Enterprise
Temporada 1

Análise do episódio por
Salvador Nogueira



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
Episódio atípico oferece poderosa
tridimensionalidade a Malcolm Reed 

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Sinopse:

Malcolm Reed e Charles Tucker estão em um shuttlepod, fazendo o reconhecimento de um campo de asteróides. Os sensores sofrem uma pane total, e a missão acaba se tornando inútil. A Enterprise só deve aparecer para buscar a dupla em três dias, e nada resta aos dois senão tentar efetuar os reparos nos sensores e jogar conversa fora.

Tudo muda, entretanto, quando Reed observa alguns destroços na superfície de um dos maiores asteróides. Eles chegam mais perto para tentar fazer alguma identificação visual, quando avistam uma placa entre os pedaços espalhados com a inscrição "NX-01". Eles logo concluem que a Enterprise foi destruída acidentalmente em um choque com um asteróide.

Apenas com os motores de impulso do shuttlepod, não há esperança de chegar a nenhum lugar que possa fornecer socorro. Reed começa a pensar que estão condenados à morte, que deve chegar assim que o ar da nave terminar, em nove dias. Tucker está mais otimista. Os dois têm um atrito quando o engenheiro ordena que Reed, sem sensores, marque um curso até Echo-3, o último satélite de comunicação subespacial que eles deixaram no espaço enquanto a bordo da Enterprise --mesmo que leve anos até que a nave sem propulsão de dobra chegue lá.

Abalado com a perspectiva de sua própria morte, Reed começa a fazer registros frenéticos em seu diário sobre os eventos que antecederam sua morte, para que as informações estivessem disponíveis às próximas gerações. Ele também passa a escrever cartas para seus entes queridos. Trip, que está tentando manter a calma e descansar, fica furioso com a atitude paranóica de Reed, e ordena que ele pare --os dois quase saem no tapa.

O clima de tensão permanece conforme o tempo vai passando, e só piora depois que a nave sofre nova avaria, com múltiplos furos no casco, que estão deixando a atmosfera escapar. Depois que os vazamentos são contidos, sobram apenas dois dias de ar. Diante da cada vez mais próxima perspectiva da morte, os dois começam a romper o clima de hostilidade e decidem beber juntos, depois de reduzirem a temperatura da nave ao máximo para conservar oxigênio.

Durante seus últimos momentos, Reed e Trip descobrem várias coisas um do outro. Por exemplo, eles já tiveram em comum a mesma namorada, Ruby, de San Francisco. Reed revela que considera a tripulação da Enterprise mais próxima dele que sua própria família, e conta que tem uma queda pela sub-comandante T'Pol.

Os dois já aceitam seu destino, quando, do nada, a Enterprise entra em contato. Eles são incapazes de responder, mas recebem a mensagem de Hoshi, indicando novo ponto de reencontro, em dois dias. Infelizmente, eles não têm oxigênio suficiente para esperar até lá.

Em uma atitude de desespero, Trip decide abandonar a nave e morrer, para que Malcolm tivesse mais chance de viver até a chegada da Enterprise, sendo o único ser respirante a bordo. O oficial de armamentos, entretanto, não aceita o sacrifício do engenheiro, chegando até a ameaçá-lo com uma pistola de fase.

Por fim, os dois concordam que a única coisa a fazer é ejetar seu motor e induzir uma sobrecarga, produzindo uma explosão que talvez chame a atenção da Enterprise, que então aumentaria sua velocidade para resgatá-los. O truque dá certo, e os dois são resgatados, inconscientes.

Na verdade, a Enterprise não havia sido destruída em nenhum momento, mas apenas danificada, após o choque de uma nave Tesniana. O impacto arrancou a porta da baía de shuttles, que foi justamente o que Reed e Trip viram no asteróide. Os outros restos eram da nave alienígena, que havia sido irremediavelmente danificada pelo mesmo fenômeno que causou a pane nos sensores e os vazamentos a bordo do Shuttlepod Um --micro-singularidades (buracos negros do tamanho de átomos), um fenômeno nunca antes observado, mas firmemente sustentado por físicos teóricos Vulcanos.

 

Comentários:

Para um episódio escrito por Rick Berman e Brannon Braga, "Shuttlepod One" tem várias coisas impressionantes. Primeiro, é fortemente orientado a personagem, uma coisa que a dupla não costuma fazer muito. O enfoque da história, no caso, nem é um personagem do grande trio, mas o até então pouco conhecido tenente Reed.

Tucker até aparece um bocado, mas o drama e as revelações ficam majoritariamente por conta do oficial de armamentos, o grande beneficiado pelo segmento. Temos a chance de descobrir verdadeiramente a personalidade de Malcolm, de forma muito mais intensa do que a mera história secundária de "Silent Enemy" ("o que Malcolm gosta de comer?").

Vivemos aqui toda a angústia de Reed, sua tristeza, sua introversão, seus sentimentos para com a tripulação da Enterprise e seu lamento por nunca ter se aberto com seus entes queridos. Sem dúvida, estar à beira da morte inspirou o personagem, o que trouxe bons resultados ao episódio.

Claro, nem só de revelações viveu Malcolm. Todo o roteiro foi abrilhantado por uma espetacular atuação de Dominic Keating. Trinneer vai bem, mas Keating sem dúvida garante o centro do palco, não só pela natureza da história em si, mas por sua brilhante interpretação. O momento em que Reed tenta convencer Trip de que ele não está querendo morrer, mas está somente reagindo a tudo que está deixando para trás em sua vida, é bastante tocante.

De um lado mais cômico, mais igualmente interessante, é ver sua paixão enrustida pela sub-comandante T'Pol. A frieza e a beleza da Vulcana certamente tocam fundo no coração do tímido oficial de armamentos. O jogo entre a cena em que ele sonha ser beijado por T'Pol e a cena final, em que ele e Trip são resgatados e levados à enfermaria, é muito bem feito, um bom uso do desejo dos produtores de tornar a série mais "caliente". Resta saber se Malcolm vai seguir perseguindo sua paixão pela Vulcana, após romper essa inércia, ou se vai voltar a estacionar. 

Aliás, por falar em paixão, é um grande alívio saber que o beijo de T'Pol em Reed (que nem chega a acontecer) não passou de uma fantasia do oficial de armamentos. Um envolvimento emocional tão grande por parte de T'Pol não deve ser expressamente proibido, mas, tão no início da série, simplesmente iria destruir toda a credibilidade do personagem.

Mas faltou dizer qual foi a segunda coisa incomum do episódio, para ser de autoria de Rick e Brannon --ele é fortemente inspirado pela Série Clássica!

Pois é, tem gente que acha que esses dois simplesmente não suportam o seriado original, mas a referência a "The Galileo Seven" é muito óbvia para ser mera coincidência. O isolamento na pequena nave, a perspectiva da morte certa e a ejeção do motor (ou do combustível, no episódio clássico) são muita coisa para que acreditemos que não há uma inspiração por trás da história.

Alguém pode reclamar que eles estão fazendo o que sempre fazem --reciclando velhas idéias. Nada estaria sendo mais injusto: o uso dos elementos aqui presta muito mais uma homenagem à Série Clássica do que se apropria de suas glórias. O mérito de "Shuttlepod One" está totalmente calcado em outros elementos (leia-se, o desenvolvimento de Malcolm Reed enquanto personagem tridimensional), e o uso das referências clássicas só serve para conquistar a simpatia da audiência. Boas escolhas, sem dúvida.

O episódio é recheado de diálogos bem escritos e não cansa a audiência, apesar de ser praticamente inteiro filmado em um claustrofóbico shuttlepod. Em certo momento, há uma pequena sensação de repetição exaustiva, com Reed ditando seus diários e Tucker reclamando, mas felizmente o episódio não chega a empacar, e volta a fluir com suavidade e de forma agradável e interessante.

Algumas cenas chegam mesmo a se destacar, como Tucker e Reed já de porre, comentando os dotes de T'Pol e ainda esvaziando a garrafa, ou a cena de abertura do episódio, com o britânico Reed mostrando uma certa rivalidade para com seus colegas americanos. Um lembrete interessante de que ainda estamos no século 22, e que a humanidade não é tão coesa quanto nos séculos seguintes.

Também devemos agradecer por termos sido poupados de uma anomalia temporal ou algum "braguete" do tipo. O enredo foi conduzido de maneira bem tradicional, o que ajudou o episódio a se manter sólido e se manter dentro da premissão de pré-sequência da série. Outro ponto positivo.

Na verdade, só há uma coisa que realmente se pode criticar sobre esse episódio: ele de fato não tem história; é 100% interação de personagens. Se isso pode ser uma grande força à primeira vista, não parecerá do mesmo modo depois da terceira vez que alguém o assiste. Por não ter uma história particularmente vibrante, logo que a audiência extrai o conteúdo sobre os personagens, não vale a pena revisitá-lo.

De toda forma, esse era o único modo de conceber essa história e foi válido os produtores a fazerem. Apesar dos paralelos com "The Galileo Seven", trata-se essencialmente de uma novidade em Jornada --e uma das boas. Esperemos que a equipe de Enterprise continue assim, conseguindo inovar com qualidade --uma coisa cada vez mais rara, após tantos anos e episódios...

 

Citações:

Reed - "If only Dr. Cochrane had been a European. The Vulcans would've been far less reticent to help us. But, no... he had to be from Montana." 
("Se apenas o dr. Cochrane tivesse sido um europeu. Os Vulcanos seriam bem menos relutantes em nos ajudar. Mas não... ele tinha de ser de Montana.")

Reed - "Does that sound modulated enough for you?"
("Isso parece modulado pra você?")
Tucker - "Modulated?"
("Modulado?")
Reed - "The radio. Or is it just the galaxy giggling at us again?"
("O rádio. Ou é só a galáxia rindo de nós de novo?")
Tucker - "It can giggle all it wants, but the galaxy's not getting any of our bourbon."
("Pode rir quanto quiser, mas a galáxia não vai ganhar nada do nosso bourbon.")

Reed - "She's got a nice bum."
("Ela tem um belo traseiro.")


Trivia:

int.jpg (476 bytes) Rick Berman, um dos autores do episódio, apostou nos personagens. "Há um show em que Brannon [Braga] e eu estamos trabalhando agora que é um episódio forte para Trip e Reed e acho que irá unir esses dois personagens."

int.jpg (476 bytes) Quem falou mais do episódio, entretanto, foi Dominic Keating. "Tem um episódio vindo aí chamado 'Shuttlepod One', e é uma de minhas mais empolgantes e memoráveis experiências de atuação, tanto em palco quanto em câmera. É entre mim e Trip, o engenheiro. Achamos que estamos abandonados sozinhos no espaço no Shuttlepod Um. Você poderia colocar isso em uma peça de fora da Broadway e interpretado como um 'ato-único'. Rick está muito satisfeito, e ele disse algumas coisas muito congratuladoras sobre ele ontem."

int.jpg (476 bytes) Não foi fácil filmar o episódio, segundo Keating. "Foi bem duro filmar, porque no episódio nós desligamos o termostato para conservar oxigênio, então a temperatura cai, e eles construíram um iglu para nós no palco oito e colocaram seis aparelhos de ar-condicionado lá com pacotes de gelo seco, e baixaram a temperatura para menos que zero, e fizemos três dias assim. Foi bem duro."

int.jpg (476 bytes) O resultado, para o ator, valeu a pena. "Esse episódio é um dos melhores trabalhos que já fiz, se posso dizer. Estou realmente empolgado para ver como sai. Acho que fizemos algo bem extraordinário."

int.jpg (476 bytes) Sem atores convidados e filmado totalmente dentro do estúdio, "Shuttlepod One" foi um dos episódios que ajudou a equilibrar o orçamento da série durante a primeira temporada, que esbanjou dinheiro em seus primeiros episódios com efeitos especiais.



Ficha técnica:

Escrito por Rick Berman & Brannon Braga
Direção de David Livingston
Exibido em 13/02/2002
Produção: 016

Elenco:

Scott Bakula como Jonathan Archer
Jolene Blalock como T'Pol
John Billingsley como Phlox
Anthony Montgomery como Travis Mayweather
Connor Trinneer como Charlie 'Trip' Tucker III
Dominic Keating como Malcolm Reed
Linda Park como Hoshi Sato

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