MANCHETE
DO EPISÓDIO
Como
uma boa premissa filosófica
pode virar uma má hora de televisão
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episódio
Sinopse:
Data Estelar: 48498.4.
Jake marca um encontro com a jovem
Leanne e terá que desmarcar um compromisso anterior com Nog para
honrá-lo. Logo em seguida atraca um transporte Bajoriano
acidentado em DS9. No transporte temos kai Winn, que sofreu muito
pouco, e vedek Bareil, em estado grave. Enquanto Bashir trata de
Bareil, Winn explica a Sisko que eles estavam indo se encontrar
com um representante Cardassiano (legado Turrel) para concluir as
negociações de um tratado de paz entre Bajor e Cardássia, que
pode incluir reparos pelos tempos da ocupação e mesmo um perdão
oficial por parte do governo Cardassiano a Bajor.
Entretanto,
a líder religiosa Bajoriana diz que se Bareil morrer a esperança
de um tratado morre com ele, uma vez que as negociações foram idéia
dele e ninguém conhece Turrel como ele. Infelizmente Bashir não
consegue salvar Bareil, que morre. Algum tempo depois, Bashir
descobre uma assinatura cerebral residual em Bareil e devido à
particularidade da radiação a que o vedek foi exposto no
acidente, Bashir consegue trazê-lo de volta à vida e diz que ele
ficará curado com mais algumas semanas de extremo repouso. Winn
precisa dos conselhos de Bareil imediatamente, que começa a
ajudar do seu leito na enfermaria enquanto Winn conduz as negociações
com Turrel pessoalmente, apesar dos protestos de Bashir.
Jake cancela seu encontro com Nog só para remarcá-lo em seguida
como um encontro duplo, envolvendo ele, Nog, Leanne e uma colega
de Leanne, Riska. Obviamente o encontro é um fracasso, Nog
insulta as duas garotas e ele e Jake ficam brigados. Porém Ben
Sisko defende Nog, alegando que seu comportamento foi
completamente em linha com a cultura Ferengi e sugere a seu filho
que não perca a amizade do sobrinho de Quark por causa do que
aconteceu. Bareil começa a apresentar problemas não previstos
inicialmente por Bashir.
O
médico sugere que o religioso seja mantido em animação suspensa
até que a sua condição possa ser mais bem testada. Bareil
recusa, pois não vai adiar as discussões do tratado. Bashir então
oferece uma droga experimental que pode torná-lo funcional por
alguns dias, mas que poderá provocar danos severos em seus órgãos
internos e mesmo em seu cérebro. Bareil aceita e como esperado
seus órgãos começam a falhar em pouco tempo. Bashir diz que
pode substituir os órgãos danificados com implantes artificiais,
mas avisa que se ele não for colocado em animação suspensa
imediatamente, ele continuará a acumular problemas. Bashir apela
para que Winn libere Bareil de sua obrigação para com ela, mas a
Kai recusa, pois não quer negociar o tratado sozinha (e deixar de
ter um bode expiatório à sua disposição).
Algum tempo depois, Bareil sofre uma falha maciça na parte
esquerda do seu cérebro. O dano é irreversível, mas Bashir pode
substituir parte do cérebro dele com implantes, embora não
queira fazer isso. É justamente Kira, dizendo que este seria o
desejo de Bareil, encerrar as negociações a todo custo, que
convence Bashir a fazer o procedimento. Enquanto isso, Jake
consegue "mexer uns pauzinhos" com o comissário Odo e
colocar tanto ele quanto Nog em uma cela de segurança com acusações
fictícias. Finalmente eles conversam e resolvem os seus
problemas.
A operação é bem sucedida, mas Bareil acorda como um "autômato"
e mal reconhece Kira, mas ainda reteve capacidade de ajudar Winn
no final das negociações. Finalmente o tratado é assinado e então
o inevitável acontece: o restante do cérebro de Bareil começa a
falhar também. Kira pede a Bashir que faça novos implantes e
Bashir recusa, pois não quer transformá-lo em uma máquina. Kira
finalmente aceita que o fim está próximo para o seu amor. A
major vela os últimos momentos de Bareil, que morre em
definitivo.
Comentários:
Observando
como este episódio chegou perto de ser mais um completo antiepisódio
e levando em conta o fato de que "Meridian"
e "Fascination"
ainda estão em recente memória, fica claro que esse foi um
momento particularmente difícil para a equipe de roteiristas da série.
Com um tratado maluco (entre Bajor e Cardássia) que ninguém sabe
de onde saiu, com a morte de Bareil que ninguém sabe por que
morreu e uma perversão da caracterização de Bashir, pouco se
salvou esta semana. Mais detalhes, sem precisar morrer no
processo, nas linhas abaixo.
Vamos começar discutindo essa bagunça pela trama secundária
envolvendo Jake e Nog, que possui três graves problemas. O
primeiro é que ela parece um "refugo da primeira
temporada"(TM), no sentido de que a situação social
envolvendo os dois é tão comum que já deveria ter surgido,
produzido um conflito inicial e sido resolvida eras atrás, ou
seja, o cenário da história é falho. O segundo (e bastante
grave) é que Jake em nenhum momento diz que Nog deve considerar a
simetria da questão de diferenças culturais em jogo. Entretanto,
o pior problema é o fato de a história secundária e a principal
colidirem de uma forma que beira a paródia involuntária, devido
aos seus diferentes tons e o próprio modo em que as cenas foram
escritas. O mais triste é que a história principal precisa de
mais espaço para ser mais bem desenvolvida. Equívoco em cima de
equívoco.
A idéia da história principal, aquela envolvendo Bareil, é
bastante relevante: "O quanto podemos substituir de um ser
humano por implantes artificiais e ainda manter a sua
humanidade?" O problema aqui é claramente a execução do
conceito, na forma como a trama "entorta" elementos
conhecidos da série e manufatura outros (com pouca ou nenhuma
justificativa) de forma a produzir "um doente terminal
familiar ao espectador"(TM), no caso Bareil, na enfermaria
(de Bashir) e ao menos duas opiniões (não de paciente ou médico)
sobre a sua condição (no caso as de Kira e Winn). A forma como
isso é feito é repleta de problemas.
Em
primeiro lugar, o tal "tratado de paz" entre Bajor e
Cardássia é uma bobagem atroz. Não somente por nunca ter sido
citado anteriormente, mas principalmente pelo episódio não
oferecer nenhuma razão concreta para os Cardassianos terem
interesse em sua assinatura (e mesmo interesse em honrá-lo depois
de assinado). Mais grave ainda, ele não explica por que a sua
assinatura é tão crítica (e necessariamente tão urgente) para
Bajor, a ponto de Bareil querer morrer por ela (e não poder se
curar completamente antes de retomar as negociações). Tal
"falho alicerce" transforma todo o drama de Bareil em
mera manipulação do espectador. Bareil não morre "como um
herói defendendo uma causa", simplesmente por que tal causa
não existe. O pior é que um potencial ponto central (o tal
tratado) para a série é introduzido sem grandes pensamentos,
apenas para fazer o episódio desta semana funcionar em seus
termos. Lastimável, mas não pára por aí.
Bashir também não saiu ileso do episódio. Um grande erro do
roteiro foi deixar Bareil morrer em primeiro lugar e ser trazido
de volta por "tecnobaboseira", o que já coloca a audiência
em estado de alerta. O fato de o doutor ter substituído metade do
cérebro de Bareil e de que poderia ao menos tentar substituir a
outra metade abre uma "caixa de vermes" extremamente incômoda.
Em termos éticos, Bashir sempre esteve coberto enquanto Bareil
teve saúde mental para tomar as decisões sobre o seu tratamento.
Ele tentou dissuadir Bareil de sua decisão e também convencer
Winn a deixar o vedek repousar, tudo correto até aí. Quando
Bareil teve uma falha cerebral, a decisão final deveria residir
sobre o seu responsável legal ou sobre um documento assinado por
Bareil expressando os seus desejos (documento que Bashir deveria
ter providenciado uma vez que ele sabia que a droga utilizada
fatalmente afetaria o cérebro do vedek). Na falta disso, Bashir
deveria ter recusado fazer o procedimento, o que seria consistente
com o seu personagem. Ele acabou por transformar Bareil em um autômato
e quando o resto do cérebro do Vedek falhou é que ele se recusou
a continuar. Não foi Bashir quem decidiu isto, foi o roteiro, que
pedia pela assinatura do tratado e pela posterior morte de Bareil.
A culpa de Bashir no final foi bem-vinda, mas já era tarde, o mal
já estava feito.
Definitivamente
Bareil não foi morto para termos Kira e Odo como um casal, como a
continuação da série mostra claramente. A sua morte foi em
primeiro lugar uma maneira de consertar um roteiro problemático e
em segundo lugar uma maneira de minimizar a bagagem Bajoriana na série.
Por exemplo, na quarta temporada, Winn não aparece uma única vez
e questões Bajorianas são tratadas de forma indireta, quando
surgem. Os dois motivos foram equivocados, especialmente se
levarmos em consideração o quão efetivo Bareil foi (tipicamente
fazendo um contraponto a Winn) em episódios como "In
the Hands of the Prophets", "The
Homecoming", "The
Circle", "The
Siege" e "The
Collaborator". Entre "Fascination"
e este episódio, Bareil foi literalmente massacrado (literalmente
até a morte) pelos produtores da série.
Winn se mostra uma péssima negociadora, por isso ela precisava
desesperadamente de Bareil. O que vem a ser mais uma
"entortada de personagens"(TM) do roteiro, uma vez que
Winn sempre se mostrou uma hábil estrategista em todas as suas
participações anteriores. Aqui ela é mostrada excessivamente
insegura somente para "enfatizar a necessidade de Bareil
permanecer vivo" (o que não foi justificado em primeiro
lugar, por falar nisso).
Kira se saiu bem com a "primeira morte de Bareil",
aceitando a decisão de Bareil de ajudar Winn não importando as
conseqüências, reforçando o desejo final dele e o vendo morrer.
Curioso é como as últimas falas de Kira descrevem bem Bareil. A
recusa de Kira em deixar Bareil partir teria um sério contraste
com as atitudes da personagem em "Chimera", da última
temporada.
Nana Visitor fica com o destaque segurando bem a gangorra
emocional de sua personagem no episódio. Ela foi ótima na cena
de encerramento, a melhor do episódio (apesar de toda a falsidade
do que levou a aquele momento). El Fadil e Brooks foram bem e os
demais regulares não foram exigidos. A direção de Badiyi trouxe
pouco ao episódio, apesar de alguns ângulos interessantes
durante as cirurgias de Bashir.
Fletcher fez o seu sólido trabalho, como de costume, ficando com
o destaque entre os convidados, enquanto um contido Anglim
funcionou bem. Eisenberg não foi muito feliz, ainda que não tão
ruim quanto em (digamos) "The
Jem'Hadar". Os demais convidados caíram na indiferença.
O fato de Bareil ter se tornado um consultor de Winn já havia
sido estabelecido em "Fascination"
e a eleição de Winn como kai se deu em "The
Collaborator".
Buracos de roteiro: a suspeita inicial de que o acidente havia
sido sabotagem é esquecida, assim como o estratagema de Turrel
que parecia levar a uma manobra política para recuperar Terok Nor
(e que poderia justificar parcialmente o interesse de Cardássia
no tratado). Nós nunca temos uma clara noção do que está em
jogo dos dois lados da mesa de negociação também. O fato de as
negociações serem feitas entre Winn (a líder religiosa
Bajoriana) e Turrel (um militar Cardassiano) parece bastante
errado também (em mais uma clara simplificação do roteiro --o
mais triste é que se isso fosse justificado em tela poderia ficar
ainda pior).
Seria uma alternativa interessante se o "Bareil autômato"(TM)
não pudesse ajudar Winn também. Isso provavelmente levaria à não-assinatura
do tratado e à ida de Bareil para alguma ordem religiosa
reclusiva (por exemplo). Definitivamente não era o caminho que
Moore queria trilhar com seu roteiro.
"Life Support" é um péssimo episódio de DS9
e que não se contenta em ser péssimo apenas em si. Traz um
absurdo tratado Bajoriano-Cardassiano para a mesa e a remoção do
vedek Bareil da lista de personagens recorrentes da série, mudanças
que tem que ser tratadas (na medida do possível) em episódios
vindouros. Temos aqui claras mostras de problemas no
direcionamento de Deep Space Nine, enquanto série.
Citações
Kira - "Although I'm
afraid I might have an unfair advantage."
("Embora eu tema ter uma vantagem injusta.")
Bareil - "You mean, playing against a dead man?"
("Quer dizer, jogar contra um homem morto?")
Bareil - "I'm beginning to dislike seeing that look on
your face, doctor."
("Estou começando a desgostar de ver essa expressão em seu
rosto, doutor.")
Bashir - "If I remove his brain and replace it with a
machine, he might look like Bareil, he might even talk like
Bareil, but he won't be Bareil. The spark of life would be gone.
He'd be dead. And I will have killed him."
("Se eu tirar o cérebro dele e substituí-lo por uma máquina,
ele pode se parecer com Bareil, pode até falar como Bareil, mas não
será Bareil. A faísca da vida teria se perdido. Ele estaria
morto. E eu o teria matado.")
Jake - "Great. So we both disgust each other."
("Ótimo. Ambos enojamos um ao outro.")
Trivia:
Ron Moore é culpado por várias mortes no universo de Jornada:
K'Ehleyr, Kirk, Bareil (nesta semana), Kor e Gowron. A idéia de
"Life Support" começou com uma história de Ford e
Soffer sobre "Bashir como Frankenstein", em que um
embaixador da Federação viria à estação para tratar da paz
com os Romulanos e sofreria um acidente e morreria. Devido à
importância do encontro diplomático, Bashir acabaria arrumando
uma maneira de trazer o embaixador de volta à vida, com a utilização
de uma tecnologia que acabaria levando o embaixador à loucura,
tornando-se um monstro que Bashir teria que deixar morrer. Durante
as reuniões da equipe de roteiristas tal embaixador (agora
Bajoriano) acabou virando Bareil e os Romulanos, os Cardassianos.
A história se tornou "uma de DS9", segundo os
produtores.
Sobre a morte de Bareil, esta foi uma decisão que levou algum
tempo para ser tomada (devido aos crescentes rumores da saída de
Colm Meaney na época, os roteiristas começaram a brincar que
iriam matar o chefe O'Brien, o que nunca foi a intenção deles).
Moore sugeriu Bareil, não houve maiores recusas porque os
produtores não estavam gostando dos rumos do relacionamento entre
Kira e Bareil e estavam sem idéias futuras tanto para tal
relacionamento quanto para o próprio personagem. De fato eles nem
achavam que Bareil era um personagem popular. Daí a sua morte foi
decidida, a história original modificada e o roteiro escrito.
Entretanto, para surpresa dos produtores, após o episódio eles
começaram a receber cartas de uma organização chamada de
"Friends Of Vedek Bareil", protestando quanto à morte
do personagem. Tais cartas continham fotos de verdadeiros velórios
de Bareil feitos em sua homenagem, por tal grupo de fãs.
"Coisa pesada e furiosa", segundo René Echevarria. O
grupo "Friends Of Vedek Bareil" foi um dos poucos
movimentos de fãs reconhecidos durante a produção da série.
Bareil acabou "retornando" a série, na realidade a versão
do "Universo do Espelho" do personagem em "Resurrection",
da sexta temporada (outro péssimo episódio, por sinal).
Louise Fletcher retornou com a sua Kai Winn e uma pesada gripe
(que não aparece em cena devido ao grande profissionalismo da
atriz). Ela lembra com carinho da fala em que a personagem
literalmente pede que Bashir dê um "transplante de cérebro"
a Bareil. A sua fala favorita na série.
Uma nota curiosa vem do fato de que os aparelhos projetados para
serem usados pelo doutor Bashir tiveram o seu propósito trocado
em cena. Aquele que era para ser usado para operar foi usado para
examinar e vice-versa.
Ficha
técnica:
História de Christian Ford
& Roger Soffer
Roteiro de Ronald D. Moore
Direção de Reza Badiyi
Exibido em 30/01/1995
Produção: 059
Elenco:
Avery Brooks como
Benjamin Lafayette Sisko
René Auberjonois como Odo
Nana Visitor como Kira Nerys
Colm Meaney como Miles Edward O'Brien
Siddig El Fadil como Julian Subatoi Bashir
Armin Shimerman como Quark
Terry Farrell como Jadzia Dax
Cirroc Lofton como Jake Sisko
Elenco convidado:
Philip Anglim como vedek Bareil
Antos
Aron Eisenberg como Nog
Lark Voorhies como Leanna
Ann Gillespie como enfermeira Jabara
Andrew Prine como legado Turrel
Louise Fletcher como Kai Winn Adami
Eva Loseth como Riska
Kevin Carr como um Bajoriano