Um dos maiores lugares comuns, senão o maior, da Série
Clássica é a forma como esta é montada em torno do “grande trio” Kirk, Spock
e McCoy, e como estes se relacionam dentro do contexto da série. Pois bem, neste
segmento podemos observar com detalhes extremos com se dá esta relação entre estes
personagens, uma vez que grande parte da trama de “Operation: Annihilate!”
tira um raio X deste relacionamento. Em breve chegaremos neste ponto. Antes
de disto é obrigatório passarmos pela personagem James T. Kirk, que tem neste
episodio elementos acrescentados a sua vida particular. Kirk, que começou como
um destemido e aventureiro capitão da Frota Estelar teve ao longo da série Clássica
poucos momentos onde precisou lidar com problemas tão pessoais. Nesta primeira
temporada, somente em “The City on the Edge of Forever”
ele tenha tido uma questão deste tipo nas mãos.
Para
começar “Operation: Annihilate!” dá uma família a Kirk, e embora a maior
parte desta não chegue a fim do episodio este é um acréscimo significativo ao
seu histórico, e se não será algo explorado ao longo da Série Clássica
pelo menos aqui se torna um diferencial importante, pois lhe dá uma face mais
humana. Embora seja algo meio clichê (começo a me perguntar o que não é) criar
uma encrenca qualquer e incluir dentro desta encrenca em ente querido a fim de
proporcionar algum conflito, aqui este artifício tem sua utilidade. É a primeira
vez que vemos Kirk tão perturbado e confuso. Ponto para a interpretação de Shatner
que consegue descer do altar de herói inabalável com bastante eficiência.
Se
a perda do irmão e da cunhada deixam Kirk abalado, a eminência de perder o sobrinho
e depois Spock, seu primeiro oficial e amigo, o deixam ainda mais aflito, o que
conforme dissemos antes, dá a Shatner uma boa oportunidade de atuar bem. Mas a
contaminação de Spock também fornece um bom pretexto para que ele mostre com todas
as letras o que é ser Vulcano, enquanto precisa se controlar para não ser dominado.
Nimoy consegue sucesso em passar para a audiência a dificuldade de vencer a
criatura em seu corpo, e sua determinação em prosseguir com seu trabalho apesar
da dor e da quase certeza de que estava condenado. Ele se oferece para ir a planeta,
tirando de Kirk o fardo de arriscar mais alguém para executar uma tarefa que cedo
ou tarde teria que ser feita, ou mais tarde, esclarecendo a todos que Kirk precisará,
pela responsabilidade que tem, ordenar a morte de seu sobrinho, e dele mesmo.
Spock faz isto para deixar claro a todos que não culpa Kirk pelo que ele terá
que fazer, e que ninguém mais deverá fazê-lo, ou ainda se oferecendo de imediato
como voluntário para a experiência. Estes momentos agregam ainda mais valor ao
caráter deste personagem tão querido e tão respeitado pelos fãs, justamente por
sua presença de espírito em situações como esta.
DeForest Kelley tem uma de
suas atuações mais destacas da primeira temporada, não só pelo tempo em tela dedicado
a seu personagem, como pela sua importância. Neste segmento ele tem a chance de
mostrar sua competência e responsabilidade enquanto médico, sua sensibilidade
quanto à situação de seus dois amigos. Ele está sempre presente, ora em sua preocupação
quanto ao estado de saúde Spock, ora servindo como um conselheiro, ao lembrar
a Kirk suas responsabilidades de comando, apesar de suas perdas e sua preocupação
com seus amigos.
E é justamente
da química entre os três personagens que surge a força motriz que faz as peças
que movimentam o episodio se posicionarem. Spock sabe que Kirk precisa de seu
melhor homem nesta hora, Kirk sabe que é a sobrevivência de seu amigo, (e conseqüentemente
de seu sobrinho e da população de Deneva) dependem de sua competência de comando,
assim como dependem também da competência de Mccoy, que precisa motivar Kirk a
ajudá-lo a manter com o foco na questão principal. Um circulo, que se fecha em
torno dos três, ou três linhas paralelas que no final acabarão por convergir.
Quando o círculo se fecha, Kirk retorna ao comando de suas ações, voltando
a agir com firmeza e motivando seus homens a darem o melhor de si, ou seja, liderando.
Embora a negativa de Kirk quanto a opção de eliminar toda a vida em Deneva tenha
mais a ver com a aceitação da responsabilidade de ordenar a morte de um milhão
de pessoas, o que é algo absolutamente compreensível e saudável, do que propriamente
com uma decisão de comando. Mas em seguida ele dá uma contribuição significativa
na busca da solução ao perceber um detalhe que seus amigos (e especialistas) não
viram e engana-se quem pensa que este tipo de situação não acontece no mundo real.
Mais uma vez duelo lógica versus paixão se desenrola a bordo da Enterprise,
tendo é claro Spock e McCoy como contendores, mas aqui o episódio deixa claro
que quando ambos trabalham em conjunto, quando razão e emoção se equilibram através
de um elemento catalisador (Kirk) e chegam a um meio termo, é que se obtém o melhor
do dois mundos. Apesar das rusgas, o episodio deixa transparecer nas entrelinhas
a admiração que ambos nutrem um pelo outro.
Com o termino da experiência e
como resultado, a cegueira de Spock, abre-se uma nova janela dentro do episodio.
Que ele ia recuperar a visão de alguma maneira, todo mundo já sabia, a questão
é : Havia um propósito na cegueira de Spock ? Penso que sim. Apesar de tentar
não demonstrar, Spock esta em choque com sua situação, mas mesmo assim ainda se
sente que precisa proteger McCoy do sentimento de responsabilidade, agregando
mais ainda a personagem. Ainda podemos observar a reação de McCoy e seu sentimento
de falha, de fracasso, ao perceber que poderia ter evitado tal situação. Ele não
culpa a pressa de Kirk, mas a si mesmo, assumindo para si tal responsabilidade.
É importante frisar que cada um dos três um forte momento emocional pelo menos
ao longo do episodio. Kirk, ao encontrar o irmão morto, Spock, ao descobrir-se
cego, e McCoy, ao perceber que podia ter evitado isto. No fim das contas, a falsa
encrenca em Deneva serviu apenas para que pudéssemos saborear um legítimo episídio
de Jornada nas Estrelas, com o melhor do grande trio em ação, tendo cada
um deles conseguido deixar uma marca forte da Série Clássica.
O
episódio não ganha nota máxima muito em função da falsa encrenca em Deneva.. Falsa
por que parece estranho que todo um planeta tenha sido dominado pelas tais criaturas,
uma vez que fica claro durante o episodio que estas não podem ter tomado o todo
a colônia de uma única vez. Não dá para acreditar que ninguém tenha conseguido
mandar uma mensagem ou que não houvesse naves disponíveis em Deneva que permitissem
a alguém levar pessoas com algum aviso sobre o que estava acontecendo. Sem falar
que não dá para entender por que uma colônia da Federação fica um ano sem fazer
nenhum contato e se demora tanto para investigar, principalmente em se pensando
em século 23. Para piorar, McCoy diz que não havia nenhuma razão médica que explicassem
os fenômenos anteriores, que foram relacionados com a crise em Deneva. Quer dizer
que ninguém em lugar nenhum pensou em fazer ao menos uma autopsia de algum pobre
coitado dos planetas anteriormente atacados, pelo menos nos mais recentes, pois
se tivesse teria chegado às mesmas conclusões de McCoy. Tais detalhes não derrubam
o episodio, mas faz exigir uma boa dose de suspensão de descrença para que ele
funcione.
Além disto o cenário das externas dá uma “cara” bem singular a este
episodio, mas apesar da boa vontade da produção neste sentido ele é mal aproveitado.
Há sempre uma impressão de “deslocamento” tanto da equipe da Enterprise quanto
dos “nativos” Denevianos. Existe uma matéria no TB sobre os cenários artificiais
da Série Clássica terem contribuído para manter sua “atualidade”. Este
episódio é um perfeito exemplo disto, ao mostrar que as externas em ambiente urbano
nem sempre são um cenário amigável para a Série Clássica.
No capítulo
“criaturas da semana”, acho que não vale pena discutir a caracterização das mesmas,
pois é chover no molhado falar sobre as dificuldades técnicas da época para executar
tal tarefa, mas o que eu gostaria de saber que lugar seria este, “onde as nossas
leis físicas não se aplicam”!? Uma bobagem desnecessária, mas de vez em quando
repetida quando se quer justificar algo e não se sabe muito bem como em Jornada
nas Estrelas.
De significativo, apenas a noção que a descrição das criaturas
remete imediatamente à coletividade Borg, fazendo pensar se os parasitas de Deneva
não teriam sido uma fonte de inspiração para os vilões da Nova Geração.
Mais ainda, apesar do aspecto marcadamente emocional do segmento, é estranho
ver que Kirk tenha aceitado de forma tão serena, ao fim do episodio, a morte do
irmão e da cunhada, conforme é demonstrado no tradicional momento de descontração
na ponte. Pena, pois a condução do personagem no que diz respeito a esta perda,
até então correta, foi muito importante para o contexto do episódio.
Por falar
no final, com a crise resolvida, temos mais uma dose daquele velho e bem vindo
bom humor da Série Clássica, e tiradas inesquecíveis como a fala sobre
as orelhas de Spock, e seu olhar de contentamento ao ver McCoy embaraçado, mais
uma vez.
Em resumo, se a Série Clássica é pautada nas relações de amizade
e companheirismo do “grande trio”, permeadas com alguma dose de bom humor, “Operation:
Annihilate!” é realização total deste relacionamento, uma amostra fiel de
como as competências e características dos três personagens se unem de forma a
montar um “todo” coerente e sólido. Um coquetel do que há de mais significativo
nesta primeira edição da franquia.