Capítulo 11 –
Sessões Iniciadas
Cristina
sentou-se no sofá da sala onde se encontrava e levou a mão à
cabeça, que ainda estava sentindo bem latejante. O local onde
estava era o gabinete da Secretária de Educação, Oryza Zgourydi,
e além da própria, também estava ali na sala a Secretaria
Trajina. Oryza trouxe para Stel uma pequena hypospray que
replicou, contendo uma dose de analgésico próprio para Betazóides.
Stel encostou a ponta da hypospray na base de seu pescoço, e
ficou deitada por ainda mais alguns minutos, em silêncio. No
monitor LCARS da mesa de Oryza estava passando uma mensagem a que
Stel havia assistido há pouco, sendo repetida em um loop contínuo.
Para qualquer um que assistisse, não parecia ser nada demais.
Apenas mais um relatório de progresso das pesquisas culturais que
a São Paulo estava fazendo na região da fronteira com Cardássia
– a Capitão Parker e Scott Ross descreviam durante alguns
minutos o status atual da pesquisa para a Secretária Zgouridy.
Contudo,
havia mais naquela mensagem do que podia ser visto. Criptografada
com o áudio e vídeo da mensagem original, havia uma segunda
mensagem, também de autoria de Parker e Ross. Esta segunda
mensagem fora inserida ali de tal maneira que apenas o
subconsciente Betazóide de Cristina Stel podia captar, trabalho
este feito por um analista de comunicações em Betazed o qual
Trajina conhecia há muitos anos. O trabalho era baseado em
antigas técnicas telepatas deste planeta com algum tecnobabble
desenvolvido por este técnico.
A
senadora finalmente suspirou aliviada, depois do baque que sentiu
pela informação ter sido reconhecida de maneira tão abrupta
pela sua mente, mesmo ela tendo se preparado para isto, pois
Trajina havia avisado que ela seria a única a ver a
"mensagem subliminar", como ela chamou o procedimento.
Mas Stel também estava abismada com o conteúdo em si da
mensagem. Ela levou quinze minutos para descrever tudo o que
Parker e Ross haviam reportado na mensagem escondida, e depois
deste tempo também pediu para descansar um pouco.
-
Incrível, - Zgouridy disse. – Até agora, nada disto foi
levantado pela Bancada de Investigação da Frota. Nem fui
questionada sobre nada parecido em todos os meus depoimentos. –
a Secretária de Educação se referia ao comitê oficial de
investigação que fora implantado pela Secretaria de Justiça da
Federação, em conjunto com a Frota Estelar, para se descobrir
como teria sido possível o seqüestro dos passageiros do runabout
em que ela estava, e quais teriam sido as razões do Empok de
fazer isto.
-
Isto vai ser uma verdadeira supernova na coisa, - Trajina disse.
– Eu tive acesso ao primeiro rascunho do relatório da Bancada,
e muita coisa vai entrar em contradição sim, Oryza. Para todos
os efeitos, a investigação vai ter que recomeçar baseada nisto
que o Ross e o pessoal da São Paulo descobriram.
-
Mas como isto é possível...? – disse Stel. – Quero dizer...
tudo isto é incrível demais. – Trajina sorriu levemente para
Stel.
-
Cris, eu devo confessar a você que nós aqui na SecExp já tínhamos
alguma desconfiança sobre certas incoerências e inconsistências
na investigação da Bancada. Tanto que eu também adiantei
algumas coisas por mim mesmo... por exemplo, aquela conhecida sua,
a Katilla, do Ministério de Propaganda Klingon... ela passou para
mim alguns dados e análises extras sobre as investigações dos
Klingons sobre o caso, e sobre a análise forense da IKS Azetbur,
depois que repassamos para eles os destroços. Recebi coisas que
os Klingons não confiaram repassar sequer para a Bancada de
Investigação. Informação de cocheira, mesmo... garantida pelo
Chanceler Martok em pessoa. E pelo que eu vi daquilo que eu já
havia levantado, pelo que Katilla me passou, e pelo que você
agora nos contou que Parker e Ross descobriram, a coisa está
agora bem clara. E ter te incluído neste nosso... plano, vamos
dizer assim, de providenciarmos uma investigação em paralelo foi
uma decisão da qual não me arrependo.
-
Só que não podíamos fazer isto de maneira aberta, - continuou
Zgouridy. – Precisávamos disfarçar isto de alguma forma, e então
bolamos esta missão de pesquisa da São Paulo. E agora a
sua participação neste plano vai ser importante para valer,
mesmo.
-
Eu imagino que ter colocado Ross na São Paulo tem relação com
isto tudo, mas não sei como é que eu poderia ajudar além disto.
Esta própria mensagem vocês poderiam ter preparado para outro
Betazóide qualquer.
-
Sim, poderíamos... – Trajina recomeçou, - Mas você era a
escolha certa, e por duas razões, uma prática e uma subjetiva. A
razão prática é que cada uma de nós três aqui tem um papel a
cumprir assim que este tribble começar a dar cria, que vai ser...
computador, que horas são?
- 23
horas e 15 minutos, horário central europeu, - foi a
resposta.
-
Vai ser em dez horas, assim que a reportagem completa do Ross for
incluída na atualização da manhã do Philadelphia Inquirer.
-
Será que isto é realmente uma boa idéia? Quero dizer, algo
assim ser escancarado por um jornalista... – Stel especulou, mas
Zgouridy girou a tela LCARS do seu console, onde ela havia
desligado a mensagem para poder acessar o banco de dados da
legislação da Federação.
-
Seria algo inadequado caso o jornalista em questão tivesse tido
acesso ilegal à informação privilegiada, Cristina. – Zgouridy
dizia enquanto rolava o texto para procurar o parágrafo específico
que tinha marcado. – Mas de acordo com o Ato de Garantia de
Liberdade de Informação, da data estelar 1223.3, no caso de um
cidadão da Federação que não é membro de nenhuma organização
governamental ser envolvido em uma investigação criminal no
papel de colaborador da equipe de investigação, ele só precisa
manter a informação confidencial até o momento em que o relatório
final do investigador-chefe for terminado.
-
E neste caso, o investigador-chefe é a Capitão Parker, - Trajina
disse. – E o relatório final dela será transmitido para a
Frota Estelar alguns minutos antes do Inquirer publicar a
matéria de Ross. E este relatório já vai ter sido classificado
pela Capitão como estando na proteção do Ato de Liberdade de
Informação.
Stel
fez uma expressão que compreendia onde as duas queriam chegar.
– Então podemos considerar que teria sido uma "coincidência"
Ross e o time de Parker terem esbarrado em pistas sobre o caso,
quando estavam na sua missão de pesquisa... desta forma, Ross foi
envolvido na equipe de investigação local de Parker... e, desta
forma, não poderia ser impedido de divulgar o que sabe pelo
governo federativo ou pela Frota Estelar, tão logo a Capitão
Parker fizesse o seu relatório.
-
Com certeza. – Trajina disse. - Este relatório certamente iria
ser reclassificado o mais rápido possível como informação
confidencial novamente, pois eles considerariam um
"absurdo" Parker ter decidido carimbar ele como algo de
livre acesso, e levaria dias para ser analisado pelo pessoal da
Frota, que daí o repassaria para o Conselho, e assim por diante.
Mesmo que eu pessoalmente exigisse agilidade no processo, nós
estaríamos com as mãos atadas, e nada poderia ser dito ao público
por um tempo considerável.
-
Mas como Ross já vai ter uma reportagem sucinta e recheada de
provas para ser publicada minutos após a transmissão de Parker,
a Frota não vai poder fazer nada para evitar que a informação
seja temporariamente abafada.
-
Garantindo assim que o caso tenha a atenção que merece da opinião
pública. – Oryza concluiu.
-
Você mencionou papéis específicos de cada uma de nós, Trajina.
O que isto significa? – Stel perguntou.
-
Como eu disse, depois da reportagem do Ross, vai ser um Kahless
nos acuda. A opinião pública vai certamente exigir medidas, e eu
tenho uma sugestão de uma proposta para você fazer na Assembléia-Geral
da Terra, minha amiga: a de requisitar a formação de um grupo de
investigação independente do Conselho e do restante do nosso
governo da Federação, que deverá ser composto por
representantes regionais indicados diretamente pelos cinco membros
originais da carta da Federação.
Cristina
pensou a respeito daquilo. A rigor, cada um dos membros da UFP é
representado no Conselho pelos seus embaixadores, aos quais, entre
outras tarefas, cabe a formação de Bancadas de Investigação
sobre problemas muito sérios na Federação. Mas, no caso de um
membro em particular achar necessário, os governos regionais dos
membros da UFP podem requisitar a formação de uma Bancada de
Investigação independente do Conselho, a qual responderia
diretamente ao governo regional do membro que a teria requisitado.
Trajina e Zgouridy estavam pedindo para que ela levantasse tal
proposta na Assembléia-Geral, de modo que o governo regional da
Terra requerisse a criação da Bancada Independente. Para todos
os efeitos, a coisa valia como um voto de desconfiança contra o
Conselho, embora formalmente não tivesse esta finalidade.
Precedentes havia, mas, de qualquer modo, seria um ato político
extremamente ousado.
-
Após isto, é que nós três vamos ter que rodar a Bajoriana.
Para a Oryza, vai caber a tarefa de fazer pressão no Presidente
Inyo e o restante do gabinete fora nós mesmas, para que apóiem a
proposta da Terra. A mim, cabe a tarefa de fazer pressão no
Conselho da Federação e na Frota Estelar para que apóiem a
proposta da Terra. E a sua função é de fazer o mesmo na Assembléia-Geral,
e na Terra como um todo. A sua posição atual de candidata ao
Conselho da Federação é perfeita para isto. E, quanto mais
apoio pudermos conseguir, melhor irá ser. Eu imagino que os seus
candidatos para a Assembléia-Geral devem fechar com você,
principalmente os que forem progressistas ou comunitários.
-
Mas isto pode vir a ser uma d'ktahg de dois gumes, - disse Stel.
– Eu posso ser acusada de mero oportunismo. Que razão poderíamos
usar para justificar a criação da Bancada Independente?
-
Há várias, mas a mais básica e óbvia poder ser a do escândalo
Ba'ku. Até agora eu não engulo que tenha sido o próprio
Conselho da Federação a investigar uma confusão que eles mesmos
criaram! Isto não pode se repetir. Mas você tem razão no que
diz respeito a haver uma boa dose de risco. - confessou Trajina.
– Eu não posso negar que é um risco político alto para você.
O Duke, por exemplo, tem cacife o bastante para pesar na decisão
do Conselho. O que o Conselho fizer a respeito desta confusão
toda pode afetar o rumo da sua campanha. Pode ser que afete para
melhor, ou para pior. – com isto, a Secretária fez uma pausa, e
se sentou ao lado de Stel no sofá.
-
Mas eu quero que entenda uma coisa, Cris, que é a tal razão
subjetiva para termos escolhido você. Eu acredito sinceramente
que isto pode ser o fiel da balança que irá mostrar ao povo
deste planeta, de uma vez por todas, que você pode ser uma
excelente Embaixadora. Uma Embaixadora realmente preocupada não
apenas com os destinos da Federação, mas também preocupada com
os destinos da Terra, e dos terráqueos. E sei que nós poderemos
ter uma ótima relação, nos apoiando mutuamente, você no
Conselho, e nós no Gabinete. O Presidente tende a preferir o Duke,
é claro, mas com jeitinho eu e a Oryza podemos dobrar o homem.
– ela terminou, sorrindo.
-
E então, topa? – as duas perguntaram. Stel teve um rápido
deja-vu, com a pergunta. Ela havia colocado Ross em uma situação
parecida, de tomar a decisão de se juntar em algo do qual ainda não
tinha total compreensão. E uma vez que entrou, ele estava
cumprindo sua parte. Agora era a sua vez de optar por sair pela
tangente ou abraçar a oportunidade de realizar mudanças reais na
face política da Terra, e da Federação. A escolha não parecia
ser difícil, portanto.
-
Vamos fazer isto. – Stel confirmou, enquanto se levantava do sofá,
acompanhada das duas Secretárias de Estado da Federação.
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-
Desta forma, colegas, eu acredito que somente com a adição de
mais propulsores de manobra ao longo do casco este conceito pode
se tornar válido... – o Almirante Galbraith parou de falar no
momento em que um de seus ordenanças parou em pé na porta da
ponte de comando daquela representação holográfica de uma nave
da classe Defiant, e gesticulou que precisava falar com ele
pessoalmente. O Almirante estava reunido com um time de
engenheiros de Utopia Planitia e alguns pilotos da Frota Estelar,
em um estudo de novas táticas nas quais se empregar as naves
daquela classe. No momento, o grupo havia terminado de testar como
Defiants iriam se comportar se combinadas em wolfpacks, ao
mesmo tempo em que cada uma daria cobertura cerrada para as
demais, em um bem fechado grupo de naves manobrando em conjunto.
-
O que foi? Eu estou no meio de uma reunião. – o Almirante
disse, enquanto o Tenente-Comandante se aproximava, deixando
transparecer que tinha extrema urgência em falar com ele.
-
Eu entendo perfeitamente, senhor. Mas acho que o senhor precisa
acessar o mais rápido possível a atualização mais recente dos
jornais e do Serviço de Notícias da Federação.
-
Agora? – ele perguntou retoricamente, em um tom contrariado,
enquanto se dirigia da cadeira de comando holográfica para uma
das simulações de console da ponte, a qual ele iria reconfigurar.
-
Agora, senhor. Agora.
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Em
questão de minutos, as primeiras reações à matéria original
de Scott Ross começaram a surgir pelo planeta... o que não era
de se espantar, a considerar o conteúdo da reportagem.
Basicamente, a matéria se dividia em duas partes. A primeira
descrevia como, durante uma pesquisa sócio-cultural em alguns
planetas da União Cardassiana, a equipe de uma nave da Federação,
acompanhada do jornalista, descobriu indícios e pistas mais
detalhadas sobre o envolvimento Empok no recente incidente dos reféns
da Federação, o estopim da revolta Quigoliana na região. A
investigação preliminar, decidida no momento pela capitão da
nave federada, a São Paulo, revelou o perturbador fato de
que pelo menos cinco cidadãos da Federação estavam envolvidos,
de uma maneira ou de outra, com a operação do Empok. O texto
descrevia depoimentos de civis Cardassianos, membros de médio
escalão do Empok, capturados por forças legalistas, e membros do
próprio governo legalista, e uma fonte interna em particular do
reformado Bureau de Inteligência Cardassiano, que optou por
anonimato. Destes depoimentos e de diversas evidências materiais,
a equipe de Parker conseguiu descobrir que tais federados passaram
informação sobre a IKS Azetbur para o Empok, e que esta
organização também recebeu informação, suporte e logística
para não apenas iniciar a revolta, mas também usar a operação
de seqüestro como o início de fato das hostilidades contra as
forças legalistas do governo Cardassiano e contra as potências
aliadas. Mas curiosamente, havia também indícios de que em dado
momento os mesmos federados teriam repassado informação sobre o
Empok para a Inteligência da Frota, usando para isto secretos
canais indiretos de troca de informações.
Já
a segunda parte da matéria especulava a respeito de quais
poderiam ser as possibilidades, frente a estes fatos. Seriam estas
pessoas ex-maquis? Ou meramente operadores da Inteligência da
Frota Estelar, infiltrados no Empok com a intenção de
desestabilizá-lo? Mas então, porque o Empok havia ganhado deles
apoio e suporte de tal maneira que isto o fortalecia, e ajuda para
a operação contra a Federação? Fatos contraditórios como
aqueles pareciam delinear um caso ainda não muito claro de jogo
duplo por parte de seções secretas da Federação, sem ainda
estar claro exatamente de qual lado parecia estar a suposta
lealdade destes indivíduos, e a reportagem continuava por
comentar sobre outros casos na história da Federação onde forças
no mesmo estilo pareciam ter tido atuação. Concluindo, a
recomendação era de que uma investigação em larga escala
deveria continuar seguindo estas pistas, em conjunto com o atual
inquérito sobre a operação dos reféns, além de uma revisão
geral sobre o grau de interferência atual da Federação no
governo Cardassiano de Natima Lang.
Com
especulações e rumores correndo pela Federação, o Conselho
abriu reunião de emergência para iniciar um debate a respeito,
enquanto o Gabinete do Presidente do Conselho iria se reunir em
breve. Mas antes, o Presidente Inyo estava reunido com um grupo do
Comando da Frota Estelar, que era um dos órgãos particularmente
preocupados com as repercussões do caso, uma vez que a reportagem
especulava que três dos cinco misteriosos contatos do Empok eram
membros da Frota Estelar ou dos serviços de inteligência desta.
O
Almirante Galbraith e seu staff estavam no momento no gabinete de
Inyo, e o Presidente teve que gerenciar diversas críticas lançadas
contra a sua Secretária de Exploração Espacial, que segundo
Galbraith, armara a investigação da maneira que ocorreu de modo
a poder escancarar publicamente os fatos antes que qualquer um na
Frota Estelar pudesse debater previamente as informações.
-
Se vocês estavam tão reticentes à idéia de que Trajina podia
estar usando isto como cobertura para uma investigação paralela,
- perguntou Danton, - Porque não desautorizaram que a São
Paulo fizesse estas investigações? A Secretária Trajina
teria que admitir a verdadeira razão de ter realocado a São
Paulo para a região.
-
Porque, acreditem ou não, a São Paulo de fato fez uma
pesquisa absurdamente sucinta sobre antropologia e sociologia
daquela região da União Cardassiana...! – ele disse em um tom
de indignação, largamente gesticulando os braços. – A
quantidade de informação que foi enviada para a Secretaria de
Exploração Espacial foi enorme, e nada que fosse só encheção
de lingüiça, não. Equipes inteiras estão trabalhando no
material enquanto falamos.
-
Então a São Paulo de fato esbarrou no caso por acidente,
Almirante. – Inyo disse, simplesmente.
-
Com todo o respeito, Senhor Presidente, mas eu não acredito
nisto.
-
Nem eu, - rebateu rapidamente Inyo. – Mas eu não posso censurar
Trajina por isto. No mínimo, eu a congratularia por reforçar bem
o seu subterfúgio para poder olhar debaixo do tapete. – os
oficiais da Frota Estelar ali presentes entreolharam uns aos
outros, contrariados, mas não puderam encontrar mais argumentos.
Não podiam forçar a barra demais contra Trajina, especialmente
perante o Presidente do Conselho da Federação; a coisa poderia
acabar soando como insubordinação.
-
Ross, huh...? – Cespedes disse, ainda passando os olhos pelo
artigo em seu padd. – Que credenciais este cara tem, afinal,
para querer escrever uma série de denúncias destas?
-
Não foi ele que escreveu recentemente uma série de artigos bem
críticos contra o movimento maquis de alguns anos atrás? –
Danton acrescentou.
-
Bem, isto é verdade... ele conhece a região como poucos. E devo
admitir que concordei com ele a respeito de suas conclusões
destes artigos que você menciona, Dalton. – Galbraith disse, se
virando na direção do assessor de Inyo.
-
Não conheço estes papéis, - Inyo disse. – De que conclusão
se refere?
-
Para tornar uma longa história curta, ele basicamente conclui que
o movimento maquis foi composto na sua base por traiçoeiros hipócritas,
que não hesitaram em apunhalar nossa nação pelas costas no
momento em que a nossa política de colonização, que sempre foi
bem conveniente para eles, parou de ser. Só aí eles vieram com a
conversa fiada deles de imperialismo e de "Federados, vão
para casa" e coisas do tipo.
-
Hum... um homem de opinião forte. Não se pode deixar de
respeitar isto. – Cespedes disse, finalmente.
-
Não adianta querermos colocar em xeque a credibilidade do autor,
- intercedeu o Presidente. – Mas sim avaliarmos com seriedade a
natureza das denúncias. Até onde procedem todas estas informações
do artigo, e tais acusações contra estas pessoas?
O
relator da Bancada de Investigação da Frota, Capitão Richardson,
se adiantou. – Na fase inicial das investigações, Senhor
Presidente, a hipótese de infiltração interna foi levantada,
especialmente no que se refere aos eventos no runabout durante os
momentos finais antes do pseudo-acidente. Mas uma investigação e
posterior interrogatório da tripulação do Volga, assim
que eles chegaram de volta à Terra, mostrou que a possibilidade
era inexistente...
-
Talvez tenhamos que rever a investigação sobre este seu pessoal,
Galbraith. – Inyo disse. – E quanto a agentes infiltrados
entre Cardassianos, ou Klingons?
-
Teríamos que ter tido algum indício inicial para sabermos por
onde começarmos, e nada que descobrimos sugeria que cidadãos da
Federação poderiam estar ilegalmente infiltrados no Empok, fosse
qual fosse a finalidade. – Richardson fez uma pausa. – Quero
dizer, não tínhamos nenhum indício inicial... os dados
coletados pela tripulação da Capitão Parker mudam isto. E a
Inteligência da Frota nos assegurou de que não tem nenhum agente
na região com ordens sequer semelhantes ao que a reportagem
alega.
O
Presidente pensou um pouco em silêncio. – Não obstante, eu já
entrei em contato com o Embaixador Natec, e a recomendação da
mesa do Conselho irá ser a de que os dados que a equipe de Parker
colheu irão ser acatados na investigação. Duke também tenciona
propor que o Conselho, liderado por um Comitê que ele pretende
montar, passe a acompanhar mais de perto a investigação, a
partir daqui.
Galbraith
fez uma expressão mais satisfeita –- ele sabia que poderia
contar com a colaboração do Embaixador para manter a atual crise
sob controle no que diz respeito a maiores implicações políticas.
Desta forma, o controle de danos estará assegurado.
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O
impacto geral das denúncias sequer havia terminado e um novo
elemento se juntava ao tema das conversas no momento: a proposta
da criação de uma Bancada Independente fora colocada em discussão
na Assembléia-Geral da Terra, pela representante do Brasil,
Cristina Stel. A Senadora certamente conseguiu que o seu tema se
tornasse o foco principal do debate, com Senadores de diversas
regiões do setor 001 trocando argumentos sobre a validade de tal
medida. De maneira geral, coisa de um quarto dos representantes
ali presentes abraçaram a idéia rapidamente, enquanto cerca de
outro quarto estava se mostrando contrário –- os demais ainda
queriam estudar a matéria com mais detalhes e conversar mais a
respeito antes de ter qualquer parecer. O Chanceler da Assembléia-Geral,
Senador Dranan, depois de conferenciar com a mesa diretora do órgão,
e em privado com Embaixadores no Conselho, especialmente Duke,
declarou que a matéria só poderia ser decidida após três dias
de deliberação preliminar, após os quais uma votação iria se
realizar. Com isto, ele conseguia ganhar algum tempo, que
pretendia usar para articulação com as diversas representações
partidárias do planeta e com o pessoal do Embaixador Duke.
Entrementes,
Stel não estava sentando nas próprias mãos. Embalada pela
campanha, a Senadora e seu staff passaram a visitar diversos
colegas seus e outras lideranças políticas do planeta, para
conseguir o apoio necessário para a aprovação da medida. Não
estava sendo fácil, pois a todos que contatava, tinha a informação
de que representantes do Conselho haviam também feito contatos,
os quais indicavam que o órgão máximo do governo federativo não
estava vendo aquilo tudo com bons olhos, para se dizer o mínimo.
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Ainda
era cedo, e Sebastian Dranan encontrou o ginásio privativo da
Assembléia-Geral praticamente ainda vazio, exceto por um par de
mulheres que treinava em um ringue no mezanino daquela instalação.
O Senador, contudo, estava vestido formalmente, e portanto não
estava pretendendo utilizar no momento aquelas instalações, mas
sim tencionava falar com uma das duas mulheres que estavam
treinando boxe tailandês.
-
Acho que por hoje já está bom, Andréia, - Cristina Stel disse,
levantando-se do chão do ringue. – Mesma hora, amanhã?
-
Está perfeito, senhora senadora, - a treinadora de Stel disse,
enquanto descia do ringue, e passava por Dranan, que agora estava
ao lado de um dos cantos, e seguiu para os vestiários. Stel
desceu logo em seguida, apalpando os músculos de seus punhos,
intercalando as mãos a cada alguns segundos, e seguiu para o
replicador instalado na parede mais próxima.
-
Computador, isotônico em garrafa, sabor jumja. – o beep foi
seguido pela materialização da bebida que Stel pediu, e apenas
após isto ela resolveu considerar a presença de seu colega ali,
a qual ela havia sentido logo que este passara pelas portas
principais do ginásio, embora estas fossem no extremo oposto do
local.
-
Chanceler Dranan, - Stel disse, enquanto se dirigia para a
banqueta ao lado do ringue. Ela estava vestida com uma bermuda
preta e um top esportivo, sobre o qual vestiu uma camiseta regata
com os dizeres "Universidade de Betazed".
-
Admiro que ainda tenha energia para isto tudo, considerando como
tem estado ativa nas últimas semanas, Senadora Stel.
-
Se eu parar por um minuto, aí é que perco o pique, - ela
respondeu. O Chanceler apenas balançou a cabeça, concordando.
-
Mas têm sido as suas atividades mais recentes que têm me
preocupado, Stel. Toda esta discussão sobre a Bancada
Independente... não sei realmente até que ponto é uma idéia
adequada.
-
As minhas considerações que declarei perante a Assembléia são
perfeitamente válidas para uma proposta do tipo, - ela disse,
fazendo uma pausa para tomar um longo gole do isotônico. – Não
faço idéia do que possa estar considerando como inadequado.
-
Sim, não é a isto que me refiro, mas ao todo da questão, o de
colocarmos uma dúvida de tal porte contra o Conselho da Federação.
Não creio que sequer exista a necessidade de algum membro da
Federação levantar a hipótese de o Conselho não estar levando
a investigação como deve, e ser a Terra este membro seria algo
extremamente danoso para as nossas relações com nossos demais
companheiros de Federação.
-
Eu não concordo, caro Chanceler, e tenho notado que diversos
colegas nosso na Assembléia-Geral compartilham do mesmo
sentimento, - ela retrucou. – E meus recentes encontros com
outros senadores mostram que muitos estão dispostos a concordar
com esta linha de raciocínio. Não acredito que será uma votação
difícil... os comunitários já me deram total apoio, e muitos
dos humanitários e progressistas também. Mesmo diversos
federados parecem inclinados a considerar a proposta com mais
seriedade. Acho que podemos aprovar a proposta e enviá-la para o
Conselho.
-
Se isto acontecer, - Dranan disse em um tom mais forte, - eu não
posso garantir que o Embaixador Duke irá concordar com esta decisão.
Stel levou alguns segundos para responder, terminando de tomar
outro gole.
-
Hum... a obrigação do Embaixador será a de levar a decisão da
Assembléia-Geral, a decisão da Terra, ao Conselho da Federação.
Se o Embaixador tem alguma ressalva pessoal a qualquer ponto do
que for decidido, que o faça lá. Mas uma vez que a Câmara máxima
do planeta o qual ele representa decidir, ele tem que cumprir sua
função constitucional, e lutar por ela. – Stel caminhava em
torno da área entre o replicador e a bancada próxima ao ringue,
enquanto falava. Dranan estava no momento de costas para ela, e se
aproximou rapidamente da Betazóide.
-
Stel, eu não acho que você deva levar esta insanidade muito mais
longe. Na próxima sessão, para o bem de todos nós, você deve
retirar a sua proposta do chão de debate. Não é adequado para
os interesses deste planeta que... – Dranan colocou a sua mão
sobre o ombro direito de Stel e o puxou, como que para fazer ela
parar no lugar. Em circunstâncias normais, Stel não consideraria
o gesto inadequado, claro que não. Mas lhe pareceu que Dranan
estava praticamente pedindo para tomar um chega-para-lá, então a
oportunidade era boa. A Betazóide flexionou o ombro para se
livrar da mão do humano, e fez um giro rápido em torno de seu próprio
eixo, o que fez com que ela repentinamente ficasse frente-a-frente
ao senador, o que o pegou desprevenido. Dranan estava de costas
para a parede, e a senadora fez um rápido movimento para frente,
o que instintivamente pareceu intimidar Dranan, e os dois passos
que ele deu para trás foram o que bastou para que ele trombasse
contra o replicador. Stel contava com isto, e foi neste momento
que ela adequou suas feições faciais para combinar adequadamente
com a intensidade emocional que sentia de Dranan, o que fez com
que sua expressão ficasse forte o bastante para peitar um Klingon.
-
Escute aqui, não me diga o que é adequado ou é inadequado para
a Terra, senhor Chanceler, porque eu cheguei à conclusão de que
se tem alguém que não tem um pingo de autoridade para falar
sobre isto, esta pessoa é o senhor. Este planeta tem sido um
capacho sobre o qual o Conselho faz o que bem quer, da maneira que
quer, quando e onde quer. Nós NUNCA temos voz ativa nas decisões
que realmente importam, e nossa representação no Conselho é
feita por um sujeito que considera os órgãos da Terra como meros
expedientes burocráticos que servem apenas para justificar a
presença dele em São Francisco. Para todos os efeitos, Duke não
nos representa, mas sim nós é que representamos Duke. Basta
disto, e está na hora de a Assembléia-Geral enquadrá-lo na
linha. O que decidirmos, ele terá que acatar, e é bom que o faça
com um sorriso -- já que, segundo você, ele é o nosso digno
Embaixador. Mas não me parece que seja o caso, pois não temos
controle droga nenhuma sobre nada que se refira à Terra enquanto
membro da Federação.
-
N-não seja ridícula, Stel, - Dranan titubeou, enquanto procurava
manter alguma postura, acuado do jeito que estava. – Nós temos
perfeito controle sobre os destinos da Terra...
-
Ah, é? Então me diga, caro Chanceler, onde é que estava todo
este controle durante as últimas crises Borg? Hum? E do que nos
adiantou este tal controle a que se refere, durante os eventos do
ataque Breen? Tivemos algum controle sobre as decisões tomadas?
Sequer chegamos a fazer parte da cadeia de decisões, ou agimos
como reles capatazes das decisões do Conselho da Federação, do
Archer Hall e do Comando da Frota Estelar? E durante a crise do
Fundador? O Conselho e a Frota pintaram e bordaram com este
planeta durante a crise do Fundador, e não pudemos fazer merda
alguma. Tivemos que ficar impassíveis enquanto pirralhos
arrogantes da Frota se metiam com nossos sistemas energéticos, e
os figurões da Frota saracutiavam de local em local dando ordens
e determinações, militarizando o controle sobre a Terra, e só
respondendo para o Archer Hall. Que palhaçada é esta afinal, na
qual temos que conviver, e contra a qual você não toma atitude
alguma, homem? Me diga, o que somos? Hein?
Stel
continuava a encarar Dranan em silêncio, enquanto lia a sua
expressão corporal ansiosa e absorvia a tensão emanada pelo político.
Ele podia sentir o desconforto dele em ser pressionado daquele
jeito. Ainda assim, ela também podia sentir que aquilo não
parecia ser novidade para ele, uma vez que Dranan, embora
claramente surpreendido, parecia estar lidando bem com a situação.
Já está acostumado a Duke te meter contra a parede, caro
Chanceler, ela pensou, olhando diretamente para ele.
-
É a isto que tudo se refere, Stel? De você querer mostrar que
este planeta tem audácia? Isto, isto, bem isto é diplomacia de
caubói, e...
-
Talvez seja exatamente do que andamos precisando por aqui,
Chanceler. Alguém que tenha as bolas de peitar Duke e a
cupinchada dele no Conselho, e mostrar de uma vez por todas que a
Terra também é alguém nesta Federação. – Nisto, Stel se
afastou de Dranan, mas ainda encarando-o por algum tempo, antes de
finalmente se virar e ir na direção de volta ao ringue.
-
A Terra é a representação máxima disto, Stel. Nós somos a própria
Federação. – Dranan afirmou, olhando Stel pelas costas,
enquanto ela pegava a sua mochila, ainda em cima da banqueta próxima
do ringue. – Eu, você... os habitantes deste planeta, somos
Federados por excelência.
A
Betazóide caminhou até onde ele estava e parou ao seu lado,
terminando de tomar o isotônico.
-
Não, Chanceler. Nós somos algo além disto. Nós somos terráqueos. Eu sou terráquea. - Stel jogou a
garrafa vazia do isotônico contra o receptáculo ao lado do
replicador. O vasilhame atingiu o fundo de maneira bem brusca, e o
som de vidro se partindo ecoou pelo ginásio vazio.
-
Computador, reciclar. – a Betazóide apenas disse, fuzilando o
humano com o olhar, enquanto deixava o local.
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Ele não fez absolutamente nada.
-
O mais adequado seria dizer que o que ele fez não adiantou
absolutamente nada, Terawaki. – Duke replicou ao comentário do
seu chefe de gabinete. – O que não me espanta. Não dava para
esperar muito mesmo, do idiota do Dranan.
À
frente de ambos, em cima da mesa de trabalho de Duke no seu
gabinete, estava um padd contendo a carta de recomendação com
instruções sobre como proceder para levar a decisão final da
Assembléia-Geral ao Conselho da Federação. O Embaixador da
Terra tinha agora a incumbência de propor que o Conselho ceda
para uma Bancada Independente, a ser constituída pela Terra, a
tarefa de continuar as investigações sobre a crise dos reféns.
-
Ao invés de a matéria morrer ali na Assembléia-Geral, ela
ganhou força, - Terawaki disse. – Não dá para evitar que a
coisa agora atinja o chão do Conselho, chefe. Eu acho que
concordará comigo que deixar de levar a proposta ao Conselho não
é opção viável.
-
O que nos cria dois problemas básicos, - continuou Duke. – Eu
precisar agora gerenciar a celeuma que vai atingir o Conselho por
causa disto, - o Embaixador fez um gesto brusco na direção do
padd em sua mesa. – E também coordenar o controle de danos na
campanha.
Terawaki
pegou alguns padds de sua pasta. – O controle de danos pode
deixar por nossa conta, chefe. Já estivemos analisando a situação
de um ponto de vista eleitoral, e pelo que já se pode perceber, a
Stel mudou o eixo da campanha dela, - Terawaki afirmou, acessando
uma base de dados em seu padd, contendo relatórios da equipe de
Duke sobre os últimos movimentos dos candidatos. – Assim como
Zirot, que também está indo na balada dela de praticamente só
discursar nas linhas de que a Terra é desrespeitada pela Federação
e blá, blá, blá. Triev e Duarte, contudo, estão comentando a
respeito do tema apenas se perguntado sobre, e...
-
Estes imbecis não são de preocupação. – Duke interrompeu. -
É com a Betazóide que precisamos nos preocupar.
Terawaki
pegou outro padd. – Concordo... os números dela deram uma
crescida mais forte nos últimos dias, embora ela continue
mortalmente fraca em votos de primeira seqüência. Mas não
podemos de jeito nenhum permitir que esta tendência piore, chefe.
– ele parou de falar enquanto Duke se aproximava da janela com
vista para a baía de São Francisco, e ficou em silêncio ali por
mais algum instantes.
-
Para isto, não precisamos apenas brigar na campanha, meu amigo...
mas sim também anularmos a vendetta que a Trajina tem armado
contra nós. É mais do que evidente que ela manipulou esta crise
toda para a energia cinética desta confusão impulsionar a mimosa
dela na campanha. Ela e a Zgouridy.
-
É verdade... por exemplo, segundo o Presidente, o gabinete está
bastante dividido na matéria, pois ela e a Secretária Zgouridy já
conseguiram convencer diversos outros Secretários e oficiais do
governo a apoiarem Stel... bem, não Stel, mas os "direitos
da Terra". – Terawaki usou uma entonação diferente para
citar um termo específico que as Secretárias de Governo vinham
usando.
Duke
caminhou rapidamente em direção a sua mesa e sentou-se. –
Muito bem, Terawaki, vamos ao trabalho. Coloque o seu pessoal para
coordenar uma nova agenda de campanha para usarmos de controle de
danos da campanha, que eu me encarregarei de preparar o chão do
Conselho da Federação para a próxima sessão. Eu vou levar o
que a Terra quer para o Conselho, sim, não há dúvidas... mas
isto não está necessariamente aqui dentro, meu amigo... – o
Embaixador terminou de dizer, enquanto gesticulava o padd da
Assembléia-Geral no ar.
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