A Nova Geração
Temporada 6

Análise do episódio por
Salvador Nogueira



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
Episódio tenta falar de hipocondria,
mas se perde em high-concepts

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Sinopse:

Data Estelar: 46041.1.

A Enterprise é enviada para investigar o paradeiro da USS Yosemite, uma nave de pesquisa da Frota Estelar enviada para estudar o fluxo de plasma em uma estrela binária. Chegando nas imediações do local, Picard e cia. descobrem a nave perdida imersa no fluxo de plasma. Tentativas de comunicação fracassam, e os sensores não conseguem vencer a interferência e determinar se há formas de vida a bordo.

Procurando uma alternativa, Picard decide enviar um grupo avançado até a nave via teletransporte, uma vez que uma nave auxiliar não suportaria a pressão exercida pelo plasma estelar que envolvia a Yosemite. Riker convoca Worf, Crusher e Geordi, para a missão. O engenheiro, por sua vez, chama Reginald Barclay, por requisitar sua especialidade naquela tarefa específica. Mesmo hesitante, o tenente é obrigado a ir.

O chefe de transporte O'Brien informa que o sistema só irá funcionar se os equipamentos de teletransporte da Enterprise e da Yosemite trabalharem juntos. Ele estabelece a conexão e o sincronismo sem dificuldade, mas alerta que ao grupo avançado que o processo de teleporte só será possível com um de cada vez e levará o dobro do tempo normal. Todos concordam e são, um a um, transportados. Quando chega a vez de Barclay, ele não resiste à pressão e simplesmente abandona a sala de transporte. O grupo avançado segue com os trabalhos sem a ajuda do engenheiro.

A bordo da Yosemite, eles encontram apenas um corpo, totalmente queimado. Os outros tripulantes estão desaparecidos. E o sistema de teletransporte, embora funcional, apresenta diversas avarias consistentes com uma explosão. A hipótese é corroborada por restos de um recipiente espalhados por sobre a plataforma, provavelmente danificado pela mesma explosão. Crusher não está certa sobre a causa da morte do tripulante encontrado e pede a Riker autorização para levar o corpo à Enterprise para autópsia. O primeiro-oficial concorda.

Enquanto isso, a bordo da Enterprise, Jean-Luc Picard é contatado pelo almirantado da Frota, que relata sobre um possível ataque Cardassiano a outra nave da Federação naquele setor. Picard revela que existe a possibilidade de a Yosemite também ter sido atacada --dada a explosão que lá ocorreu--, mas que seu grupo ainda não pôde determinar o fato. Ele se compromete a avisar imediatamente, caso se confirme a hipótese de um ataque.

Paralelamente, Barclay vai procurar a conselheira Troi para tentar resolver seu medo do teleporte. Depois de uma conversa, Deanna o convence de que seu temor é absolutamente normal e ensina ao engenheiro uma técnica de relaxamento Betazóide. Revigorado pela confiança, Barclay decide se juntar ao grupo avançado. Ele se teleporta para a Yosemite e é bem recebido por seus colegas. Entretanto, o trabalho não se demora muito por lá e logo todos estão retornando.

Quando Barclay está se teletransportando de volta à Enterprise, ele passa por uma estranha experiência. No momento em que ele está se desfazendo, ele observa, no feixe de transporte, uma criatura estranha. Parecida com um verme gigante, ela torna-se cada vez mais ameaçadora e chega até a morder o braço esquerdo do engenheiro antes que ele se rematerialize na plataforma da Enterprise.

Barclay relata o ocorrido, e Geordi ordena que O'Brien faça uma revisão completa do sistema de teletransporte, na tentativa de explicar o fenômeno. Entretanto, todas as análises dão o mesmo resultado: o transporte estava totalmente operacional. Diante disso, todos começam a acreditar que tudo não passou de um produto da imaginação de Barclay. Inclusive ele passa a acreditar nisso, cada vez mais convencido de que possui uma doença chamada psicose do transporte, diagnosticada pela primeira vez em 2209 e sem tratamento conhecido.

Com essa idéia cada vez mais incutida em sua mente, ele começa a se comportar de forma mais nervosa e estranha a cada momento. Quando ele se recusa a conversar com a conselheira Troi a respeito, ela usa de seus poderes médicos a bordo e o dispensa do serviço. Mais insatisfeito ainda, Barclay se isola em seus aposentos, onde começa a amargurar os sintomas da suposta doença. O mais impressionante deles é a sensação de que seu braço esquerdo, que teria sido tocado pela criatura, fica azulado e brilhante em alguns momentos.

Enquanto isso, Data e Geordi continuam analisando os fragmentos de vidro encontrados na Yosemite e concluem que o que aconteceu por lá foi uma explosão de plasma que teria sido transportado a bordo para análise. Eles pretendem reproduzir o experimento na Enterprise, desta vez com todo o cuidado para que o incidente catastrófico não se repita, envolvendo o invólucro de vidro em um potente campo de força.

Na enfermaria, a dra. Crusher segue com a autópsia do corpo recolhido. Ela conclui que as queimaduras externas não foram a causa da morte do oficial, mas sim uma estranha radiação que emana do interior do corpo. A médica não consegue, entretanto, determinar o porquê dessa leitura exótica.

Em seus aposentos, Barclay decide que precisa saber se realmente está imaginando coisas ou se a experiência que ele vivenciou é real. Ele decide reproduzir seu teletransporte, pedindo ajuda ao chefe O'Brien. Depois de ordenar, Barclay é teleportado para a Yosemite e de volta à Enterprise, onde ele novamente tem um encontro com o verme gigante. Convencido de que não imaginou nada, ele convoca toda a tripulação sênior, no meio da madrugada.

Em uma reunião, ele relata suas experiência e a sensação que tem periodicamente em seu braço esquerdo. Picard em princípio tende a desacreditar o engenheiro, mas depois que Barclay dá a certeza de dizer que o que viu é real --e de que há algo vivo no feixe de transporte--, o capitão decide investigar a fundo, ordenando mais análises do sistema. Crusher examina rapidamente o braço de Barclay e não vê nada de anormal, mas decide fazer exames mais detalhados na enfermaria.

Lá ela descobre que o braço de Barclay está apresentando as mesmas leituras que o corpo recolhido da Yosemite. Na engenharia, Data e Geordi transportam a bordo uma nova amostra do plasma, que explode assim que eles aplicam uma varredura de rotina. Felizmente a explosão é contida pelo campo de força. Observando o plasma, Geordi observa um estranho e complexo padrão biológico no plasma --há algo vivo lá, segundo ele.

Reundindo os esforços de Crusher e Geordi, os oficiais determinam que de fato há uma forma de vida envolvida, uma espécie de bactéria capaz de se comportar como matéria e energia ao mesmo tempo. Nativa do plasma estelar, ela foi transportada à bordo da Yosemite quando eles coletaram uma amostra do material e infectou o sistema de transporte da nave. Quando ligaram o teletransporte da Enterprise ao da Yosemite, eles levaram a contaminação a bordo, causando os efeitos observados por Barclay. O engenheiro, entretanto, não sabe explicar o que ele viu no feixe de transporte --as bactérias a que Crusher e Geordi se referem certamente são bem menores que os vermes gigantes que ele observou.

Geordi e O'Brien determinam que a bactéria acabou passando pelos biofiltros do teletransporte por sua natureza elusiva de matéria/energia, mas acreditam que podem "sintonizar" o equipamento e detectar as formas de vida se colocarem Barclay em suspensão no teletransporte por cerca de 40 segundos. Assim que o sistema fosse capaz de identificar as bactérias, poderia "limpá-las" do corpo do engenheiro e curá-lo.

A estratégia dá certo, mas por longos segundos Barclay precisa enfrentar a angústia de estar face a face com os estranhos vermes do feixe de teletransporte. Incerto da natureza daquelas criaturas, o engenheiro, num ato de coragem, decide agarrar uma delas. Quando se materializa de volta, ele está abraçado a um dos tripulantes desaparecidos da Yosemite. Ele logo comunica que há mais a serem resgatados no feixe. Logo Worf e um grupo de segurança se transportam e resgatam os "vermes" faltantes, trazendo os tripulantes perdidos de volta, sãos e salvos.

Ao que parece, aqueles tripulantes tentaram se salvar da mesma forma que Geordi e O'Brien pretendiam salvar Barclay, colocando-o no feixe de transporte e rastreando a contaminação. Só que no caso do pessoal da Yosemite, a estratégia não deu certo, e eles ficaram presos no feixe, onde pareciam se manifestar como os vermes observados por Barclay. Somente quando o engenheiro os agarrou eles puderam retornar.

 

Comentários:

"Realm of Fear" é um bom exemplo da verdade que há no ditado que diz que de boas intenções o inferno está cheio.

Aparentemente, o episódio se pauta pelas diretrizes básicas de bom drama trazidas para Jornada pelo roteirista Michael Piller: ele procura se concentrar em um drama humano, algo com que a audiência possa se identificar, ele busca tornar aquele drama algo pertencente a um dos personagens da série e tenta imprimir a esse personagem, ao superar seu problema, um caráter de crescimento e desenvolvimento.

Já vimos a mesma receita antes em verdadeiros clássicos de A Nova Geração, como "Sins of the Father" (para Worf), "The Offspring" (para Data) ou "The Inner Light" (para Picard). Aqui a idéia é fazer algo pelo bom e velho recorrente Reginald Barclay.

É natural que ele tenha sido escolhido para algo assim. O problema que ele apresenta, o medo do teletransporte, é algo que não funcionaria com nenhum dos outros personagens, que já foram vistos se transportando inúmeras vezes. Além disso, a verdadeira análise psicológica do episódio --a que mais fala ao telespectador-- é sobre a hipocondria do engenheiro. E esse é um traço de personalidade que não cairia bem com os quase perfeitos oficiais seniores da Enterprise. É, portanto, uma excelente pedida trazer um simpático (e problemático) recorrente como Barclay para dar uma mãozinha.

Até aí vão as boas intenções do episódio: fazer um episódio sobre um tema do cotidiano das pessoas e sobre um personagem (mais ou menos) querido do público. Parecia perfeito, em princípio. O que se viu, entretanto, foi uma verdadeira aberração.

Em primeiro lugar, a história não só é recheada por tecnobaboseira, como é sustentada por ela! É sempre interessante vermos roteiristas criativos, inventando formas de vida que desafiam a compreensão humana, mas é preciso manter alguma coerência e algum contato com a realidade, para que a história seja divertida. Aqui o roteirista Brannon Braga infelizmente demonstrou que quem estava com psicose do transporte não era Barclay; era ele.

O maior problema de todo o episódio (e não é o único, pode estar certo) é o fato de o enredo tratar o feixe do transporte como uma outra dimensão, do qual coisas, pessoas e bactérias podem entrar e sair. O feixe do transporte é meramente o efeito especial luminoso que representa a desmaterialização de alguma coisa e sua rematerialização em outro lugar. Não podem, de fato, existir pessoas ou vermes gigantes "guardados" no feixe.

Mas é como diz outro ditado, quem sai na chuva, é pra se molhar. Décadas de produção de Jornada nas Estrelas já mostraram que usar o transporte para qualquer outra coisa que não o mero ato de transportar é pedir encrenca. Brannon pediu, Brannon recebeu. O uso do sistema para "curar" Barclay só não é pior que o engenheiro agarrando um verme que se transforma em tripulante depois de materializado. Alguém poderia me dizer qual o sentido que isso faz?

É o tipo da coisa que irrita o telespectador: ver que o escritor só o manipulou, colocando os vermes lá para pensarmos que o engenheiro estivesse sob ataque de algum monstro, quando na verdade não era nada disso. Se houvesse uma boa explicação para o fato de tripulantes perdidos se manifestarem como vermes gigantes em feixes de teletransporte, até daria para engolir, com o nariz tapado e tomando água por cima. Mas do jeito que ficou, só dá para chorar mesmo.

Perdido na tecnobaboseira e nos high-concepts absurdos, está Barclay, que só sobrevive graças à interpretação sempre convincente de Dwight Schultz. Pelo menos o aspecto do drama humano está bem guardado com ele. Nesse sentido, o roteiro equilibra bem o humor com a terrível doença que é a hipocondria. E é a única coisa que realmente se salva daqui.

O resto está todo fora de lugar. O'Brien, com seu papo de aranhas, parecia um boboca. Quando ele apresenta seu "bichinho" a Barclay ao fim do episódio, dá vontade de chutar o televisor. Troi, que costuma ir razoavelmente bem quando o assunto é Barclay, dessa vez abusa de seu poder e dispensa o engenheiro de seu serviço, numa atitude no mínimo precipitada. E a ameaça Cardassiana é jogada ali só para, mais uma vez, despistar a audiência da verdadeira (e horrível) natureza da história.

Do ponto de vista técnico, o diretor Cliff Bole tem a honra de dirigir algumas tomadas inovadoras, como a sensação de teletransporte em primeira pessoa, mas não há muito mais a se destacar. Nos efeitos especiais, aquele sistema binário não passa de uma reciclagem (ou, no máximo, de uma retocada) de material visto em "Evolution", do terceiro ano. E os vermes que Barclay vê no feixe parecem saídos de um filme "B" de ficção. Terrível.

Depois da traumática experiência, só deu mesmo para aprender uma coisa: Jornada nas Estrelas e "O Ataque dos Vermes Malditos" são coisas que deviam ficar bem separadas uma da outra. Infelizmente, Brannon Braga não teve o mesmo insight, como comprovariam as salamandras de "Threshold", do segundo ano de Voyager...

 

Citações:

Barclay - "You know, maybe ignorance really is bliss. If I didn't know so much about these things, maybe they wouldn't scare me so much."
("Sabe, talvez ignorância seja mesmo uma bênção. Se eu não soubesse tanto sobre essas coisas, talvez elas não me assustassem tanto.")

Trivia:

Após quatro temporadas, o tenente O'Brien subitamente perdeu seus dois pinos originais de marcação de patente, substituídos por um pino vazio. Durante o episódio também vemos os pinos vazio e cheio de Barclay trocando de lugar, assim como vemos o tenente usar dois pinos cheios no escritório de Troi.

Dwight Schultz faz sua terceira aparição como Barclay em A Nova Geração. A primeira foi em "Hollow Pursuits" (terceiro ano) e a segunda em "The Nth Degree" (quarto ano). Ele ainda voltaria em "Ship in a Bottle" (também do sexto ano) e em "Genesis" (sétimo ano). O personagem ainda seria um recorrente nas duas últimas temporadas de Voyager.

O diretor deste episódio, Cliff Bole, é o que mais episódios da Nova Geração comandou. "Realm of Fear" é o 19º de uma lista com 26 episódios. Em segundo lugar vem Les Landau, que dirigiu 21.


Ficha técnica:

Escrito por Brannon Braga
Direção de Cliff Bole

Exibido em 28/09/1992
Produção: 128

Elenco:

Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Jonathan Frakes como William Thomas Riker
Brent Spiner como Data
LeVar Burton como Geordi La Forge
Michael Dorn como Worf
Gates McFadden como Beverly Crusher
Marina Sirtis como Deanna Troi

Elenco convidado:

Colm Meaney como Miles Edward O'Brien
Patti Yasutake como enfermeira Alyssa Ogawa
Dwight Schultz como tenente Reginald Barclay
Renata Scott como almirante Hayes
Thomas Beigrey como tripulante
Majel Barrett-Roddenberry como a voz do computador

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