Sinopse:

Data Estelar: 4523.

Após Kirk descobrir que os pingos se espalharam pela Enterprise através do sistema de ventilação da nave, o capitão fica preocupado que os pingos possam ter infestado os compartimentos de armazenamento dos grãos da estação, já que esta possuía o mesmo sistema de ventilação da nave.

O receio de Kirk prova estar correto quando o capitão abre um dos compartimentos e muitos pingos caem sobre sua cabeça. Spock calculou que deveria existir 1.771.561 pingos na estação, assumindo que cada pingo dava origem a mais 10 a cada 12 horas, num período de 3 dias. Mas, Spock percebe que, inexplicavelmente, muitos dos pingos estavam mortos: O grão havia sido envenenado. Todos vão para o escritório da Estação Espacial, que também está cheio de pingos. Um destes começa a gritar e tremer para o assistente de Baris, o Darvin. Kirk verifica que os pingos gostam de humanos e vulcanos, mas que se incomodam com os klingons.

O capitão pede que o Dr. McCoy faça um exame no Sr. Darvin, sendo descoberto que este era um klingon. Darvin admite que era um agente infiltrado e que havia envenenado o grão quadrotritical, sendo preso. Kirk então ordena que os klingons deixem o espaço da Federação rapidamente. Kirk ordena também que Cyrano Jones recolha todos os pingos da estação, tarefa que Spock estima que leve 17,9 anos para ser completada.

Outro transporte espacial é desviado para fornecer os grãos para o planeta Sherman, mas isso não resolve o problema de remoção dos pingos da Enterprise. As pequenas criaturas são removidas da nave quando Scotty tele-transporta todos eles para a nave klingon, onde os pingos não apreciariam a nova casa, mas definitivamente os klingons apreciariam menos ainda seus novos passageiros.

Comentários:

"The Trouble with Tribbles" é um interessante segmento da Série Clássica, e tem como sua maior virtude a fluidez com a qual os acontecimentos se desenrolam dentro de sua execução. Partindo de uma situação potencialmente perigosa, que envolve a disputa com os Klingons pelo planeta Sherman, o segmento evolui de forma a se transformar em um dos mais divertidos episódios de Jornada nas Estrelas.

Entretanto, pode-se assistir ao episodio varias vezes procurando pelos motivos que o fazem ser tão agradável sem se cansar, mas também sem que se chegue a uma conclusão a respeito. Talvez a resposta resida exatamente na simplicidade. Começando por um roteiro que se preocupa apenas em dar material para que seus personagens façam seu trabalho de forma eficiente, David Gerrold, co-responsável também pela historia de “I, Mudd”, entre outras, parece ter certa habilidade para a comedia, o que é um dom raro.

Pórem, diferente de “I, Mudd”, que executava um humor mais sofisticado e experimental, o atual segmento assume uma linha que mais o assemelha a um sitcom, com um humor mais cotidiano, pelo menos o cotidiano de uma tripulação de nave estelar. Neste sentido talvez resida uma grande influencia de Joseph Pevney. Pevney que esteve à frente de clássicos absolutos da serie original como "The City on the Edge of Forever", "Journey to Babel" e "The Devil in the Dark", entre diversos outros, também esteve à frente da direção de diversos episódios da série “The Munsters”, transmitida pela NBC entre 1964-1966, o que parece ter afinado sua veia cômica. A dupla Gerrold/Pevney executa um trabalho de elegância absoluta com um resultado brilhante.

Diz-se com muita propriedade que rir de si mesmo é uma qualidade que deve sempre ser exercitada e tal qualidade é exercitada aqui, com sucesso. O plot “Klingon-Planeta Sherman- quadrotritical” não tem nenhuma importância em si, e serve apenas para movimentar os eventos, que vão se apresentando de cena em cena. Começando pela surpresa de Kirk ao chegar à estação K7 preparado para uma batalha e encontrar representante da Federação um assustado com a segurança de seus grãos.

Fosse este um episodio sério, baseado nas informações dadas por Spock sobre a importância do planeta Sherman para a Federação, deveríamos concluir que o secretario Baris tinha toda razão em estar preocupado, e que os arranjos para a segurança da carga realmente eram completamente inadequados. Além disto considerando as características de alimentação e reprodução dos Pingos - outro charme deste segmento - a ameaça que tais criaturas representam principalmente em um ambiente confinado como uma estação espacial, o perigo potencial que elas representam também é por demais subestimado.

Mas como tudo é muito “cool” em "The Trouble with Tribbles", passamos a assistir Kirk tripudiar sobre o pobre secretario todo o tempo, e é claro, nos divertimos muito com isto. As coisas vão acontecendo até que de repente o episodio acabou, com os Klingons desmascarados, o orgulho de Kirk re-estabelecido e a praga de pingos controlada, isto é claro, se você não for um Klingon a bordo da nave do capitão Koloth.

É interessante observar que o episódio é coerente com o comportamento padrão do capitão da Enterprise, que não parece muito confortável ao lidar com os representes civis (políticos) da Federação, sem duvida um reflexo do desconforto que muitos sentiam em relação à política norte americana da década de sessenta, e ponto varias vezes sublinhado nas estrelinhas da Série Clássica.

Mas não é só Baris que é tripudiado. O próprio Kirk passa por situações melindrosas, começando pela sua reação ao perceber que ele parece ser o único não saber o que é “quadrotritical”, passando pela decepção ao descobrir que seu oficial comandante Scotty havia começado uma briga por que um Klingon havia insultado a Enterprise, e não por ter insultado seu capitão, e é claro, a cena cômica mais conhecida de toda a galáxia, o banho de pingos em nosso bravo capitão.

E por falar em cenas duas ao menos não poderiam deixar de ser citadas com uma menção especial. Primeiro a briga no bar, ao melhor estilo Western, também está nos anais da mitologia trekker, é claro. Segundo, o final tradicional na ponte da Enterprise, desta vez reunindo todos os tripulantes principais, e com Scotty tendo a ultima palavra em outro instante eterno de Jornada. Todos estes momentos mágicos podem ser revisitados a exaustão e ainda despertar ao menos um sorriso no fã da Série Clássica, e mesmo nos não iniciados.

E falando em tripulantes, este é outro fator que faz deste um segmento especial, a utilização de praticamente todos os personagens do cast principal da série. Scott, McCoy, Uhura e Chevok estão muito bem inseridos no desenrolar do episodio, cada um a sua maneira, e demonstram uma harmonia que ajuda a justificar por que personagens tão pouco aproveitados em toda a existência da serie contam prestigio muitas vezes inversamente proporcional a sua participação em Jornada.

As diversas tiradas inconseqüentes de Chekov sobre tudo ter sido descoberto ou inventado na Rússia, a fascinação quase infantil de Scotty por engenharia e é claro, pela Enterprise, o bom humor a respeito de quase tudo e ao mesmo tempo a reação sempre passional de McCoy quando toma partido de algo ou alguém, a beleza única e a voz afinada de Uhura, são marcas registradas destes personagens que se tornariam inconfundíveis ao longo do tempo. Tais características entre outras já foram e voltarão e ser apresentadas em outros episódios, mas sempre que estes elementos são usados juntos e em equilíbrio, o resultado é agradavelmente positivo. A nota negativa sobre assunto, e que assim como em “I, Mudd” outra vez George Takei foi negligenciado.

Kirk e Spock têm também atuação destacada, tendo conseguido trabalhar muito bem dentro desta proposta mais bem humorada. Nimoy consegue manter o nível de suas boas atuações, e usa com muita eficiência as oportunidades que roteiro lhe fornece para fazer rir, sem perder a pose e fazendo um perfeito contraponto a Shatner, que merece uma menção honrosa. Criticado por muitos que questionam suas qualidades como ator, ele consegue trabalhar muito bem aqui, brilhando tanto quanto Nimoy, com uma atuação leve, porém segura e sincronizada com todo o contexto, contribuindo de forma decisiva para o sucesso do segmento. Nota 10 para dupla.

Os atores convidados têm uma boa participação, em especial o mascate das galáxias Cyrano Jones (Stanley Adams), um cidadão simpático que acaba por causar um grande problema ao retirar os pingos de habitat natural, como disse Spock, e com isto transformar esta adorável criatura em uma praga. William Campbell, que interpreta Koloth, o segundo Klingon a aparecer em Jornada nas Estrelas, não teve importância significativa, mas também não comprometeu. Justiça seja feita, ele tinha pouco aqui com o material dado a ele. Não há como um roteiro fornecer momentos importantes para tanta gente em tão pouco tempo.

Enfim o resultado de tudo isto é um episodio divertido com qualidades de um bom vinho, que reforça o sabor com o passar dos anos e mantêm um charme irresistível.

Citações:

O segmento introduz algumas informações da mitologia da franquia, como o conhecimento da batalha de Donatu V, travada entre Federação e Klingons, e a revelação da existência do tratado de paz de Orgânia, aparentemente imposto pelo “Organianos” a partir dos incidentes de “Errand of Mercy”. Tal postulado nunca foi muito bem esclarecido além dos fatos mostrados aqui, e parecem apontar para um desdobramento dos fatos posteriormente aos eventos daquele episodio, mas isto fica no terreno das especulações, que com o passar dos anos, foram canonizadas pela mitologia da Série Clássica.

Os “pingos” fizeram tanto sucesso que se tornaram itens de venda pelo correio ou convenções. Estes itens eram confeccionados em pequena escala, mas posteriormente uma empresa adquiriu os direitos lançando uma variada linha das criaturinhas. Os produtos incluíam chaveiros, adesivos broches e camisetas.

Whit Bissell é bem conhecido dos fãs brasileiros pelo seu papel como General Heywood Kirk em “Time Tunnel”. O ator viria a falecer aos 87 anos em 5 de março de 1996 vitima de mal de Parkinson.

William Campbell interpretou o inesquecível Trelane em “The Squire of Gothos”. Seu personagem, o Klingon Koloth, deveria ser recorrente, mas o ator não estava disponível quando requisitado, sendo substituído, assim como o personagem. Campbell retornaria a Jornada nas Estrelas em Deep Space Nine, no episódio "Blood Oath", ainda como Koloth.

Stanley Adams co-escreveu a história de “The Mark of Gideon”, episódio da terceira temporada da Série Clássica. Em 1977, Adams suicidou-se aos 62 anos.

Michael Pataki retornaria a Jornada nas Estrelas em a A Nova Geração como Governador Karnas, no episódio “Too Short A Season”.

David L. Ross interpreta pela 6 vez o tenente Galloway. Ator voltaria ao “papel” em mais dois episódios da Série Clássica, incluindo “Turnabout Intruder”, o que faz deste o “red shirt” de maior longevidade do seriado.

Charlie Brill retornaria a seu personagem, Arne Darvin, no episodio de Deep Space Nine “Trials and Tribble-ations”.

O episódio foi indicado ao premio Hugo em 1968.

Os pingos voltariam a Jornada nas Estrelas por mais duas vezes. Na Série Animada, em “More Tribbles, More Troubles” e em Deep Space Nine, no episódio "Trials and Tribble-ations", que foi ao ar em 1996 em comemoração ao trigésimo aniversário da primeira transmissão de Jornada nas Estrelas. A tripulação da Defiant é transportada para o passado em meio aos eventos de “The Trouble With Tribbles”, onde precisam impedir um plano de vingança de Arne Darvin para se vingar de Kirk e alterar a história.

David Gerrold participa de "Trials and Tribble-ations" fazendo uma ponta como oficial de segurança a bordo da Enterprise.

A vida imita a arte e Jornada nas Estrelas, que apresenta o primeiro grão transgênico da televisão, o quadrotritical.

A citada série “The Munsters” (Os Monstros), que competia com outro clássico, foi exibida em terras tupiniquins pela extinta TV Tupi e também pela TVS (atual SBT) e narrava o cotidiano de família de monstros e suas dificuldades em se relacionar com o mundo “normal”.

Em 2003, um gene da mosca-das-frutas drosófila foi batizado como "tribbles", em homenagem aos “pingos” O gene, que se reproduz alucinadamente é uma pista para um novo tratamento contra diabetes tipo 2, a forma da doença que afeta principalmente idosos e pessoas acima do peso. O gene participa da regulagem do ciclo celular. Células de moscas nas qual a ação desse gene é acentuada se reproduzem de modo descontrolado, assim como os "pingos".