Voyager
Temporada 3

Análise do episódio por
Daniel Sasaki



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
As crenças de Janeway são desafiadas 
pelo misticismo local de alienígenas

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Sinopse:

Data Estelar: 50063.2

Enquanto a Voyager visita o planeta Nechani, Kes se aventura em um santuário da Ordem Nechisti e é atingida por um misterioso raio de energia, que a deixa em coma. Quando é transportada de volta à nave, o Doutor não consegue fazer nada para ajudá-la, pois não consegue compreender a condição dela. O magistrado local diz a Janeway que Kes violou um local sagrado em que apenas os monges podem entrar -- e somente após terem passado por ritual de purificação que os protege do campo de energia. Mais tarde, Neelix descobre a antiga história de um rei que passou pelo ritual para salvar a vida do filho. A capitã pede permissão para fazer o mesmo.

O Conselho Nechisti aprova a petição de Janeway e o Doutor implanta uma bio-sonda sob a pele dela para monitorar sua condição física durante o ritual. Uma guia encontra a capitã no santuário e a leva para uma sala onde três pessoas idosas afirmam estar também esperando para o início do ritual, e que estão lá desde que conseguem se lembrar.

Com a vida de Kes em questão, Janeway impacientemente pede que o ritual comece. A guia entrega a ela uma pedra e pergunta o que enxerga. Janeway diz que vê uma pedra, motivo pelo qual lhe é pedido que continue observando. A guia a conduz por uma série de desafios e, horas depois, pede a uma capitã exausta que coloque a mão dentro de um cesto, em que uma criatura chamada "nesset" a pica. Janeway cai, e a guia a coloca em uma câmara subterrânea.

Na Voyager, o Doutor detecta as toxinas da picada pela corrente sangüínea de Janeway, teorizando que isso pode ser a chave para salvar Kes. Em uma visão, a capitã pede aos espíritos que restaurem a saúde da tripulante, e a guia diz a ela que já tem o que precisa para salvá-la. O ritual termina. Janeway retorna à Voyager, onde o Doutor prepara uma cura para as toxinas no sangue dela. Mas quando ele aplica o medicamento em Kes, sua situação só piora. Frustrada, Janeway confronta a guia, que a manda de volta à sala de espera.

Os membros do Conselho — as pessoas idosas que Janeway havia encontrado — a criticam por não ter fé nos espíritos apenas porque não consegue sondá-los com sua tecnologia. A capitã então percebe que para salvar Kes, ela deve acreditar pelo menos em sua própria fé. Sua única opção é levar Kes de volta ao campo de energia, mesmo que os sensores o identifiquem como sendo mortal. Ignorando os conselhos de Chakotay e Neelix, Janeway a carrega para o santuário, e desta vez — não se sabe se por causa da bioquímica alterada em seu corpo ou pela nova fé irracional — o campo não as machuca, regenerando Kes.

 

Comentários:

Pouco convencional. É talvez a descrição mais adequada a "Sacred Ground". Pode ser que a história não seja tão estranha a Jornada, pois trata de uma questão controversa insistentemente abordada nas séries: a religião. Mas com certeza ela o é a Voyager.

Foram poucas as vezes em que a capitã deixou vir à tona sua humanidade. Mas aqui não se tem apenas o extravasamento de um sentimento, de uma emoção. As crenças mais profundas e [até então] inquestionáveis de Janeway são contestadas. Desde "Tattoo", da segunda temporada, sabia-se que a personagem era um tanto cética e seu agnosticismo era evidente. Mas até aqui não tinha ficado muito claro para o telespectador em que a capitã de fato acreditava, com relação à religiosidade.

Como cientista, Kathryn Janeway só crê naquilo que consegue ver - ou, no caso, scannear com um tricorder. Ela tem dificuldade em aceitar determinados ritos e manifestações, embora, como oficial da Frota, respeite as culturas locais. Mas a experiência em Nechani altera sua percepção do universo. Esse episódio prova que, por mais tecnologicamente evoluída que a raça humana venha a se tornar, a fé no que é mistério sempre fará parte de sua natureza. A capitã percebe isso já no início do roteiro, mas permanece inflexível e relutante até não poder mais.

É o questionamento sobre até onde fé e ciência convivem em harmonia. É irônico que exista uma pluralidade tão grande de crenças religiosas em Jornada, culturas inteiramente voltadas à fé --como é o caso dos Bajorianos--, mas que nada seja dito a respeito dos humanos. Os produtores devem considerar esse um ponto "controverso demais". Talvez esta seja a linha que delimite até onde a saga criada por Gene Roddenberry pode ir.

A história em questão foi bem trabalhada. Como Jeri Taylor ressaltou, foi um episódio que os fãs devem ter amado ou odiado. Mas uma coisa é certa: foi um roteiro coerente. Em momento algum houve contradições, e isso é o que o torna tão especial para Jornada, e para Voyager.

A trama girou sobre Janeway. Chakotay, Neelix e os outros apenas ajudaram na construção. Mas é importante prestar atenção no papel que Kes exerce. Não poderia ter existido maior prova de afeto e preocupação para com a Ocampa. Isso foi ignorado anos mais tarde pela produção, quando, em "Fury", do sexto ano, Kes tenta destruir a Voyager e matar a todos por "a terem deixado ir embora da nave, quando não estava preparada". De certa forma, "Fury" destrói os três anos em que o público teve empatia com a personagem. Mas isso já é assunto para outra ocasião... 

 

Citações:

Magistrado - "Captain, you seem to want answers for everything. I don't have them."
("Capitã, a senhora parece querer respostas para tudo. Eu não as tenho.")

Janeway - "The captain of a starship is fully responsible for every member of her crew."
("A capitã de uma nave é completamente responsável por cada membro de sua tripulação.")

Janeway - "But I imagine if we scratch deep enough, we'd find a scientific basis for most religious doctrines."
("Mas eu acredito que se pesquisássemos mais a fundo, encontraríamos uma base científica para a maioria das doutrinas religiosas.")

Guia - "You are fond of your little devices, aren't you?"
("Você se orgulha de seus aparelhinhos, não é?") 
Janeway - "They've always served me well."
("Eles sempre me serviram bem.")
Guia - "I'm sure they have."
("Tenho certeza que sim.")

Homem idoso - "If you can explain everything, what's left to be believed in?"
("Se você puder explicar tudo, o que sobra para ser acreditado?")

Janeway - "It's a perfectly sound explanation, Doctor. Very... scientific."
("É uma explicação perfeitamente lógica, Doutor. Bastante... científica.")

 

Trivia:

int.jpg (476 bytes) Lisa Klink, a roteirista desse episódio, também roteirizou "Remember".

int.jpg (476 bytes) Esse é o primeiro dos quatro episódios que Robert Duncan McNeill, o Tom Paris, dirige na série.

int.jpg (476 bytes) Aqui fica estabelecido que a capitã não sabe desenhar e tem uma irmã que é artista.

int.jpg (476 bytes) Jeri Taylor, produtora de Voyager, disse: "Eu assisti ao 'Sacred Ground' na semana passada, quando foi reprisado e amei. Eu acho que é o que Jornada deveria ser. Era provocador e profundo, passava uma mensagem e trabalhou coisas inesperadas. Acho que realmente funcionou. Não acho que seja o tipo de episódio a que toda a audiência responda, porque é muito introspectivo. Foi um episódio para se pensar, mas havia espaço para uma mistura. A mistura é aquilo por que anseio, dar a todos um pouco daquilo de que gostam, e não fazer só um tipo de história."

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Ficha técnica:

Direção de Robert Duncan McNeill
História de Geo Cameron
Roteiro de Lisa Klink
Exibido em 30/10/1996
Produção: 043

Elenco:

Kate Mulgrew como Kathryn Janeway
Robert Beltran como Chakotay
Roxann Biggs-Dawson como B'Elanna Torres
Robert Duncan McNeill como Tom Paris
Jennifer Lien como Kes
Ethan Phillips como Neelix
Robert Picardo como Doutor
Tim Russ como Tuvok
Garrett Wang como Harry Kim

Elenco convidado:

Becky Ann Baker como Guia
Estelle Harris como mulher idosa
Keene Curtis como momem idoso 2
Parley Baer como homem idoso 1
Henry Groener como Magistrado

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