MANCHETE
DO EPISÓDIO
Premissa patética quebra tabus e
converte Paris e Janeway em lagartixas
Episódio
anterior | Próximo
episódio
Sinopse:
Data Estelar: 49373.4.
Após uma série de simulações no holodeck na tentativa de alcançarem
a dobra 10 (uma impossibilidade teórica), Tom Paris e um time da
engenharia modificam uma nave auxiliar a fim de enviar o tenente
para um vôo real nessa velocidade. No dia seguinte, a tripulação
observa ansiosa à medida que ele cruza o limiar da velocidade de
dobra.
Momentos
mais tarde, a nave emerge do subespaço e Paris é transportado para
a enfermaria. Inicialmente, ele parece cansado por causa da fantástica
experiência, que diz ter sido como "estar em todos lugares ao
mesmo tempo". Enquanto Torres e Janeway discutem o potencial
dos dados obtidos durante o curto vôo de Tom, um tripulante chamado
Jonas bisbilhota a conversa. Depois, envia informações sobre o
assunto secretamente para os Kazons.
Pouco tempo se passa quando Paris tem um colapso no refeitório.
Levado novamente à enfermaria, é examinado pelo Doutor, que
registra mudanças em sua bioquímica. Seus órgãos sofrem mutações
e suas membranas celulares se deterioram rapidamente. Apesar dos
esforços do médico, o oficial não sobrevive. Contudo, horas mais
tarde, Tom volta a respirar. Quando examinado novamente,
descobrem-se novos órgãos em seu corpo.
Porém, embora esteja vivo novamente, não está fora de perigo. Uma
série de mutações aceleradas o levam a transformações radicais
que resultam em paranóia e explosões de violência. O Doutor
indica um procedimento médico capaz de destruir o material genético
em mutação, mas o tratamento é interrompido quando Tom escapa de
seu confinamento na enfermaria.
Vagando
pelos corredores da nave, ela sequestra a capitã e a leva à nave
auxiliar modificada, lançando-se em uma nova jornada em dobra 10.
Três dias mais tarde, a Voyager os localiza em um planeta
desabitado. Após as mutações, Paris e Janeway transformam-se em
anfíbios e se acasalam, produzindo filhotes, os quais o comandante
Chakotay decide deixar no habitat. De volta à nave, o Doutor
consegue finalmente executar o procedimento, eliminando o DNA
mutante dos oficiais, restaurando-os à condição original.
Comentários:
Comentar "Threshold"
é muito complicado --afinal de contas, ele é considerado por
muitos como o pior episódio de Voyager e um dos piores de
todas as séries de Jornada nas Estrelas. Trata-se de um episódio
pouco convencional, que não fornece muitas explicações para os
eventos ocorridos e muito menos uma lealdade às leis naturais básicas.
Como falar das
desgraças é fácil, vale a pena começarmos com um ponto positivo.
Em primeiro lugar, é com grande satisfação que constatamos que a
nave auxiliar Cochrane sobreviveu ao episódio --praticamente um
milagre, em se tratando do estranho fenômeno da destruição e
multiplicação de naves auxiliares que acontece a bordo da Voyager.
Ironias à parte, o grande destaque da história é o humor,
presente mesmo nas situações mais tensas. E, como não poderia ser
diferente, o Doutor é o grande responsável por isso. Suas famosas
ironias desarmam qualquer um para a cena seguinte. Não é à toa
que Kate Mulgrew (Janeway) disse que Robert Picardo engrandece a Voyager.
Pena que o humor involuntário também esteja muito presente. Afinal
de contas, temos aqui uma das premissas mais estúpidas de que se
tem notícia no franchise.
O problema começou na bagunça tecnológica. Recuperar a famosa
"transdobra" e defini-la como a dobra dez foi um equívoco.
A transdobra foi implementada experimentalmente na USS Excelsior, no
final do século 23, em um projeto que fracassou. Sabemos também
que os Borgs possuem tecnologia de transdobra. A rigor, transdobra
seria a "dobra da dobra" do espaço-tempo. Da forma como
foi estabelecida aqui, igualando-se à dobra 10, a tecnologia foi não
só banalizada como também transformada em algo totalmente implausível
dentro do universo de Jornada. Em outras palavras, nem tente
entender por que os Borgs não se tornam lagartixas depois de fazer
uma viagem desse tipo.
Além
de embananar totalmente os conceitos científicos da série, o episódio
ainda tocou em um assunto que está no "index" de idéias
proibidas em Jornada desde 1987. Quando Gene Roddenberry
estava criando A Nova Geração, ele decidiu fazer uma nova
escala para a dobra espacial, estabelecendo o valor 10 como limite máximo.
A idéia era justamente evitar episódios em que a nave viajasse a
velocidades amalucadas, como aconteceu algumas vezes durante a Série
Clássica.
Além de romper com esse preceito básico, "Threshold"
dá menos credibilidade a todo o invólucro tecnológico que reveste
Jornada nas Estrelas. De quebra, ainda descobrimos que a
metamorfose de Tom Paris é na verdade a evolução da humanidade.
Eu não sei quanto a vocês, mas eu prefiro continuar primitivo.
Francamente, pensar na hipótese de que evoluiremos para nos
tornarmos anfíbios que vivem para ter filhotes em pântanos chega a
ser patético. Nem vale muito a pena se aprofundar nesse tópico,
que torna o episódio um dos menos afamados de Voyager.
É claro que alguma coisa precisava dar errado. Se o experimento
fosse bem-sucedido, a Voyager voltaria para casa em transdobra e a
premissa do seriado iria para o buraco. Mas a solução da mutação
foi a pior coisa que eles podiam inventar, porque além de não
fazer o menor sentido, também não explica o porquê de a Voyager não
ter voltado para casa em transdobra. Afinal de contas, se uma solução
para reverter as mutações foi encontrada pelo Doutor, o que
impediria a Voyager de seguir curso para a Terra em dobra 10? Ele
poderia simplesmente ser mantido ativado e remover o DNA alterado da
tripulação após a jornada.
Janeway pensou nas
implicações e riscos de tal procedimento, o que todo capitão
faria, mas vale lembrar que mutações nunca impediram Kirk ou
Picard de agir com audácia. No mínimo, ela poderia ter enviado uma
nave auxiliar em piloto-automático para o espaço da Federação,
avisando a todos em casa que os tripulantes da Voyager estão vivos
e tentando voltar. Isso não comprometeria a concepção da série e
daria aos telespectadores algo para se esperar em episódios
futuros.
Também é estúpido achar que Janeway e Paris apareceriam em um
planeta próximo da Voyager. Em dobra 10, podendo ir a qualquer
lugar do Universo inteiro instantaneamente, se eles ficassem na Via
Láctea já seria uma tremenda sorte.
Tomando três aspirinas e engolindo tudo que foi dito acima, vamos
ver o que sobrou para os personagens em meio a essa trama ridícula.
Felizmente, o estrago não foi tão grande por esse aspecto. Janeway
teve boas cenas, embora todas elas envolvessem Tom Paris, que
claramente foi o foco do roteiro. Sua reação ao pedido do tenente
para ser o piloto apesar dos riscos médicos, sua compreensão com
relação ao comportamento dele na Enfermaria e a interação entre
os dois no final do episódio mostraram habilidades da capitã tanto
no plano tático quanto no pessoal.
Também foi legal ver velhas feridas sendo reabertas, algumas das
quais foram apresentadas já em "Caretaker",
o piloto da série, e que dizem respeito ao passado mercenário de
Paris. Esse tema foi abordado recentemente em "Parturition",
quando Tom e Neelix se entenderam quanto à integridade do piloto.
Desde então, o tenente tem se preocupado em mudar sua reputação
na Voyager. A viagem experimental em dobra 10 seria um modo de fazê-lo.
Toda essa carga emocional revelou bastante sobre sua personalidade.
Tem sido uma característica primária de Tom Paris ser sarcástico
e brincalhão, o que poderia ser interpretado como um escudo que o
protege dos outros. Mas, após morrer e retornar, ele começa a
baixar essa 'defesa', expondo seu lado emocional. Isso pode ser
visto na cena em que ele está na enfermaria e a capitã o visita
para saber como se sente.
Outro aspecto interessante da história foi a continuidade
estabelecida entre este episódio e o anterior, "Alliances".
Pôde-se ver de novo Michael Jonas, o traidor que estabeleceu
contato secretamente com Seska. Isso deixa claro que o arco não
acabará por aqui. Quanto aos efeitos especiais, pudemos ver um dos
primeiros usos de CGI (imagens geradas por computador) na criação
das naves da série. A partir do terceiro ano, as maquetes são
finalmente substituídas por criações em computador. Também vale
destacar a maquiagem aplicada a Robert Duncan McNeill (Paris), que
foi digna de indicação ao Emmy Awards (o Oscar da televisão).
Citações:
Doutor - "Wake up,
lieutenant!"
("Acorde, tenente!")
Janeway - "Congratulations, mr. Paris. You just made history."
("Meus parabéns, sr. Paris. Você acaba de fazer história.")
Doutor - "You are too stubborn to die, mr. Paris."
("É teimoso demais para morrer, sr. Paris.")
Paris - "Pretty disgusting, huh?"
("Bem nojento, não acha?")
Janeway - "I thought about having children, but I must say I
never considered having them with you."
("Pensei em ter filhos, mas devo dizer que nunca considerei tê-los
com você.")
Trivia:
No background científico de Jornada, a dobra 10 equivale à
velocidade infinita. Quando viajando a essa velocidade, um indivíduo
pode ocupar todos os lugares do Universo ao mesmo tempo. É possível
que Tom tenha viajado a uma velocidade além da dobra 10. Neste caso
ele estaria viajando em uma direção dada por um número complexo
(a+bi). Vale lembrar que tudo isso não tem nenhum fundo científico.
É só a boa e velha tecnobaboseira.
Em uma entrevista recente, Robert Duncan McNeill disse ser este episódio
o seu preferido de Voyager, apesar de os fãs considerarem o
segmento um dos piores da série. "Eu realmente gosto de 'Threshold',
aquele em que me transformo em salamandra. A maioria dos fãs odiou.
Eu não ligo. Eu realmente gostei." Pelo menos ele justifica:
"Eu vi uma foto outro dia que mostrava o momento em que minha língua
cai. Foi tão divertido atuar essa nojenta e maravilhosa transformação.
Pelo fato de não trabalhar com próteses o tempo todo, foi
realmente muito transformador para mim enquanto ator também. A
coisa toda, ter próteses na minha frente e ter de lutar para
atravessá-las, permitiu muita liberdade para fazer coisas com Tom
Paris que eu não poderia fazer sob circunstâncias normais".
Ficha
técnica:
História de Michael DeLuca
Roteiro de Brannon Braga
Direção de Alexander Singer
Exibido em 29/01/1996
Produção: 032
Elenco:
Kate Mulgrew como
Kathryn Janeway
Robert Beltran como Chakotay
Roxann Biggs-Dawson como B'Elanna Torres
Robert Duncan McNeill como Tom Paris
Jennifer Lien como Kes
Ethan Phillips como Neelix
Robert Picardo como Doutor
Tim Russ como Tuvok
Garrett Wang como Harry Kim
Elenco convidado:
Raphael Sbarge como Michael Jonas
Mirron E. Willis como Rettik
Majel Barrett-Roddenberry como a voz do computador
Episódio
anterior | Próximo
episódio
|