MANCHETE
DO EPISÓDIO
Aventura espacial esconde discussão
sobre os limites da ética psiquiátrica
Episódio
anterior | Próximo episódio
Sinopse:
Data Estelar:
2715.1.
A
Enterprise vai até a Colônia Penal Tantalus para entregar
suprimentos. Durante a troca de carga, um detento escapa para a
Enterprise, escondendo-se em um contêiner transportado a bordo.
Depois de detido, Spock o identifica como sendo Simon van Gelder, um
dos membros da equipe psiquiátrica do complexo. O médico está
apresentando fortes sintomas de transtorno e insanidade maníaca. O
impulso de Kirk é devolvê-lo à colônia, mas McCoy insiste para
que seja realizada uma investigação. O capitão lembra o oficial-médico
chege da reputação excelente de Tantalus e seu diretor, o dr.
Tristan Adams, mas McCoy não se convence.
Kirk resolve então descer ao complexo, acompanhado pela dra. Helen
Noel, uma oficial da Enterprise com formação psiquiátrica. Os
dois fazem um tour pela instalação, acompanhados pelo doutor
Adams. Durante a visita, eles descobrem que Van Gelder teve sua
mente danificada por um equipamento chamado Neutralizador Neural.
Segundo Adams, Van Gelder tentou usar a máquina em si mesmo e sem
supervisão, o que causou o dano.
Enquanto
isso, Spock e McCoy prosseguem tentando descobrir algo com Van
Gelder, que parece sofrer de intensa dor toda vez que tenta se
lembrar do que aconteceu com ele em Tantalus. Somente depois que
Spock realiza um Elo Mental Vulcano com o médico insano que ele
descobre que na verdade Van Gelder foi vítima de um experimento do
doutor Adams com o Neutralizador Neural --um que ele está
realizando com detentos e seus funcionários.
No
planeta, Kirk e Noel terminam o seu tour e voltam a seus aposentos.
Ainda não totalmente convencido dos fatos, Kirk decide fazer nova
visita à sala do Neutralizador Neural, desta vez acompanhado apenas
por sua oficial. Lá eles são surpreendidos pelo doutor Adams e sua
equipe. Adams usa o equipamento para plantar uma forte paixão em
Kirk por sua acompanhante. Após a experiência, os dois oficiais da
Enterprise são mantidos prisioneiros.
Entretanto, Noel escapa pelos dutos de ar-condicionado até a sala
de energia, onde ela desliga toda a força do complexo, provocando a
queda dos escudos em volta da instalação e permitindo que Spock se
teleporte com um grupo de seguranças.
Com
a queda de energia, o Neutralizador Neural pára de funcionar, e
Kirk é capaz de lutar com Adams. Ele foge, mas Adams não deixa a
sala a tempo --a energia é restaurada e o médico é vítima de seu
próprio experimento malévolo. A exposição à máquina leva Adams
à morte. Já Van Gelder consegue se recuperar e se torna o novo
diretor da Colônia Tantalus. Sua primeira decisão é desmontar o
Neutralizador Neural.
Comentários:
"Dagger of the Mind" é uma
história aparentemente inofensiva. Mas por trás de um argumento
escrito em tom aventureiro, se escondem críticas fortes e
questionamentos inteligentes a questões cruciais da ética médica.
Em primeira instância, o que temos é um doido varrido, cuja
maluquice foi induzido por um médico, este sim um legítimo maluco,
que usa uma máquina devastadora para fazer lavagem cerebral em quem
está por perto. Para os executivos da NBC, parecia uma historinha
bem no estilo "monstro da semana", que eles tanto
apreciavam.
Entretanto,
por trás disso, há uma metáfora muito mais poderosa. O verdadeiro
questionamento é: que instrumentos são legítimos na prática
psiquiátrica? Pode um médico, em nome do que a sociedade chama de
"normal", usar todos os recursos a sua disposição para
trazer os considerados "loucos" de volta ao
"rebanho" da humanidade?
Se você perguntasse ao doutor Tristan Adams, ele provavelmente
diria que sim. Até o próprio Kirk, no começo do episódio,
consideraria tal hipótese válida, sob o ingênuo raciocínio de
que as "novas colônias de reabilitação são mais humanas do
que jamais o foram". Mas depois de ver o nefasto Neutralizador
Neural do doutor Adams em operação, ninguém pode concordar que tão
violentos estupros mentais possam ser permitidos.
Claro, não há nada na história que indique a motivação do
doutor Adams para sair colocando todo mundo em seu brinquedinho, a
torto e a direito (exceto pelo fato de que ele mesmo era maluco),
mas a grande sacada da história é que ela não passa de uma
amplificação do que um psiquiatra faz ao "modificar" a
mente das pessoas para "adequá-las" à sociedade.
Óbvio
que não é essa a reação que o episódio levanta na maioria das
pessoas que o assistem. Para a grande massa da audiência, assim
como para a NBC, era apenas mais uma aventura espacial, descrita nos
termos simples de seu enredo. Mas, mesmo sob essa análise
superficial, há muitos méritos para o episódio --ele é
extremamente divertido e muito rico no desenvolvimento das relações
dos personagens.
A começar por Spock e McCoy, que aqui aparecem muito mais
trabalhando em equipe do que formando o antagonismo normalmente
apresentado que há Kirk no meio. A saída do capitão obriga os
dois a agirem em parceria, deixando as picuinhas de lado (esse fenômeno
seria mais explorado em "The Tholian Web", do
terceiro ano).
O
relacionamento entre McCoy e Kirk parece já bastante desenvolvido,
com indiretas e sugestões de parte a parte. A escolha de McCoy, ao
escalar Helen Noel para acompanhar o capitão, gera uma cena hilária
na sala de transporte, quando Kirk deixa um "recadinho" ao
médico, logo depois de interromper Noel de revelar a todos os
presentes em que circunstâncias os dois se conheceram...
Apesar do comportamento interessante e cativante do trio
Kirk-Spock-McCoy e da beleza estonteante de Marianna Hill (Helen
Noel), quem rouba a cena mesmo é o enlouquecido Simon van Gelder,
interpretado por Morgan Woodward. O ator desempenhou tão bem suas
funções, mostrando a luta interna de seu personagem para revelar
os horrores de Tristan Adams, que acabou ganhando outro papel em Jornada,
no episódio "The Omega Glory", do segundo ano da série.
Pontos
negativos ficam para a interpretação inócua de James Gregory,
como Tristan Adams, e a reciclagem da pintura que já havia
representado a estação de processamento de lítio em Delta Vega,
no episódio "Where No Man Has Gone
Before". A produção poderia ter mudado as cores para
dar a ilusão de que se trata de outro lugar. Nem isso.
Sorte que a Série Clássica nunca dependeu de grandes
efeitos visuais ou cenários mirabolantes para contar e encantar com
suas histórias. Mais uma vez, essa regra prevaleceu.
Citações:
Adams - "To all mankind --may we never
find space so vast, planets so cold, heart and mind so empty that we
cannot fill them with love and warmth."
("A toda a humanidade --que nunca encontremos espaço tão
vasto, planetas tão frios, cabeças e mentes tão vazias que não
possamos preencher com amor e calor.")
Kirk - "One of the advantages of being a captain is being
able to ask for advice without necessarily having to take it."
("Uma das vantagens de ser um capitão é poder pedir por
conselho sem necessariamente ter de segui-lo.")
Spock - "You, Earth people, glorified organized violence for
forty centuries. But you imprison those who employ it privately."
("Vocês, povo da Terra, glorificaram violência organizada por
quarenta séculos. Mas vocês prendem aqueles que a empregam
particularmente.")
McCoy - "It's hard to believe that a man could die of
loneliness."
("É difícil acreditar que um homem pode morrer de solidão.")
Kirk - "Not when you've sat in that room."
("Não quando você sentou naquela sala.")
Trivia:
O episódio marca o primeiro uso do Elo Mental Vulcano (Vulcan Mind
Meld). Esse primeiro elo entre Spock e Van Gelder envolve muito mais
preparação (com "a derrubada de barreiras pessoais")
para poder ser executado. Ao longo da série, o Elo Mental foi
perdendo seu tom de seriedade e passou a ser usado corriqueiramente
como forma de resolver problemas de roteiro. Aqui ainda parecia
muito pessoal e misterioso.
O título do
episódio vem da peça "Macbeth", de William Shakespeare.
"Is this a dagger which I see before me/Or art thou but a
dagger of the mind" ("É isso um punhal que vejo diante de
mim/Ou és tu nada exceto um punhal da mente").
O nome da
assistente que o dr. Adams apresenta como uma ex-detenta que agora
é terapeuta não é Lethe à toa. Trata-se do nome de um rio em
Hades que faz com que os que bebam de sua água esqueçam seu
passado.
O episódio
marca a segunda vez que Kirk revela seus sentimentos contidos
relativos à solidão do comando e seu desejo por amor (a primeira
foi em "The Naked Time").
Aqui ele também reforça sua fama de maior "limpa-trilho"
da galáxia, ao dar uns agarros em Helen Noel.
Para Leonard
Nimoy, o episódio não só questiona ferramentas psiquiátricas,
como a própria prática médica. "Neste caso parece que o
cientista que ficou louco é o psiquiatra e Van Gelder faz referência
a ele substituir os pensamentos de outras pessoas com seus próprios
ou moldar e manipular a mente das pessoas para sua própria satisfação.
Essa pode ser uma pincelada mais ampla do que simplesmente examinar
as ferramentas da psiquiatria, pode de fato estar questionando a
psiquiatria enquantro prática."
Ficha
técnica:
Escrito por S.
Bar-David (Shimon Wincelberg)
Direção de Vincent McEveety
Exibido em 03/11/1966
Produção: 11
Elenco:
William Shatner como James Tiberius Kirk
Leonard Nimoy como Spock
DeForest Kelley como Leonard H. McCoy
Nichelle Nichols como Uhura
Elenco convidado:
James Gregory como Tristan Adams
Morgan Woodward como Simon van Gelder
Marianna Hill como Helen Noel
Larry Anthony como tenente Berkeley
Suzanne Wasson como Lethe
Episódio
anterior | Próximo episódio
|