Deep Space Nine
Temporada 2

Análise do episódio por
Luiz Castanheira



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
Aventura apresenta o Dominion e gera
impacto profundo no futuro da série

Episódio anterior   |   Próximo episódio

Sinopse:

Data Estelar: desconhecida.

O comandante Sisko convence seu filho Jake a visitar o quadrante Gama, misturando lazer com pesquisas planetárias. Nog, precisando de nota na escola de Keiko, acaba pegando carona, e o seu tio Quark, querendo convencer o comandante a permitir uma campanha publicitária de seu bar por toda a estação, também se auto-convida. Em um planeta deserto, após um dia de trabalho, os quatro se sentam à beira da fogueira para jantar. Nog (envergonhado pelas atitudes de Quark) e Jake vão dar uma volta quando Sisko e Quark são surpreendidos por Eris, uma fêmea alienígena em fuga, com poderes telecinéticos. Logo os três são capturados pelos soldados Jem'Hadar (que possuem uma capacidade individual de ocultamento), força militar do (já citado na série, porém ainda bastante misterioso) Dominion.

Sisko, Quark e Eris são presos em um mesmo campo de força, e as habilidades de Eris são inibidas por um colar especial. Ela diz que o Dominion normalmente consegue anexar territórios através de intricadas negociações e tratados, porém quando não consegue atingir os seus objetivos desta forma, os seus Fundadores enviam os Jem'Hadar. Sisko decide que o mais importante a ser feito é remover o colar de Eris, para que ela possa atravessar o campo de força com sua telecinese. Nisto, Talak'Talan, o Jem'Hadar encarregado, se aproxima do campo de força e informa que o Dominion não irá mais tolerar naves atravessando a Fenda Espacial e violando o seu território. Jake e Nog encontram o acampamento Jem'Hadar e, devido à impossibilidade de oferecerem alguma ajuda direta, decidem se transportar para o Explorador em órbita, para fugir e pedir ajuda. Jake desmonta metade da nave para desativar o piloto automático e tirar a nave de órbita. Aí percebe que, com esta atitude, a nave agora só pode ser pilotada no manual. E ele começa a fazê-lo, aos trancos e barrancos.

Em Deep Space Nine, Talak'Talan faz uma visita e entrega a Kira um pad contendo a lista de todas as naves destruídas pelo Dominion. O pad em si é um resquício de Nova Bajor, a primeira colônia Bajoriana no quadrante Gama. O Jem'Hadar entra e sai da estação como se suas defesas não fossem nada. Chega à estação o capitão Keogh, da nave da classe Galaxy Odyssey, com ordens de lidar com a ameaça Jem'Hadar e resgatar Sisko e os outros. A Odyssey parte com os dois exploradores restantes nesta missão. Eles encontram inicialmente o explorador Rio Grande com Jake e Nog a bordo. O'Brien se transporta a bordo e leva a nave de volta ao planeta em que Sisko, Quark e Eris estão presos. Inicia-se uma ferrenha batalha com as naves Jem'Hadar.

Quark finalmente abre o colar de Eris e os três conseguem fugir. Eles são transportados a bordo do Rio Grande. Quando O'Brien informa a Keogh que todos estão a bordo, o capitão ordena a retirada. Mas uma nave Jem'Hadar destrói a Odyssey em uma manobra "Kamikaze". Os três Exploradores voltam à estação em meio a uma atmosfera muito pesada. Ao chegar, Quark informa a Sisko, reservadamente, que o colar de Eris era apenas um mecanismo de travamento, não tinha nenhum efeito supressor sobre sua telecinese. Confrontada a esse respeito, Eris diz que Sisko e cia. não têm idéia da sucessão de eventos que virá. Sisko diz que vai fazer de tudo para estar preparado para os próximos movimentos do Dominion.

 

Comentários:

"The Jem'Hadar" é diversão garantida, caindo na categoria de "thriller de ação" (dentre aqueles que melhor funcionaram durante a série), ou como muitos gostam de falar na rede: um excelente "DS9 Comic Book". No episódio temos: muito humor (infelizmente derivando para a comédia pastelão em certas partes, além de problemas de caracterização e atuação com relação a Nog e Quark), ação extremamente bem executada sob a firme batuta da diretora Kim Friedman e um sólido pico dramático quando da cena em que Talak'talan informa a Kira da destruição de Nova-Bajor. Temos também a formal introdução do Dominion, com uma excelente (e correta desde o início) caracterização para os primeiros protagonistas Jem'Hadar e Vorta da série. Saibam mais detalhes nas linhas abaixo. Leiam, senão os Jem'Hadar vão pegar vocês!

A idéia do Dominion veio crescendo ao longo da temporada como uma impressionante aliança política e econômica no quadrante Gama, que utiliza freqüentemente a força para impor uma atitude imperialista. Essas idéias foram lançadas com pequenas falas nos episódios "Rules Of Acquisition" (com uma referência direta no presente episódio), "Sanctuary" e "Shadowplay", todos da segunda temporada. Juntando-se a isso o fato de a colônia de Nova Bajor ter sido mencionada anteriormente em "Crossover", temos um sentido de real direcionamento para a série.

(Este episódio é muito importante para o entendimento da série. O Dominion é um dos elementos principais de DS9: a partir daqui nenhuma temporada começou ou terminou sem uma história relativa à potência do quadrante Gama --mesmo que aparentemente eles não estivessem envolvidos, eles estavam! A introdução do Dominion, especialmente dos Fundadores, no primeiro episódio da terceira temporada, afetou profundamente um dos regulares, trasformando-o em um das duas figuras mais trágicas da série, ao lado de Garak. O seu dilema só iria terminar no último episódio da série.) 

A trama do episódio deve ser analisada em duas passadas, na primeira aceitando a sinceridade de Eris (e a coincidência de Sisko e cia. darem de cara com ela em um planeta sendo perseguida pelos Jem'Hadar) e na segunda considerando toda a farsa do Dominion (cuja revelação põe por terra qualquer possível problema com a trama que alguém possa ter tido no curso da primeira assistida). Ambas funcionam bastante bem, a história de Eris soa totalmente verdadeira oferecendo uma coerente perspectiva das atitudes do Dominion no quadrante Gama e a trama revisitada revela brilhantemente uma das características principais do Dominion: a arte da manipulação e da intriga. O sacrifício da nave Jem'Hadar e de Eris serviu para adiantar o nível de adoração que os Jem'Hadar e os Vortas têm pelos Fundadores.

Sisko "jogou bem a sua mão" em todo o episódio e a sua promessa final não ficará sem resposta na próxima temporada. A devastação de Kira quando da notícia da destruição de Nova Bajor foi algo que já valeu o episódio. A já tradicional "cena da despedida antes da batalha", aqui estrelando Kira e Odo, funcionou maravilhosamente bem (como era de se esperar entre os dois). O relacionamento entre Jake e Ben Sisko esteve sólido como sempre, e as atitudes de Jake, após a captura de seu pai, fizeram um bocado de sentido. Quark iniciou muito mal (as cenas com ele passando cremes nas orelhas e pegando fogo foram lamentáveis), mas se recuperou com o papel tornando-se mais sério ao longo do episódio (e paradoxalmente o seu humor começou a funcionar melhor também). Foi particularmente interessante o fato de ele descobrir o truque do colar de Eris devido simplesmente à ganância. Os demais regulares ajudaram a levar a trama à frente com fluidez.

Keogh me impressiona com um velho (e simpático) lobo do mar, pena que apareça tão pouco. Sua permissão para que a tripulação de DS9 acompanhasse a Odyssey (em Exploradores) foi bastante interessante (ainda que tecnicamente discutível). Talak'Talan foi de arrepiar, especialmente quando oferece a Sisko informações específicas do quadrante Alfa e lamenta casualmente ter encontrado um humano e um Ferengi, não um Klingon. Mas sua melhor cena foi quando atravessou o campo de força do OPS como se fosse de manteiga e deu a Kira o pad Bajoriano e a informou da destruição de Nova Bajor. Eris e seu gestual totalmente desligado do resto do mundo foi não menos arrepiante, vendo o episódio uma segunda vez. A revelação de sua farsa veio sem surpresas: Eris é a deusa da discórdia! Quanto a Nog, enquanto podemos dizer que alguns elementos aqui, como a sua adaptação à comida humana e o seu interesse por naves, possam ter sido os embriões dos principais desenvolvimentos futuros do personagem (que o levariam à Academia da Frota Estelar), a sua presença prejudicou o episódio.

A direção de Friedman é excepcional, com destaques para as belas tomadas superiores de Quark, Sisko e Eris presos no campo de força, as cenas de batalha no interior da ponte da Odyssey e a destruição da própria Odyssey. Méritos aqui também para a equipe de efeitos visuais. Ainda que o tempo já tenha erodido o estrito "cool factor" das cenas, a execução de tomadas respeitando pedidos rígidos do roteiro (ao contrario de certos episódios em que o pessoal de efeitos fica completamente livre, recebendo apenas descrições genéricas) mostra inegável qualidade. A mensagem passada pelo "Jem'Hadar Kamikaze" é clara e visceral, servindo brilhantemente à história.

Os atores regulares ofereceram o sólido trabalho de sempre. Destaques para um Brooks extremamente calmo e relaxado e (como sempre) para Visitor, especialmente na cena em que Talak'talan informa a Kira da destruição de Nova Bajor. Shimerman teve alguns problemas no início do episódio, ficou muito "over". À medida que o papel de Quark foi ficando mais sério, no curso do episódio, ele acabou se acertando. Porém uma certa moderação dele, em algumas partes, teria beneficiado o episódio. 

(Lofton também esteve bem. Os problemas nas cenas entre Nog e Jake --após a prisão de Sisko, Quark e Eris-- foram claramente devido à performance de Eisenberg. Não foi problema também do material apresentado, que era adequado dentro dos termos do episódio.)

Tivemos ótimos atores convidados em Oppenheimer (uma pena que Keogh tenha sido usado tão pouco) e Williams (como o primeiro protagonista Jem'Hadar: Talak'talan), mas o destaque vai para Molly Hagan (como o primeiro protagonista Vorta da série: Eris). Hagan inaugurou o gestual dos Vorta, que seria mais tarde adaptado por Jeffrey Combs, no papel do inesquecível Vorta Weyoum. Eisenberg esteve péssimo (claramente prejudicou o episódio, isso sem contar que os seus "gritinhos Ferengi", extremamente irritantes) e os demais convidados não comprometeram.

Quark vendendo símbolos do IDIC para colecionadores foi simplesmente hilário.

Os Jem'Hadar foram estabelecidos como formidáveis inimigos: podem se camuflar individualmente, atravesssar campos de força, se transportar através de escudos, as armas de suas naves podem atravessar escudos mesmo de cruzadores da classe Galaxy e os seus escudos podem resistir à trava de um raio trator. Observem que a nave "Kamikaze Jem'Hadar" atinge a região do "pescoço" da Odyssey, seu ponto mais vulnerável. 

(O episódio claramente decreta a obsolescência da classe Galaxy. Os cruzadores dessa classe sofreram upgrades --assim como toda a frota "pré-Defiant"-- mais tarde ao longo da série.) 

(Outro boa escolha foi limitar o tamanho das naves Jem'Hadar, fazendo-as parecer ainda mais ameaçadoras.)

Os poderes telecinéticos de Eris foram simulados como parte da farsa do Dominion: nenhum outro Vorta ao longo da série apresentou tais poderes. O final ambíguo de Eris (que levantava a possibilidade de o Dominion ter camuflagem para as suas naves ou transporte de longa distância), à luz do restante da série, pode ser interpretado como suicídio, para não revelar nenhum segredo do Dominion à Federação. Mais tarde, ficaria estabelecido que todo Vorta possui um implante que quando ativado (pelo próprio), o mata (ao contrário da propaganda dos Fundadores) de forma não muito rápida e MUITO dolorosa, quando em uma situação de captura. 

(Isto deixa outra coisa para se pensar, Eris não usou o implante dela para não deixar o seu corpo para estudos da Federação?)

O episódio cumpre admiravelmente bem o seu papel, mas para transformá-lo em um clássico absoluto algumas pequenas modificações seriam necessárias, tais como: adiantar o primeiro ato para o "teaser" --Sisko e cia. seriam presos e então seguiríamos para a seqüência de abertura do episódio; aproveitar o tempo recuperado para inserir mais cenas com Keogh, solidificando melhor um "crescendo" até a batalha final e rescrever as partes de Nog e Quark de forma mais discreta e séria (reduzi-las também não seria nada mal). 

"The Jem'Hadar" é excelente entretenimento, introduzindo com classe duas das três principais raças do Dominion (guardando os seus Fundadores para o início da próxima temporada). O episódio se recupera de um início claudicante e de humor duvidoso e envolve completamente o telespectador após a prisão de Sisko e cia., tendo somente a se lamentar a fraca atuação de Aron Eisenberg a partir daí. Como todo episódio que encerra uma temporada de DS9, este, muito mais do que ser um "cliffhanger" tradicional (e evocar a imagem do mocinho pendurado por um fio, esgarçando-se à beira do precipício) levanta questões e temas que seriam desenvolvidos nas temporadas posteriores, um tipo de episódio que muitos gostam de classificar como "status shaker", característica da série. As repercussões deste episodio ecoariam até o último episódio de DS9.




Citações

Dax - "Don't you find [Keogh] just a little arrogant?"
("Você não acha [Keogh] um pouco arrogante?")
Sisko - "Funny --he said the same thing about you."
("Gozado --ele disse o mesmo sobre você.")

Quark - "Now, if you'll excuse me --I have a lock to pick."
("Agora, se me der licença --eu tenho uma trava para abrir.")

Keogh - "Lieutenant, have you ever thought of serving on a starship?"
("Tenente, já pensou em servir em uma nave estelar?")
Dax - "I'm happy where I am."
("Estou feliz onde estou.")
Keogh - "Good."
("Bom.")

Talak'talan - "They fought well, for a religious people."
("Eles lutaram bem, para um povo religioso.")

Quark - "Nature decays, but Latinum lasts forever."
("A natureza decai, mas o Latinum dura para sempre.")

Eris - "You have no idea of what begins here."
("Vocês não têm idéia do que começa aqui.")


Trivia:

int.jpg (476 bytes) Este episódio foi originalmente chamado de "The Dominion".

int.jpg (476 bytes) Ira Steven Behr ainda se lembra dos almoços que os produtores costumavam ter durante a segunda temporada e um em especial em que ele propôs a criação de três subgrupos de antagonistas que comporiam o grande grupo antagonista da série: o Dominion. Para isso ele disse que todos deveriam ler a "Trilogia da Fundação", de Isaac Asimov, mesmo sem que ele pudesse oferecer qualquer justificativa para o ato. Todos leram, exceto Peter Allan Fields. Durante a terceira temporada, Behr recebeu um fax de Fields, que havia se desligado amigavelmente da série ao final da segunda temporada, que dizia simplesmente que ele tinha finalmente acabado de ler a obra. Behr deixou o fax pregado no quadro de avisos até o final da produção da série.

int.jpg (476 bytes) Robert Hewitt Wolfe teve a idéia dos Jem'Hadar como impiedosos guerreiros que evocam a idéia de rinocerontes. Quando Michael Westmore projetou a maquiagem da espécie, ele aproveitou a idéia do chifre do rinoceronte e o "distribuiu em um monte de chifrinhos" na face dos soldados do Dominion.

int.jpg (476 bytes) O núcleo do Dominion é composto por três raças: os Jem'Hadar, os Vortas e os Fundadores. Os Jem'Hadar (como Talak'talan no episódio) são o seu braço militar; os Vortas (como Eris no episódio) são os seus diplomatas e cientistas e os Fundadores (não-apresentados no episódio) são seus líderes (sem entrar em maiores detalhes que constituem uma surpresa do episódio duplo "The Search", que abre a terceira temporada).

int.jpg (476 bytes) As naves dos Jem'Hadar foram desenvolvidas por Rick Sternbach baseadas em motivos egípcios. Sua aparência de insetos teria um "payoff" interessante no clássico "Rapture", da quinta temporada.

int.jpg (476 bytes) Quark não desistiu da propaganda e conseguiu finalmente realizar o seu sonho, no clássico "The Quickening", da quarta temporada, com uma campanha completa, em toda a estação, em monitores e replicadores. 

int.jpg (476 bytes) Ainda que não apresentado na tela, o roteiro inclui a confirmação de que os caçadores, do episódio "Captive Pursuit", da primeira temporada, receberam do Dominion a sua presa, Tosk. Se eles receberam isto, podemos ter certeza que eles eram também membros do Dominion.

int.jpg (476 bytes) Participação da brasileira Sandra Grando como a segundo oficial da Odyssey. Ele foi babá de uma das filhas de Michael Piller.

int.jpg (476 bytes) Participação de Alan Oppenheimer como o capitão Keogh. Alan Oppenheimer nasceu em 23 de Abril de 1930 em Nova York, Nova York, EUA. Já participou dos seguintes episódios de Jornada (além do presente): como "Koroth", no episódio "Rightful Heir", da sexta temporada da Nova Geração, e "embaixador Nezu", no episódio "Rise", da terceira temporada de Voyager. Ele tem uma quantidade impressionante de créditos, principalmente como dublador de desenhos animados para cinema e TV (em especial "Phantom 2040" (1994) em que faz a voz de um certo --coincidência-- Prof. Jack Archer ). Um dos seus personagens mais marcantes na TV foi o do doutor Rudy Wells das séries "A Mulher Biônica" (1975) e "O Homem de Seis Milhões de Dólares" (1974).


Ficha técnica:

Escrito por Ira Steven Behr
Direção de Kim Friedman

Exibido em 13/06/1994
Produção: 046

Elenco:

Avery Brooks como Benjamin Lafayette Sisko
René Auberjonois como Odo
Nana Visitor como Kira Nerys
Colm Meaney como Miles Edward O'Brien
Siddig El Fadil como Julian Subatoi Bashir
Armin Shimerman como Quark
Terry Farrell como Jadzia Dax
Cirroc Lofton como Jake Sisko

Elenco convidado:

Alan Oppenheimer como capitão Keogh 
Aron Eisenberg como Nog 
Cress Williams como Talak'talan 
Molly Hagan como Eris 
Michael Jace como o primeiro oficial da Odyssey
Sandra Grando como a segundo oficial da Odyssey 
Majel Barrett-Roddenberry como a voz do computador

 

Episódio anterior   |   Próximo episódio