dos Sindicatos da região. E naquele momento, o Presidente do
Corpo Estudantil de Yale, Crigh Hirez, um Zakdoniano cursando o
mesmo semestre que Kátia Parker cursava em Yale, estava
discursando para a multidão, em pé em cima de um shuttle classe
dois que naquele momento estava por acaso ali em uma das áreas de
jardins perto da ponte.
- E ali mesmo, meus
colegas, - ele dizia para a multidão à sua frente, com suas
palavras sendo retransmitidas por sistemas portáteis de som,
enquanto apontava na direção do domo do edifício onde se
encontrava a câmara principal do Conselho – Ali estão neste
momento os Embaixadores do Conselho da Federação, em uma sessão
na qual estão desconsiderando sem grandes preocupações as legítimas
propostas enviadas para lá pelo governo da Terra! E o nosso
representante ali dentro, o que está fazendo? Orquestrando tudo
isto, orquestrando este movimento contra as propostas que ele
mesmo foi encarregado de levar ao chão de debate daquela casa!
– Hirez fez uma pausa para diversos gritos dos manifestantes
terminarem, antes de continuar.
- Mas não é de se
espantar, meus colegas. Se olharmos bem para o histórico recente,
desprezo pelo que o povo deste planeta pensa e diz não é
novidade alguma para o nosso Embaixador, para o Archer Hall ou
mesmo para o Conselho! E já chega disto. Chega. É hora de o povo
da Terra mostrar que deve ser levado a sério pela Federação. Nós
não somos um vácuo, não somos pessoas sem rosto que apenas
fazem a manutenção do distrito federativo para manter a capital
da Federação. Não, nós também somos membros desta Federação!
Nossa opinião deve ser considerada com seriedade! Nossas idéias
devem ser debatidas com motivação! E nossa voz deve ser ouvida
com atenção! E eu estou indo lá agora lutar por tudo isto! –
novamente, Hirez fez uma pausa para dar tempo a mais manifestações
e gritos da multidão.
- E eu pergunto agora,
quem daqui está comigo?!?!
- Nós estamos! – foi
o forte grito único de toda a multidão.
- E quem são vocês,
afinal? – ele retrucou, firme como eles.
- O povo do planeta
Terra! – novamente a multidão soou tão firme quanto antes.
- Então vamos até lá!
– Hirez agitava o punho cerrado no ar. - Este é o momento no
qual nós, os terráqueos, iremos reclamar este planeta de volta
para nós! A voz deste planeta será ouvida! – e com isto, Hirez
desceu do topo do shuttle, no meio da multidão, a qual abriu
caminho para ele começar a marchar na direção do Boulevard do
edifício do Conselho. Aos gritos de TERRA, TERRA, TERRA, e outros
slogans, Hirez, Kátia Parker, Marcus e outros lideravam o avanço
da multidão, que saía da praça ao largo da Golden Gate,
passando pelos prédios do Comando da Frota Estelar, indo na direção
do edifício principal do Conselho da Federação.
O corpo de oficiais que
fazia a segurança das instalações da Frota e do Conselho, que
vinha acompanhando de perto a manifestação, se moveu para
procurar organizar a movimentação, mas todos estavam muitos
confusos, e o Tenente-Comandante em comando do destacamento não
tinha idéia de como proceder exatamente. Suas ordens eram para
garantir a segurança e integridade das instalações e seus
ocupantes, mas supostamente isto queria dizer sobre ameaças
externas, e não sobre os cidadãos do próprio planeta. Deveria
ele, em algum momento, impedir o avanço de tamanho grupo? Não
havia nenhuma regra específica para uma contingência daquelas,
pois jamais uma manifestação de tal magnitude havia acontecido
ali. O computador calculava que a área total do complexo já
contava com 235.422 pessoas espalhadas por todas as áreas, e
aumentando a uma razão de mais de mil pessoas a cada dois
minutos. E ali em particular estava avançando pelo menos uma
parcela grande de todos estes manifestantes.
O líder estudantil
adiantou-se ao grupo e alcançou o primeiro dos oficiais da Frota
que estavam entre a multidão e o Boulevard principal, onde se
encontrava o prédio principal do Conselho, um domo circular de
coisa de dez andares de altura, com um grande brasão na parede,
acompanhado dos dizeres UNITED FEDERATION OF PLANETS.
- Eu sugiro seriamente
você mover os seus homens em duas colunas na entrada aqui do
boulevard, para coordenar a ocupação da área aqui do paço
principal de maneira mais organizada.
- Minhas ordens são
para manter todos afastados do prédio principal, - o Tenente
respondeu. – Eu não...
Hirez balançou a cabeça
em desaprovação desanimada. – Escute, e como você pensa em
fazer isto? Erguer o escudo da instalação já não é mais possível,
pois estamos dentro do perímetro de defesa, mesmo. Então você
talvez tente nos tontear a todos? Ou usar algo mais clássico,
como tombas e jatos de água? Nem pense em tentar nos impedir de
nos aproximarmos do prédio do Conselho, meu chapa. Pode imaginar
as conseqüências de um confronto deste tipo aqui? Aliás, você
pode imaginar sequer qual poderia ser a simples significação de
um confronto destes?
O Tenente continuava com
um semblante extremamente preocupado e ainda não estava certo de
como proceder. A multidão já estava bem ali, seus homens
aguardava ordens, e mesmo com tantos almirantes nos prédios ali
perto, se ele pedir por uma decisão de um posto mais acima, esta
pode levar tempo. Algo tem que ser feito.
- Alferes Johnson, - ele
finalmente gritou para um outro oficial, a alguns metros de distância.
– Distribua o pessoal em duas fileiras, e organize o acesso
destas pessoas ao boulevard, acelerado! – o Tenente ordenou,
apenas olhando para Hirez, que em retribuição segurou firme o
ombro do oficial da Frota, e logo em seguida voltou para o grupo
de manifestantes. Todos ali tinham que se preparar para posar
diante dos nobres Embaixadores.
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- Eu espero que você esteja satisfeita, Trajina. – Duke
disse, sem se preocupar em esconder qualquer indício de rancor. O
Embaixador se encontrava no gabinete do Presidente Inyo naquele
que já era o terceiro dia consecutivo de maciças manifestações
populares. Tendo como estopim a reticência do Conselho em aprovar
as medidas propostas pela Terra, o movimento popular ganhou uma
pintura mais genérica sobre a importância geral que a Terra,
como uma sociedade, e como a Federação como um todo a trata.
- Se você se refere a
eu desejar que os bons cidadão da Federação aqui da Terra
tenham uma satisfação a respeito das denúncias que meu pessoal
levantou, eu ainda não estou totalmente satisfeita, mas as coisas
parecem caminhar nessa direção. – ela retrucou, sentada com os
braços cruzados na frente da mesa do Presidente, enquanto Duke
estava à frente das amplas janelas laterais do gabinete, de onde
se podia ver a massa de manifestantes nas ruas de Paris.
- Me poupe deste teatro
barato, Trajina! Você armou esta vendetta mancomunada com a sua
amiguinha Betazóide para conseguir torcer o apoio a este governo!
E para quê? Não há nada de errado no momento, mas você tinha
que se meter a querer consertar aquilo que só você mesma julga
estar quebrado.
- E só alguém iludido
como você, Duke, para acreditar na própria mentira oficial que nós
vendemos pela galáxia, de que este planeta é uma Família Feliz
e Fraterna, com esta maquilagem de paraíso, que coloca a Terra
como a garota-de-poster-de-recrutamento para alienígenas do
quadrante todo desejarem se juntar a nós! Eu por mim estou cheia
disto! Que os nossos problemas sejam discutidos às claras! Que o
povo saia às ruas, se preciso! Mas que ele participe, e não que
fique dependente de inertes como você.
Duke ficou nitidamente
vermelho de raiva e se adiantou na direção dela. – Como você
ousa colocar em xeque os valores do gabinete do qual faz parte?
Você deveria ter vergonha de sequer olhar no espelho e ver ali
uma Secretária de Estado da Federação de Planetas Unidos! –
Trajina não titubeou em retribuir o gesto de seu oponente e também
ficou em pé na frente dele.
- E pelo que eu deveria
me envergonhar? Por colocar às claras que existem conflitos
internos mesmo aqui na Terra do Nunca do quadrante Alfa? Ora, me
poupem desta sua decência hipócrita, e ao menos uma vez na vida
admita que está errado! Você é quem deveria se envergonhar por
desdenhar do seu próprio planeta da maneira que faz, para no
lugar disto querer bancar o vice-rei!
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- Duke, Trajina, basta disto. – Inyo finalmente
intercedeu. Os demais ocupantes da sala, que eram parte da equipe
de Inyo, Duke e alguns Almirantes da Frota Estelar, estavam em silêncio
desde que o duelo entre a Secretária e o Embaixador havia começado.
O Presidente havia requisitado aquela reunião entre diversos dos
seus oficiais de governo para justamente encontrar um senso comum
no qual poder gerenciar a mais recente crise, mas pelo que
parecia, isto estava se mostrando ser bem mais difícil do que
imaginava.
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- Foi sério assim?
- Hum, hum. –
respondeu a Secretária de Educação da Federação.
Zgouridy estava presente
naquele que era um momento de considerável descontração para a
equipe de Stel e para a própria. O que não significava menos
trabalho, de modo algum. Era uma hora da manhã, horário local de
Alexandria, e mais tarde ainda pelo horário em que todos ali
estavam acostumados a dormir. Mas, no momento, a própria Senadora
e seu staff estavam colocando a mão na massa na organização de
uma conferência que estava para acontecer na manhã que se
aproximava. O local da conferência era um amplo salão de debates
em um anexo da Biblioteca de Alexandria. Aquela versão da
imponente biblioteca da Era Antiga terrestre havia sido construída
no final do século 20, e apesar de ter passado por um primeiro século
de existência difícil, dada a situação caótica em que o
planeta mergulhou, do século 22 em diante ela se firmou como uma
das mais importantes instituições de estudos da Federação.
Embora
o tema programado com antecedência fosse política econômica,
ninguém ali tinha dúvidas que a recente crise iria ser tópico
constante de questões e comentários. A Secretária queria então
aproveitar o momento razoavelmente calmo para conversar com sua
amiga candidata como havia sido a reunião dela com Duke e o
Presidente.
- Bem, depois desta a
Trajina não deve durar nem até o final de semana na cadeira de
SecExp. – disse novamente Tolia, a que havia perguntado sobre a
seriedade da discussão que Zgouridy havia descrito para todos
ali.
- Eu não contaria com
isto, - a Secretária disse, sentada com Stel em uma das mesas
redondas de oito lugares espalhadas pelo salão, enquanto Tolia,
Marcus, Zhaav e David distribuíam kits de imprensa e padds de
dados em cada um dos lugares reservados da conferência. - Ela tem
garantias ótimas de estabilidade no emprego.
- Tais como? – Stel
fez a deixa.
- Tais como o fato de que se eles tocarem em um fio do
cabelo dela, mais de dois terços do gabinete de Inyo renunciam, a
começar por mim. – e a Secretária levou a sua caneca de café
a boca.
- Dois terços? –
Zhaav arregalou os olhos e torceu as antenas. – Isto deve ter
deixado eles maluquinhos!
- É uma verdadeira
crise institucional, esta que estamos enfrentando. – Marcus
afirmou, sem esconder um tom preocupado.
- Não posso deixar de
concordar. Mas talvez seja o que nós estamos precisando um pouco.
Para tirar o pó destas mesmas instituições. – Stel disse.
Zgouridy pensou um
pouco. – No dia em que uma sociedade inteira atingir a perfeição
absoluta, esta sociedade está frita... condenada a virar pó por
estagnação.
A senadora se espreguiçou
um pouco na cadeira, antes de continuar a falar. - Bem, mas Duke
ainda não está derrotado. Ele próprio tem muito apoio de
setores médios da sociedade terrestre aqui, da Frota Estelar e do
partido dele. Nem todos os Federados fecharam com ele, mas é onde
ele está com maioria garantida.
- É verdade. – disse
Tolia. – Por exemplo, a Denise foi encontrar o Scott algumas
horas atrás, pois ele chegou na Terra novamente com a São
Paulo, e ela me contou que quando Scott chegou na redação do
Inquirer, a primeira coisa que teve que tomar as rédeas foi a
pilha de críticas que o jornal está tendo, tão numerosa quanto
os elogios. Não param de chegar mensagens. A coisa não tem sido
fácil lá. – Tolia disse. – Mas eles também não se
arrependem nem um pouco de ter jogado a bola deste jogo ao alto. E
vão continuar a comentar o que eles acreditam que está errado
sim.
- Por falar na São
Paulo, - Stel comentou, - A Trajina preparou a recepção para
o material que a Carol trouxe, não?
- Pode apostar que sim.
Está tudo guardado no gabinete dela, por pessoal de segurança da
própria SecExp.
- Pensei que a segurança
da SecExp fosse de responsabilidade da Frota Estelar, - David
disse.
- E é, mas não vamos
nos esquecer também que a Trajina, embora tenha pisado nos calos
do Comando da Frota, especialmente do Galbraith, ainda é a Secretária
a qual trabalha em conjunto com a Frota Estelar, e portanto, tem
seu pessoal de confiança lá.
- Mas continua, Oryza, -
Stel chamou a atenção da Cignetiana. – E o que ficou decidido,
afinal, na reunião?
A Secretária voltou a
falar do tema anterior. - Bem, já tivemos as seguintes garantias
de Inyo: primeiro, ele garantiu que não deseja um racha no
gabinete, então ele vai ficar à margem de qualquer decisão que
o Conselho venha a tomar, seja a favor ou contra qualquer lado. O
que o Conselho decidir por si vai ser o que vai valer. Mas, para
adiantar isto, ele marcou uma reunião extraordinária para
definir uma decisão final sobre a matéria. Desta votação irá
sair se a Bancada Independente vai ser criada, ou se o próprio
Conselho é quem vai coordenar as investigações daqui por
diante.
- Então todo o lobby
que todos nós estamos fazendo vai convergir seus efeitos nesta
reunião, certo? – Tolia perguntou.
- Nesta reunião e no
que vem logo após ela, pois vai ser em 6 de julho. – A Secretária
respondeu.
Todos ali se espantaram
pela data anunciada. - Ele levou em consideração que esta data
coloca a decisão a apenas uma semana antes da eleição? –
Marcus disse.
- Sim, ele considerou.
– Zgouridy apenas respondeu, - Ele considerou.
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A semana havia sido conturbada, para se dizer o mínimo,
para aqueles três jornalistas. Amanda e Scott ainda trabalhavam
em seus textos, cada um em um terminal LCARS no centro de imprensa
do Departamento Eleitoral da Terra, em Jacarta. Ora digitando, ora
ditando, os dois estavam dando os toques finais em artigos para o
Inquirer sobre o final do dia eleitoral – ali na Indonésia eram
oito horas da manhã, hora local. O sistema de votação havia
sido liberado para uso à zero hora HMG, e fechado exatas 24 horas
terrestres depois. Já fazia pelo menos uma hora após este prazo,
e tanto ali no centro de imprensa como no restante do planeta,
todos estavam aguardando o anúncio oficial pelo chairman do
Departamento Eleitoral, sobre os resultados finais, que certamente
já eram de conhecimento do alto escalão do Departamento, é
claro. Mas a espera estava sendo tranqüila, de qualquer modo --
alguns outros planetas da Federação já haviam anunciado seus
resultados finais, então assunto não estava faltando para as
equipes ali presentes cobrirem, ou apenas conversarem entre si.
Acompanhando a dupla de
cronistas do Inquirer, estava Katilla, sentada de maneira
relaxada no tampo de uma das mesas ao lado da sua dupla de
colegas. Ela já remetera a maioria das suas matérias para Qo'noS
e estava agora matando o tempo antes do anúncio final, sobre o
qual ela iria escrever outro texto rápido, apenas confirmando os
números oficiais finais. Todos ali já estavam mais ou menos
cientes de quais poderiam ser estes, baseados nas projeções das
últimas horas que antecederam a liberação do sistema eleitoral
para acesso dos eleitores do planeta.
- Ele tinha algum
envolvimento direto em tudo o que foi levantado e investigado? –
Amanda perguntou para Scott, sem desviar sua atenção do seu
terminal LCARS. Katilla apenas observava em silêncio os dois.
- Nada que tenhamos
descoberto, e o que foi além disto também não revelou indícios
alguns. – foi a resposta de Scott, também sem interromper sua
digitação ou desviar a atenção. – Pelo menos, não até
agora.
- Ele tinha algum
envolvimento indireto, então? Ele conhecia algum dos acusados?
Ele recebeu alguma informação de bastidores?
- Nada.
- Ele tinha muito a
perder... e pouco a ganhar, certo?
- Pelo menos é o que
parece.
- Então porque pipocas
Duke resolveu cometer aquele suicídio político? – Amanda
finalmente parou de digitar e se virou para Scott. Ela não
esperava realmente nenhuma resposta a qual também já não
tivesse especulado a respeito, claro; a pergunta era largamente
retórica.
A híbrida
humana-Ktariana fora surpreendida como todos haviam sido vários
dias atrás, quando o Conselho da Federação finalmente decidiu
por recusar definitivamente a moção da Terra para que aquela
casa entregasse o controle da investigação sobre as novas denúncias
da crise do Empok para uma Bancada Independente de Investigação.
A sessão em que se decidiu isto foi bastante conturbada, e o próprio
Embaixador da Terra continuou insistindo que a proposta não
deveria ser aceita. O acalorado debate durou horas, e finalmente
se definiu que o Conselho da Federação iria continuar a reter o
controle da investigação, mas em contrapartida toda uma nova
equipe seria formada do zero, o que conseqüentemente colocava o
Embaixador Duke de fora do controle direto do Comitê. Isto foi
tudo o que ele e a sua bancada de apoio entre os outros
Embaixadores conseguiram; um comprometimento de maneira a fazer
com que a moção não fosse aprovada.
Mas o resultado não o
deixou totalmente satisfeito. De uma forma ou de outra, ele estava
agora fora do jogo, e havia desprendido muito capital político no
processo. Demais, na verdade. A semana seguinte demonstrou
claramente que a posição de Duke na eleição praticamente se
esfaleceu, especialmente em votos na primeira e terceira seqüências.
As chances de Stel cresceram, e por meados da semana as projeções
demonstravam que Stel ganhara uma boa margem, colocando-a em
vantagem. Mas isto só poderia ser confirmado para valer dentro de
alguns momentos, ainda.
- O Duke cometeu o
movimento final de um erro que ele já vinha cometendo há muito
tempo, - disse finalmente Katilla, ainda no tampão da mesa, balançando
relaxadamente as pernas no ar. – É como uma antiga Chanceler do
Império certa vez citou... vocês humanos consideram a galáxia
como um verdadeiro playground do Homo sapiens. O Duke é
apenas um reflexo disto, que parece ter se acentuado nos últimos
anos. Eu acho que ele realmente nunca se considerou Embaixador da
Terra no Conselho da Federação...
- Ele sempre se
considerou o Embaixador Humano no Conselho da Federação.
– Amanda emendou, dando ênfase no nome da espécie.
- Exatamente. O
Embaixador Humano. E este erro foi a sua lápide. Este
imperialismo humano sempre sufocou a Terra enquanto membro da
Federação de uma maneira que era só mesmo uma questão de tempo
até acontecer uma reviravolta destas. Esta penga toda em Chin'toka
é um negócio pequeno, na verdade, e é só o catalisador da
coisa toda. Das razões que levaram Duke a agir desta maneira
nesta confusão toda, eu até acredito que ele pode ter uma agenda
própria a qual não sabemos qual é, mas uma outra destas razões
é a de que ele simplesmente não agüentou ver o seu planeta se
virar contra estes conceitos nos quais ele sempre acreditou, seja
de maneira inconsciente ou não.
- Você está totalmente
certa, Katilla. Este é um vício que nossa sociedade precisa
perder. Pelo menos agora, a população da Terra parece que
acordou para este fato.
- E o que parece... –
e Katilla foi interrompida pelo sistema de comunicações do
centro de imprensa anunciar que o Comitê Eleitoral iria agora
anunciar os resultados finais para a eleição.
Os três jornalistas ali
naquelas mesas, como todos os demais trabalhando naquele momento
no centro de imprensa, voltaram sua atenção para a grande tela
LCARS no topo de uma das amplas paredes do salão, que começava a
sua transmissão. O silêncio ficou considerável.
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A primeira fileira de números correu pelo monitor, na
fonte LCARS, juntamente com a legenda indicando que se tratavam,
por ordem, da primeira para a terceira seqüência de votos dos
eleitores da Terra e do setor 001.
Na extremidade esquerda
da linha, um algarismo que extrapolava um pouco a casa de 2,2 bilhões
de votos. Em seguida, um número pouco menor de um bilhão de
votos, e logo depois, um valor acima de quatro bilhões de votos
completou a primeira linha.
Outra fileira correu
rapidamente pelo mostrador, abaixo da primeira. Esta indicava um
valor de alguns milhares acima de um bilhão e trezentos milhões
de votos, seguido por um valor de quase três bilhões de votos, e
finalmente um terceiro valor de apenas coisa de 160 milhões de
votos.
Outras três fileiras de
valores, estes bem mais modestos, correram também pelo marcador,
até que então os valores das porcentagens computadas piscaram,
depois de calcularem os pesos dos votos de cada uma das três seqüências.
Primeiro, surgiu o valor
de 43,38 por cento, seguido de 34,30 por cento, com os outros três
valores seguintes ficando entre nove e 6 por cento, em média.
Em seguida, os nomes se
juntaram aos números e as porcentagens. Stel, Duke, Triev, Zirot,
Duarte.
E estava feito.
Um contínuo grito de
alegria ecoou por uma das salas de reuniões do Palácio do
Itamaraty, onde o grupo de trabalho todo de Cristina Stel estivera
reunido a noite toda, para esperar a apuração. Mais próximo a
ela, estava o seu staff direto, comemorando, enquanto
silenciosamente a Betazóide suspirou pesadamente e abaixou o
tronco, aproximando sua cabeça de seus joelhos. O alívio pessoal
era acompanhado não apenas por sua alegria pessoal, mas também
de todo o fluxo de emoções daquelas dezenas de pessoas que
estava ali, e que lutaram ao lado dela durante meses para que
aquele momento finalmente estivesse ali. Ela podia sentir
claramente.
Mas em meio às comemorações,
ainda havia trabalho a ser feito. Os resultados por região
estavam seguindo na tela, da mesma maneira que os resultados das
diversas outras disputas regionais para dezenas de cargos
diferentes pelo planeta. Como eles estavam esperançosos, diversos
candidatos a senadores de diversos países e colônias da Terra
que estavam entre os vencedores anunciados eram do grupo que Stel
apoiava. Não todos, mas muitos, o que também representava grande
vitória. E tais dados precisariam depois ser analisados e
avaliados, e reuniões acontecerem. Mas não é nada que realmente
não possa esperar um pouco, pensou a Betazóide.
Stel se levantou,
ajeitando seu penteado, e retribuindo a salva de cumprimento de
todos ali, de Tolia, David, Marcus, Zhaav, de Vortik e de Denise,
da sua família, e de todos os seus conhecidos e colegas. A festa
havia começado, e dali a algumas horas, uma cerimônia mais
formal para a apresentação oficial do vencedor irá ocorrer, e
eles estarão logo a caminho. Mas naqueles instantes, tudo o que
ela queria contemplar era a magnífica vista do entardecer no
planalto central.
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