por Daniel Sasaki
Os fãs de Jornada nas Estrelas são,
possivelmente, os mais exigentes e precisos que há. Eles não
deixam passar nenhum detalhe despercebido, esteja ele relacionado
aos roteiros ou à produção. Embora a quarta série da franquia,
Voyager, tenha tido ao longo de seus sete anos a qualidade
dos episódios questionada por muitos, certamente o mesmo não
aconteceu quando o foco da discussão era a qualidade de seus
cenários. E há motivos para isso. As equipes de criação e
produção asseguraram que mesmo os trekkers mais reacionários
admirassem o que viam. Confira neste artigo duplo tudo o que há
para saber sobre o assunto - do projeto à demolição.
Os cenários
fixos
Quase
sempre que se realizavam as gravações da série, as praticidades
e o orçamento das locações eram cuidadosamente pesados, para
que de fato pudessem ser feitos o desenvolvimento e a descrição
da história. Os cenários fixos - ou permanentes - de Voyager eram
aqueles usados com mais freqüência, como a ponte de comando, que
aparecia em todos os episódios. Além disso, certos roteiros
pediam a construção de cenários que retratassem, por exemplo,
um aposento em um mundo alienígena ou o interior de uma nave.
A roteirista Lisa Klink explica, sobre o
episódio "Resistance":
"O orçamento também era um problema, porque geralmente
construímos dois cenários novos, mas aqui tudo se passa em um
planeta alienígena. Eles têm que começar em um lugar e terminar
em outro, e estes são os nossos dois cenários. Eles vão para
algum outro lugar? Então temos que construi-lo também...
Acabamos construindo três cenários: uma praça, a prisão e uma
cabine (o quarto do personagem Caylem). Tentamos de todas as
formas ambientar [o roteiro] no set da caverna, que é um cenário
fixo, mas não conseguimos. Foi um episódio terrivelmente
caro".
Do ponto de vista de um produtor de TV, o
chamado "bottle show" requer comparativamente o menor
dos preparos; o termo refere-se aos segmentos em que apenas os cenários
fixos são usados. Eles são mais econômicos em relação ao
tempo, dinheiro e esforço, já que não há novos sets para
projetar, construir, equipar e iluminar, e a equipe de produção
já conhece as logísticas, como a iluminação e os ângulos da câmera.
Por exemplo, o episódio-duplo "Unimatrix Zero" pediu
o uso de vários cenários novos (conhecidos como "swing
sets"), e diversas seqüências em CGI (gráficos gerados por
computador). Em adição, parte do custo mais alto correspondia à
contratação de diversos atores convidados e figurantes, e à
maquiagem e figurino necessários (a destacar, a dispendiosa criação
de drones Borgs). Além da questão dos recursos e custos, a
equipe de produção ainda dedicou tempo e esforços adicionais a
seu ritmo de trabalho, que, comumente, já era rigoroso. Por
conseguinte, não é difícil imaginar por que o episódio
anterior, "The Haunting of Deck Twelve", era um
"bottle show", cujos gastos limitaram-se à escalação
do elenco-mirim (as crianças Borgs) e poucos efeitos visuais (a
presença alienígena a bordo). Os "bottle shows" de Voyager
tinham, ainda, outra vantagem. Eles geralmente se concentravam
na interação entre personagens e no seu desenvolvimento - algo
que costumava ser deixado de lado na série.
A Rainha Borg (Susanna Thompson),
em "Unimatrix Zero".
Lolita Fatjo, co-produtora e coordenadora de
pré-produção (temporadas 1-6) e coordenadora de roteiros
(temporada 6), disse:
"Uma coisa que é sempre bem-vinda
é o que chamamos de "bottle shows', o que significa que tudo
acontece inteiramente na nave, ou na estação, ou na USS Defiant.
Um "bottle show" significa que podemos economizar
dinheiro por não termos que construir novos sets, trazer grandes
personagens convidados, fazer cenas de batalha, ou qualquer coisa
do tipo. A maior parte dos "bottle shows" são
orientados nos personagens. É apenas um modo de segurar o orçamento
dos episódios. Então, escrever um bom "bottle show" é
sempre um bom caminho a seguir" (Fonte: Star Trek Monthly)
Quanto aos cenários fixos, a Plataforma 8
da Paramount Pictures/Viacom abrigava a ponte de comando, sala da
capitã e sala de reuniões, além do refeitório e da cozinha
anexa (na TV, observa-se que a ponte e as duas salas são
diretamente ligadas, o que, de fato, também acontecia atrás das
câmeras). Já a Plataforma 9 continha a área de carga e a
engenharia principal, além de cenários temporários que eram
construídos para episódios específicos e, depois, destruídos.
Essa área da Paramount tem sido o lar de Jornada
nas Estrelas desde 1977, quando Gene Roddenberry e o estúdio
preparavam o lançamento da série Jornada nas Estrelas: Fase
II. Embora os cenários fixos para aquele seriado tivessem
sido erigidos nas plataformas 8 e 9, eles nunca foram utilizados.
Na verdade, a franquia acabou indo para o cinema, de modo que, após
uma reciclagem, os sets foram usados em Jornada nas Estrelas -
O Filme. Novas reciclagens eram empreendidas a cada novo
filme, até que, com o lançamento de Jornada nas Estrelas: A
Nova Geração em 1987, as plataformas passaram a abrigar cenários
verdadeiramente fixos.
Depois
das filmagens do último episódio daquela série no início de
1994, os cenários foram mais uma vez adaptados para a gravação
de Jornada nas Estrelas - Generations e, assim que se
amarrou a produção no final de maio daquele mesmo ano, os
cenários de A Nova Geração foram finalmente demolidos
para dar lugar aos de Jornada nas Estrelas: Voyager, que
foram confeccionados literalmente no mesmo local que os
anteriores; a ponte da Voyager, por exemplo, ocupava o mesmo espaço
da da Enterprise-D, assim como os corredores, a sala de transporte
e a engenharia.
Rick Sternbach, o ilustrador e projetista de
Voyager, comentou sobre isso:
"Uma vez que [A Nova Geração] tinha acabado, nós
reconstruímos os cenários para o filme. Uma vez que o filme
terminou, o processo começou do zero de novo. Rasgar, martelar,
cortar, demolir. E a Voyager nasceu. Minha primeira exposição a Jornada
foi em 1978, trabalhando no primeiro filme. Eu já vi essa cena
muitas vezes."
Richard James, o projetista dos cenários
interiores de Voyager, ateve-se a um conceito muito
particular, usado em todos os outros seriados de Jornada:
os sets das produções televisivas típicas têm apenas três
lados; raramente eles terão uma quarta parede que os torna em
salas fechadas, e a câmera filma de onde a parede que falta
estaria. Mas, em Jornada nas Estrelas, a maior parte dos
cenários fixos têm seis lados: quatro paredes, um piso
inteiramente detalhado e um teto inteiramente detalhado. Assim, o
trabalho extra envolvido na construção e planejamento das logísticas
compensavam pelo fato de esses cenários transmitirem ao
telespectador um incrível senso de realismo: não importa o ângulo
do qual a câmera filme, sempre haverá uma sensação de
complemento. Contudo, os cenários foram também projetados para
ter paredes que pudessem ser removidas, caso a câmera precisasse
ser posicionada em certos lugares.
A chamada "wild wall",
parede que compõe um cenário fixo, mas pode ser removida.
Em Voyager, a construção dos cenários
fixos originalmente visava compreender aqueles que já haviam sido
estabelecidos nas séries anteriores: a ponte, a engenharia
principal, a enfermaria, a sala de reuniões e o alojamento da
tripulação - este, com um desenho modular adaptável a cada
indivíduo. O uso contínuo desses aposentos não se tratava - e
ainda não se trata - de falta de inspiração ou imaginação; os
fãs adoram e inclusive esperam a sua presença, muito embora
esperem também uma atualização de conceitos e originalidade. A
Nova Geração introduziu a sala do capitão à fórmula,
portanto a sala da capitã Janeway faria parte dos cenários
permanentes, como também o fariam o refeitório e, mais tarde, o
holodeck e o laboratório de astrométricas.
Em entrevista ao Trek Brasilis em 2
de maio de 2001, Rick Sternbach comentou:
"Não é tão difícil criar novas aparências se você
entende o material com que está começando. É um pouco uma questão
de balancear, entre inventar algo muito, muito novo que talvez
seja um pouco radical demais e inidentificável, e algo que parece
bastante com as velhas coisas que já vimos. Alguns dos melhores
designs deveriam te remeter, ao menos subconscientemente, a algo
anterior".
Cenários
"fold and hold" & "swing"
Por motivos práticos, devido à falta de espaço, qualquer set
necessário para cenas no holodeck eram construídos na Plataforma
16. As plataformas 8 e 9 simplesmente não tinham como acomodar
novos ambientes. Como alguns desses cenários eram usados com
certa periodicidade, eles eram desmontados e armazenados em uma
localidade fora do lote para reutilização posterior (daí o nome
"fold and hold sets"). Um exemplo disso é a casa usada
na novela holográfica gótica de Janeway, vista nos primeiros
episódios da série. Já os cenários de uso único e imediato,
em episódios específicos, são chamados de "swing
sets" e também costumavam ser construídos na Plataforma 16.
"Endgame"
e a demolição dos cenários fixos
Com o fim da série em vista,
entre março e abril de 2001, os cenários fixos de Voyager começaram
a ser demolidos. Em certas instâncias, eles foram substituídos
por sets que incorporaram o episódio final da série, "Endgame".
Raramente em Jornada nas Estrelas os elementos que compõem
os cenários são aproveitados. Com a exceção de pequenos
objetos e itens de decoração, tudo é simplesmente destruído
por tratores.
Sobre
essa questão, o cartógrafo estelar de Jornada, Geoff
Mandel, disse em entrevista exclusiva ao Trek Brasilis em
14 de setembro de 2002:
"Os cenários de Voyager poderiam ser reconstruídos
do nada em uma semana se houvesse uma necessidade para eles --
todas as plantas existem, e se há uma coisa que a equipe de
construção de Jornada sabe fazer, é recriar cenários de
episódios anteriores. Como um exemplo, nós reconstruímos a câmara
da Rainha Borg do nada não uma, mas duas vezes, enquanto eu
trabalhei para Voyager: para "Unimatrix Zero" e
então para "Endgame". Seria muito caro manter
cenários como aquele montados por meses seguidos só para o caso
de você ter a oportunidade de usá-los! Também, você precisa
lembrar que os cenários em si são relativamente finos --
basicamente madeira compensada, dois por quatro, e tinta. Eles não
durariam muito em uma atração de tráfego pesado como a
"Star Trek: The Experience", e de fato todos os cenários
da Enterprise-D em Las Vegas tiveram de ser reprojetados com
suportes de aço e materiais "do mundo real". Mesmo os
adesivos foram protegidos por coberturas de Plexiglas!"
O processo de
demolição
Foi gradual, porém rápido, o
processo de desmantelamento dos cenários fixos da série. Ele se
deu nas seguintes etapas:
22 de março de 2001 - O laboratório de ciências da
Voyager estava sendo demolido; tratores grandes pararam ao lado da
Plataforma 9 e a equipe de demolição teve um dia cheio,
removendo toda a madeira contraplacada e o Plexiglas. A idéia era
abrir espaço para os cenários do último episódio da série, "Endgame".
26 de março de 2001 - Esse foi o último dia de filmagens
no cenário do refeitório, que, aparentemente, começou a ser
demolido momentos mais tarde.
28 de março de 2001 - Foi filmada a última cena na sala
da capitã, talvez aquela em que a personagem interage com a sua
contraparte do futuro em "Endgame". O cenário
foi então adaptado para abrigar a sala do capitão da USS Rhode
Island, que incluía um grande painel iluminado da galáxia
produzido por Geoffrey Mandel.
29 de março de 2001 - Na Plataforma 8, as equipes
demoliram o refeitório e os aposentos da capitã, que tinham sido
temporariamente convertidos na cabine de Harry Kim na USS Rhode
Island. O turboelevador também foi destruído, assim como o
corredor que levava a ele. O campo de estrelas (na verdade, um
tecido preto coberto com pequenos pedaços de alumínio) foi
retirado, como também o foram a tela verde (usada para as
seqüências de efeitos visuais) e a grade de luzes. Na Plataforma
9 foi construído um quarto de hospital, no qual Tuvok estava
sendo tratado em "Endgame". Esse set foi erigido
no espaço deixado pelo laboratório de ciências. Também na
Plataforma 9, todos os painéis de controle e monitores iluminados
estavam faltando no cenário da engenharia.
30 de março de 2001 - Outro cenário
"swing" foi construído próximo aos destroços do
refeitório: uma parte da ponte de comando da USS Rhode Island.
Foi o primeiro cenário de ponte feito por Geoffrey Mandel, que
disse estar "irracionalmente orgulhoso dos gráficos que
piscavam". Ele acrescentou: "À medida que entrava na
plataforma, as luzes pareciam muito brilhantes, e de repente eu
percebi que as enormes portas da Plataforma 8 estavam abertas à
luz do sol. Pela primeira vez em 14 anos você podia ficar em um
lado da plataforma e ver o outro lado!"
3 de abril de 2001 - O refeitório e os aposentos da capitã
se foram completamente - até mesmo os carpetes e tábuas do piso
haviam sido arrancados. A equipe de construção recolocou e
pintou o piso. A placa dedicatória da Voyager (instalada em uma
parede da ponte) foi removida. Mandel conta: "Nenhuma
surpresa, considerando o excelente souvenir que daria". Além
disso, um grupo de executivos da Paramount posaram para algumas
fotos na cadeira da capitã. Na Plataforma 9, a equipe de
construção aplicou alavancas e parafusadeiras no nível superior
da engenharia. Enquanto jogavam toneladas de madeira pintada e
metal no andar de baixo, ouviam músicas antigas no rádio. O
núcleo do reator ficou por mais algum tempo, mas sem o seu
revestimento, revelando todo o seu interior oco.
5 de abril de 2001 - O cenário da engenharia da Voyager
agora não passava de uma armação de madeira. Começou a
demolição da área de carga/hangar/holodeck, que formavam um
único set - o qual havia permanecido praticamente intocado desde A
Nova Geração. As alcovas de regeneração Borgs foram
empacotadas e colocadas em um armazém, para possível uso futuro.
6 de abril de 2001 - Foi realizada uma festa surpresa para
os membros da equipe de produção de Voyager que estavam
se aposentando, como o designer Richard James. Para dar um maior
senso de irrealidade, os figurinistas colocaram vários objetos
gigantes por todo o cenário iluminado da ponte, como uma enorme
roleta, um sarcófago egípcio e uma taça de Martini. Elenco e
equipe inteiros sentaram-se a mesas dobráveis ricamente cobertas
com toalhas prateadas e douradas. Os Borgs que havia participado
das filmagens de "Endgame" também estavam lá,
como também estava Alice Krige (inteiramente vestida de Rainha
Borg), ao lado de Jeri Ryan e Robert Beltran.
9 de abril de 2001 - Esse foi o último dia oficial de
filmagens. A equipe da segunda unidade ainda tinha algumas cenas
para terminar, mas, de forma geral, foi o último dia para a maior
parte deles, inclusive os atores. Alguns membros da equipe de
produção, como os artistas cênicos Michael Okuda e Jim Van Over,
já haviam começado a trabalhar na nova série [Enterprise].
Na Plataforma 8, foram filmadas as últimas cenas na ponte de
comando, mas, ao mesmo tempo em que se filmava, o esqueleto da nova
nave Enterprise já estava se levantando onde o refeitório da
Voyager e os aposentos da capitã uma vez ficaram. Anteparos e
vãos de portas já estavam posicionados para abrigar os novos
corredores.
Repórteres e equipes de
filmagens ficaram seguindo os atores por todos os lugares,
relatando o último dia de trabalho, embora o elenco parecesse
indiferente ao destino dos cenários.
11 de abril de 2001 - A festa de encerramento de Jornada
nas Estrelas: Voyager foi realizada no 'W', um hotel em Los
Angeles. Algumas personalidades da franquia estavam presentes como
John de Lancie (Q), Majel Barrett Roddenberry (viúva do criador
da série original, personagem recorrente e a voz do computador),
Chase Masterson (Leeta, em Deep Space Nine), Armin
Shimerman (Quark, em Deep Space Nine) e Brent Spiner (Data,
em A Nova Geração).
23 de abril de 2001 - O último episódio da série foi
exibido nos Estados Unidos. O prefeito de Los Angeles declarou
oficialmente o Dia Jornada nas Estrelas: Voyager.
Na segunda parte do artigo,
confira detalhadamente como foi a criação e construção da
ponte de comando, engenharia principal, sala de transporte,
enfermaria, sala da capitã, sala de reuniões, refeitório,
corredores e alojamentos da tripulação. Dados
extraídos do Janet's
Star Trek: Voyager Site
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