Análise
da temporada
Quando os "donos" de Jornada
nas Estrelas dentro da Paramount começaram a produzir a mais
nova série do franchise, Enterprise, eles prometiam um
novo vigor, graças à nova perspectiva que uma tripulação do século
22 --cem anos antes de Kirk e Spock-- ofereceria.
E agora, uma temporada depois, a audiência recebeu o que lhe foi
prometido? Curto e grosso: não. Enterprise é muitas
coisas --interessante, bem escrita, bem produzida--, mas
certamente não tem inovação como uma de suas qualidades. Apesar
de os produtores prometerem uma nova perspectiva de Jornada,
tudo que recebemos foi mais do mesmo.
A cada novo episódio, era muito fácil executar o mesmo ritual de
exorcismo: "Ah, essa idéia veio de Deep Space Nine,
aquela veio da Nova Geração, isso é de Voyager,
esse pedaço é cópia da série original". O que, no fundo,
no fundo, não passa de uma grande bobagem. O que um telespectador
esperaria de uma série baseada em Jornada nas Estrelas que
não fosse parecida com Jornada nas Estrelas?
Nesse sentido, é um esforço inútil reclamar que a série
continua muito parecida com as outras. Vai ser a mesma coisa
porque tem de ser, grosso modo, a mesma coisa. E foi isso que Rick
Berman e Brannon Braga entregaram nos primeiros 26 episódios da série.
A primeira temporada foi medíocre (no bom sentido do termo, ou
seja, mediana), mas ainda melhor que o primeiro ano de A Nova
Geração. E chegou mesmo a brilhar, quando os produtores
apostaram nos diferenciais (poucos e sutis) da série com relação
às predecessoras. Nesse pacote, a palavra mágica é uma só:
continuidade.
Toda vez que os roteiristas carregaram uma história de um episódio
para outro, se deram bem. Infelizmente, eles construíram uma
expectativa que ainda não foram capazes de satisfazer. E se não
o fizerem logo, o público vai acabar se cansando.
Há dois grandes arcos em Enterprise, ambos iniciados no
piloto "Broken Bow". O
primeiro diz respeito à famigerada Guerra Fria Temporal --o
conceito de que há duas ou mais facções do futuro disputando um
conflito que envolve a alteração da linha do tempo no século
22--, e o segundo, à construção das relações interplanetárias
que devem culminar com a fundação da Federação, mas tiveram
como matriz um contato tenso entre humanos e Vulcanos.
O arco da Guerra Fria Temporal teve três grandes episódios: "Broken
Bow", "Cold Front"
e "Shockwave, Part I",
este o último da temporada, fechando o ano em um "cliffhanger"
(episódio que só terá continuação na temporada seguinte). Os
três foram bastante interessantes e agradáveis de se ver, mas já
estamos num momento em que a falta de informações começa a
incomodar.
A verdade é que os criadores da série ainda não têm a menor idéia
do que consiste a tal da Guerra Fria Temporal. Ficam então apenas
regorjitando o termo episódio após episódio, sem dar real
informação à audiência sobre o que está havendo. No começo
isso é legal, cria expectativa, mas já é chegado o momento em
que precisamos saber de alguma coisa, ao menos para conjecturarmos
sobre o que está havendo.
Certamente os produtores sabem disso, tendo contratado o escritor
John Shiban (produtor-executivo da nona temporada de
"Arquivo-X", série que foi mestra em conduzir arcos
misteriosos, mas ricos em informação) como produtor-executivo da
segunda temporada. E algumas respostas talvez já surjam na
conclusão de "Shockwave, Part I",
o primeiro episódio do segundo ano.
O outro arco, envolvendo a relação Terra/Vulcano e aparições
de outras espécies importantes da região próxima do espaço,
evoluiu de forma mais consistente, embora muitos estejam
incomodados com a "vilania" dos Vulcanos. Foi um prazer,
por exemplo, rever os Andorianos, que não apareciam com importância
desde a Série Clássica, nos episódios "The
Andorian Incident" e "Shadows
of P'Jem". Melhor ainda vermos que eles e os Vulcanos
não são exatamente bons amigos --o que coloca a Terra exatamente
no meio dos dois.
Além disso, episódios especialmente talhados para desenvolver a
compreensão mútua entre humanos e Vulcanos foram bem-sucedidos.
Bons exemplos da evolução são "Breaking
the Ice" (que mostra toda a desconfiança de ambas as
partes) e "Fallen Hero"
(que inicia o quadro de reversão dessa situação, de forma
bastante interessante). Mas ainda falta um algo mais, uma real
evolução das relações. A promessa fica para o segundo ano.
De resto, os episódios que trataram de histórias individuais
oscilaram bastante em seu desempenho. Temos segmentos brilhantes,
como "Dear Doctor",
medianos, como "Fight or Flight"
e "Silent Enemy", e horríveis,
como "Rogue Planet". Uma
coisa boa foi que nem nesses os roteiristas se furtaram a deixar
referências de outros episódios, dando um maior senso de unidade
e continuidade à série.
Personagens
Uma promessa cumprida pelos produtores, entretanto, foi dar maior
atenção aos personagens. Em geral, os sete tripulantes
principais receberam mais atenção em um ano do que a turma de Voyager
teve em sete. Infelizmente, sempre há um "patinho
feio", e o de Enterprise é o piloto Travis Mayweather.
Ele recebeu pouca atenção nos episódios finais, e nos iniciais
praticamente nenhuma --ficou vários deles sem sequer uma fala,
como mero figurante na ponte.
Na outra ponta, os que mais brilharam foram o armeiro britânico
Malcolm Reed e o exótico médico alienígena Phlox. O sucesso é
a combinação de roteiros bem escritos, personagens bem definidos
e a capacidade incrível dos atores Dominic Keating e John
Billingsley de interpretá-los. Os dois apareceram até pouco, mas
fizeram cada segundo contar.
Logo atrás vem Charles Tucker, o engenheiro-chefe da nave, outro
personagem que é bem interpretado, por Connor Trinneer, e bem
escrito, mas que não se destaca tanto justamente por ter muito
tempo de tela para mostrar a que veio. Ele é tão bom quanto os
outros, mas, com mais exposição, isso fica mais fácil.
Os demais oscilaram entre boas e más aparições. O capitão
Jonathan Archer, por ser a figura central da série, mereceria
atenção com mais urgência. O personagem começou com o pé
direito, em "Broken Bow",
mas foi perdendo o vigor ao longo dos episódios, apanhando muito
e mostrando pouca inteligência. A culpa não vem do ator Scott
Bakula, que em geral consegue fazer o melhor possível com os seus
textos, mas dos roteiristas, que parecem querer colocar o capitão
em maus lençóis uma vez após a outra.
Jolene Blalock ainda está procurando sua voz Vulcana para T'Pol,
mas já mostra pelo menos o potencial necessário para encontrá-la,
de modo que eu não me preocuparia muito. A mesma coisa vale para
Linda Park e sua Hoshi Sato.
O futuro
A segunda temporada deve trazer, como seria previsível, mais do
mesmo. A Guerra Fria Temporal deve finalmente ganhar alguma
consistência, e novos e esperados elementos devem surgir na série.
O mais polêmico deles é o mais conhecido: os Romulanos.
Rick Berman já disse que a primeira aparição dos Romulanos na série
deve acontecer no segundo ano. Essa introdução vai acontecer
logo no começo da temporada, no episódio "Minefield",
o terceiro a ser exibido. Os produtores já reconheceram que estão
tomando muito cuidado para não contradizer as informações dadas
pela Série Clássica sobre esse primeiro contato. Segundo
Kirk e Spock, nenhum humano tinha visto um Romulano até aquele
momento, impedindo que Archer e cia. conheçam a familiar aparência
de seus inimigos. Resta saber como eles vão conseguir fazer isso
e ainda assim produzir drama de qualidade.
Outros alienígenas que podemos certamente esperar rever no
segundo ano são os Andorianos, chefiados por Shran, personagem
interpretado pelo veterano de Jornada Jeffrey Combs (mais
conhecido como Weyoun e Brunt, ambos de DS9). Certamente
eles darão bom combustível para a evolução das relações políticas
entre as forças do quadrante Alfa.
Da mesma maneira, há a esperança de revermos outros alienígenas
clássicos, como os Telaritas (que já foram mencionados em "Civilization",
do primeiro ano) e os Órions. Esperemos só que os produtores dêem
ao menos uma folga aos Klingons, que realmente não caem muito bem
em Enterprise. Isso sem comentar Ferengis, Nausicaans e
similares. Entretanto, não há indício de que os produtores vão
se esquecer de seus alienígenas mais próximos, pertencentes ao século
24. Vamos ver.
De resto, é tudo como já está. Uma série mais bem-humorada que
as anteriores, com personagens menos hábeis e experientes, mas
ainda assim com muito potencial. Daqui para frente, nada deve
mudar dramaticamente. Quem gostou até aqui, aconselho que
continue. Quem não gostou, é melhor nem perder tempo com a
segunda temporada.
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