Série Clássica
Temporada 2

Análise do episódio por
Carlos Santos



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
Teoria do Desenvolvimento Paralelo transporta a Roma Antiga ao espaço

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Sinopse:

Data Estelar: 4040.7.

Numa patrulha de rotina, a Enterprise encontra os destroços da S.S. Beagle, uma nave de reconhecimento que desaparecerecida seis anos antes. A Beagle era uma nave comandada pelo Capitão R.M. Merrik e possuía tripulação de 47 pessoas. Merrik era um velho conhecido de Kirk, da academia. Quando Spock projeta o caminho dos destroços durante o tempo, descobre uma civilização Romana moderna no planeta IV do sistema 892. A Enterprise então intercepta uma transmissão de televisão mostrando uma luta, um gladiador matando “o último dos bárbaros” segundo a narração, que na verdade era um dos tripulantes da Beagle, William B. Harrison.

Depois de se tele-transportarem ao planeta, Kirk, Spock e McCoy são confrontados por um grupo de escravos fugitivos. O grupo de descida é capturado e levado até o líder dos escravos, Septimus, um ex-Senador que agora é um fiel adorador do “Sol”. Apesar do escravo Flavius querer matar o trio da Enterprise, Septimus os aceita como amigos e oferece a eles uma agradável hospitalidade. A extrema semelhança da civilização do sistema 892 com a dos Romanos da Terra aparentemente é uma coincidência, segundo Kirk, demonstrando a validade da Lei de Hodgekin de Desenvolvimento Planetário Paralelo.

Quando Kirk questiona os escravos sobre um homem chamado Merrik, ele descobre que o líder e primeiro cidadão do império é chamado de Merricus. Quando Kirk e seus amigos expressam o interesse de capturar Merricus, Flavius Maximus o escravo que foi gladiador, se oferece para acompanhá-los. Mas, o grupo é capturado por forças legionárias e colocados na prisão. Kirk questiona Flavius sobre a instituição da escravidão no planeta e descobre que os levantes contra o sistema praticamente cessaram após os escravos receberem alguns direitos como assistência médica e pensão do estado. Kirk, Spock e McCoy tentam fugir quando os guardas estão escoltando-os para falar com Merricus, mas este antecipa a intenção do trio, desarmando-os e levando-os até seus aposentos para uma conversa.

Merricus de fato é Merrik, e este diz a Kirk que foi até àquele planeta para obter Iridium para fazer reparos na Beagle, que havia se danificado por causa de um meteoro. No planeta, Merrik conheceu o Primeiro Cônsul Claudius Marcus. Ele também decidiu que não poderia informar sobre a cultura do planeta para a Federação sem contaminá-la. Merrik concordou em ficar, mas acabou por condenar à morte seus tripulantes que não se adaptaram, enviando-os para a Arena para lutar. O Cônsul ordena a Kirk que transporte a tripulação da Enterprise para o planeta, poucos de cada vez. Em vez disso, Kirk alerta Scotty dando “condição verde” como código de que havia e que estava com problemas. Por causa da falta de cooperação de Kirk, Merrik envia McCoy e Spock para lutar na Arena contra os gladiadores Achilles e o recapturado Flavius. Durante a luta, Spock incapacita seus oponentes, salvando a vida de McCoy. Ambos são reenviados para a prisão, enquanto Kirk é entretido por Drusilla, a escrava pessoal do Proconsul, antes de sua execução.

Na Enterprise, Scotty se prepara para cortar a força do planeta inteiro enquanto Kirk está para ser executado ao vivo pela televisão Romana. Antes que a execução possa se concretizar, Flavius intervem e salva Kirk, mas é morto por tiros de metralhadora antes que Scotty consiga cortar a força. Kirk então vai tentar libertar Spock e McCoy da prisão, mas eles são cercados por guardas, Merrik e o Proconsul.

Merrik, que havia roubado um comunicador sinaliza para que a Enterprise os tele-transporte; infelizmente, durante a transmissão da mensagem, Merrik é apunhalado pelo Proconsul, mas à tempo dele jogar o comunicador para Kirk, que juntamente com Spock e McCoy são transportados segundos antes da cela em que se localizavam ser cravejada por balas das metralhadoras dos guardas. A bordo da Enterprise, Uhura descobre que os escravos fugitivos na realidade não eram fies adoradores do “Sol”, mas adoradores do céu, céu de Deus.

 

Comentários:

"Mais uma vez, a Série Clássica opta pela falta de acurácia científica (quais são as chances de haver um planeta exatamente igual à Terra, mesmo levando em conta a vastidão do Universo?) para transmitir com maior força uma metáfora que relacione o episódio com a humanidade. Sem dúvida, é uma das marcas do criador Gene Roddenberry, que foi perpetuada ao longo de toda a série original. É também uma escolha totalmente desnecessária e não-recomendada.

O fato de termos uma cópia da Terra é ruim não só por tornar a tal "mensagem da semana" óbvia demais, mas por ser apenas uma forma fácil de se produzir um teaser interessante para o episódio ("Outra Terra?", Fade Out) e de elevar à enésima potência a falta de verossimilhança da já forçada "teoria do desenvolvimento paralelo dos mundos", criada por Roddenberry para baratear a série usando sempre essa desculpa para apresentar alienígenas com aparência e cultura humanas (essa bobagem seria parcialmente redimida e legitimada com o excelente episódio "The Chase", da sexta temporada de A Nova Geração).”

Salvador Nogueira

Embora não seja a maneira mais original, citar as palavras de Salvador Nogueira sobre “Miri” é sem duvida a mais eficiente ao se começar a tecer algum comentário sobre este segmento de Jornada nas Estrelas, uma vez que as afirmações são totalmente validas mais uma vez. Embora entendamos a necessidade de se caminhar dentro do orçamento, deve existir um limite definido pelo bom senso para o uso de subterfúgios duvidosos. A tal teoria do desenvolvimento paralelo está muito além deste limite.

“Bread and Circuses” tem alguns pontos positivos que acabam sendo ofuscados por uma série de situações que não tem nenhuma credibilidade, como a já citada impossibilidade cientifica de encontrar (mais) um planeta tão semelhante a Terra. Se um já era difícil, que dirá dois, e o pior é que outros viriam.

Mas neste segmento tal opção é extrapolada muito além do limite, ao propor não uma “outra” Terra ambientalmente falando, mas apresentar uma civilização similar em tudo aos Romanos de nossa Terra. Toda a cultura deste povo, sua filosofia Marcial, seu amor pelos jogos, a onipotência e onipresença do estado Romano, as roupas, os títulos, até mesmo os seus Deuses (Júpiter, Marte, e Netuno) são os mesmos que os elemenotos Romanos de mais de 2000 anos atrás. Existe apenas uma diferença aqui, pois nesta Roma, os Romanos falam Inglês.

Mas não é só neste ponto que o segmento peca. Outras concessões são feitas para que a trama apresentada funcione, a começar pela SS. Beagle. Logo no inicio ficamos sabendo que o seu capitão, R.M. Merik, não completou a Academia da Frota Estelar e seguiu para o que Kirk chama de “Serviço Mercante” , o que assumimos que seja um serviço civil. Sendo Merik um civil, devemos concluir que comandava uma nave civil, e tal afirmação inspira algumas questões, como:

Por que uma nave civil estaria tão longe, em uma missão de pesquisa em um setor não conhecido, numa função que parece ser atribuição da Frota Estelar?

Sendo uma nave Civil, a Primeira Diretriz também se aplica ? Apesar de ser um dos postulados mas controvertidos de Jornada nas Estrelas, por duvidar-se de sua eficácia e aplicabilidade, não é de todo inesperado que qualquer membro da Federação e não só da Frota Estelar, que se aventure a viajar pelo espaço, esteja sujeito a ela, mas ainda assim não deixa de ser um fato pouco explicado.

Sendo uma nave civil, por que eles usariam uniformes como os da Tripulação da Enterprise, como sugere Spock ao perguntar a Septimus se ela havia visto homens da tripulação da Beagle ?

O autor tem total compreensão de que todos estes elementos apresentados são subjetivos e podem ser eventualmente justificados, de uma maneira ou de outra, principalmente na Série Clássica, onde Federação e Frota Estelar eram termos pouco definidos no universo de Jornada. A própria Primeira Diretriz nunca pareceu ter a rigidez a qual só conhecemos em A Nova Geração.

Sabemos que é necessária uma dose de compreensão destas e outras questões ao se analisar praticamente todos os episodio da serie, mas para tudo há limites, como já foi dito antes, e quando a exceção vira regra, e passamos a maior parte do episodio justificando este ou aquele acontecimento, ou mesmo ignorando alguns, é sinal de que este limite foi ultrapassado. A partir de tudo isto fica difícil creditar alguma simpatia ao segmento, que tem que lutar a todo o momento contra a os efeitos nocivos gerados por tal escolha a sua verossimilhança.

Pena, pois existem alguns bons momentos na historia a começar pela escolha de Gene Roddenberry de tratar o tema da fé e da crença religiosa. Menos por ser uma série de ficção e mais por ser Roddenberry ateu, a escolha pela abordagem cientifica de praticamente toda e qualquer situação é esperada, porem criticada muitas vezes por certo exagero por parte do criador de Jornada.

Não que o autor (que é religioso) ache que o tema é necessário a Jornada nas Estrelas como um fim em si mesmo, mas sendo a religião parte da cultura da humanidade, que sempre foi o tema central de Jornada nas Estrelas, extirpa-la totalmente do contexto da série sempre pareceu um exagero. Por isto “Bread and Circuses” tem ao o mérito de mostrar o criador da serie ao menos tentando lidar com um assunto sobre o qual não tinha muita conexão, o que em si é louvável.

Sobre o tema, um cético poderia dizer que a abordagem de Roddenberry aponta para o fato de que se há um filho de Deus (Son of God) em um longínquo planeta do espaço, refazendo toda a historia messiânica 2000 anos depois, pode-se concluir que não existe um só “Filho de Deus”. Já um crédulo pode usar o mesmo argumento para dizer que o “Filho de Deus” está em todas as partes.

Embora o segmento tenha o cuidado de tratar da religião antes em seu período de clandestinidade, o que rejeita as instituições religiosas (que nem sempre cumprem o seu papel) de uma forma velada, o foco na filosofia do amor universal como mensagem principal parece, ao menos para o autor, uma aposta acertada em uma mensagem positiva a todos, o que acima de tudo, é o que realmente importa.

Existe ainda um outro ponto eventualmente relegado à religião em sua forma mais pessoal, e tratado por Jornada nas Estrelas em seu sentido mais amplo, que é a Redenção da Humanidade. Normalmente concluímos que a busca pelo conhecimento irá fornecer a chave para esta questão, mas nas entrelinhas podemos ver uma outra abordagem.

Flavius, o gladiador, vencedor de vários duelos na arena, que abraça a filosofia de paz e irmandade e passa a devotar a vida a propagação desta palavra, ainda que a sua forma, endurecido pelos anos na arena onde matar era apenas um esporte. Flavius volta a Arena, onde morre, mas o faz defendendo o que acredita. Ele dá a sua vida pela sua fé e por Kirk, que teria encontrado a morte certa se não fosse pela ação de Flavius.

Outro que faz o mesmo caminho é Merik. O capitão da Beagle falhou em sua missão, esqueceu seu juramento e entregou seus homens um a um. Com certeza é tipo que consideraríamos desprezível, principalmente quando comparamos com Kirk, o nosso protótipo do herói. Entretanto Merik não é simplesmente um vilão ou um homem sem princípios, ele apenas teve medo, algo que normalmente acontece como qualquer ser humano. Merik não tem inveja de Kirk, pelo contrario, ele admira o capitão da Enterprise. No final, Merik faz o sacrifício supremo e entrega a vida para salvar os homens da Enterprise.

Tanto Flavius quanto Merik alcançam à redenção em suas mortes, uma vez que dão a vida pelos seus irmãos, e fazendo isto, completam o sentido da parábola de “Bread and Circuses”.

A participação de Shatner aqui é boa, mas não é necessariamente destacada, ao contrario de Nimoy e Kelley, que produzem situações bem tensas ao longo do segmento e são responsáveis por uma das cenas mais fortes de Jornada nas Estrelas, quando McCoy diz a Spock que o Vulcano não tem medo de morrer por que tem medo de viver e falhar. Se Spock tem medo de viver é uma outra questão, porém o diagnóstico de McCoy a respeito da obsessão do vulcano pela perfeição é singular e exato.

Mas embora os dois passem todo o episodio as turras, a relação de amizade entre eles e mais Jim kirk fica evidenciada em suas ações e preocupações. Kirk sabe que precisa sacrificar seus amigos, mas tal situação claramente o angustia, principalmente pela impotência a qual está sujeito a esta situação. Na Arena Spock sabe que McCoy não sobreviverá sem sua ajuda e passa todo o tempo mais preocupado com o medico do que com ele próprio, e na cela, McCoy consegue ver além da atmosfera de calma aparente de Spock, pois conhece melhor do que ninguém a alma do vulcano. No fim de tudo, o circulo se fecha entre os três de uma forma natural tão natural que não deixa duvidas sobre a química perfeita destes três personagens.

Scotty e Uhura tem atuação importante aqui. O primeiro ao mostrar o seu já reconhecido talento como oficial comandante. Não é a primeira vez que nosso bravo engenheiro tira nossos amigos de uma enrascada, apesar do “timimg” da ação ter sido muito bem sincronizado com os eventos em Terra. Bom quando dá certo.

Já Uhura é responsável por desfazer todo o mal entendido a cerca dos Adoradores do Sol, intervenção absolutamente necessária a compreensão da trama. Sendo a mensagem dos Adoradores do Sol a mensagem de uma minoria perseguida pela disseminação da idéia de que todos os homens (e mulheres) são iguais e da filosofia do amor universal, a encarregar Uhura de tal mensagem parece a escolha lógica e justa.

O episódio flerta ainda com uma critica a voraz competição por audiência entre as TVs e e seu vale tudo pela liderança entre os canais. Tal critica muito pertinente naquela época, tendo em vista que foi tal conceito que acabou por tirar a Série Clássica do ar, ainda é muito mais pertinente nos dias atuais. Temos ainda outros clichês de Jornada, como o fato de mais uma vez nosso trio principal passar algumas horas enjaulados, o affair de Kirk em sua ultima noite com a bela Drusilla.

Logan Ramsey, como Claudius Marcus, da vida a um antagonista muito interessante, e as participações de William Smithers (Merik) e Rhodes Reason (Flavius) também são muito boas, pena que o episodio tenha se perdido muito mais um função do background inadequado do que por suas qualidades intrínsecas. Um desperdício de boas idéias e boas atuações estragados por um conceito absurdo.

 

Citações:

McCoy: "Once, just once, I'd like to be able to land someplace and say, “Behold, I am the Archangel Gabriel.”
("Uma vez que, apenas uma vez, eu gostaria de poder descer em algum lugar e dizer, "Observem, eu sou o Arcanjo Gabriel".)
Spock: "I fail to see the humor in that situation, Doctor."
("Eu falho em ver o humor desta situação".)

Flavius: "What do you call those?"
("Como você chama isto?")
Spock: "I call them ears."
("Eu chamo de orelhas.")
Flavius: "Are you trying to be funny?"
("Está tentando ser engraçado?")
Spock: "Never."
("Nunca.")

McCoy: "I'm trying to thank you, you pointed-ear hobgoblin!"
("Eu estou tentando agradecer-lhe, seu duende de orelhas pontudas.")
Spock: "Oh, yes, you humans have that emotional need to express gratitude. You're welcome, I believe, is the correct response."
("Oh, sim, vocês humanos têm a necessidade emocional de expressar gratidão. Não tem de quê, acredito, é a resposta correta.")

McCoy: "Do you know why you're not afraid to die, Spock? You're more afraid of living. Each day you stay alive is just one more day you might slip and let your human half peek out."
("Sabe por que você não tem medo de morrer, Spock ? Por que você tem mais medo de viver. Cada dia que você permanece vivo é apenas mais um dia em que você pode escorregar e deixar sua metade humana aparecer.")

Kirk: "It is one of our most important laws that none of us may interfere with the affairs of others."
("Uma de nossas leis mais importantes é que nenhum de nos pode interferir com os assuntos de outros.")

 

Trivia:

A Paramount produziu épicos históricos, como Cleópatra. Parte deste figurino foi usado no episódio.

A palavra sol em inglês (sun) tem semelhança com a palavra filho (son), o que causa a falta de entendimento sobre a origem da religião dos “rebeldes”. Tal situação é esclarecida apenas quando Uhura explica esta questão de lingüística..

Spock declara que a numero de mortos na segunda Guerra Mundial teria sido de 21 milhoes, quando na verdade, os mortos chegaram a 60 milhoes. Quanto a ficticia 3 Guerra mundial, Spock diz ter havido 37 milhoes de mortos. Em Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato Riker diz que 600 milhoes teriam morrido no conflito.

Bartell LaRue, que anuncia os jogos na TV, é dono da voz do Guardião da Eternidade em “The City on the Edge of Forever”.

 

Ficha técnica:

Escrito por Gene Roddenberry e Gene L. Coon
Historia de John Kneubuhl
Direção de Ralph Senensky
Exibido em 15 de março de 1968
Produção: 43

Elenco:

William Shatner
como James Tiberius Kirk
Leonard Nimoy
como Spock
DeForest Kelley
como Leonard H. McCoy
Nichelle Nichols como Uhura
George Takei como Hikaru Sulu



Elenco convidado:

William Smithers como Capt. R.M. Merik
Logan Ramsey
como Claudius Marcus
Lois Jewell
como Drusilla
Rhodes Reason
como Flavius

 

Sinopse por Alexandre Bortuluci

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