por Luiz
Castanheira
Um dos tópicos que mais
aparece em discussões entre os fãs é o da "continuidade no
universo de Jornada nas Estrelas". Sempre tem algum
colega, no mundo real ou no virtual, que mantém que uma
determinada fala ou um determinado desenvolvimento em um dado
segmento de Jornada, "viola a continuidade
estabelecida do franchise". Tal ocorrência é tão comum que
serve mesmo para dividir os fãs em "facções", por
suas posições com relação ao assunto.
Temos, por exemplo: os "radicalmente contrários", que,
frente a qualquer possibilidade (ainda que remota ou mesmo não
muito fundamentada) de contradição com o que foi estabelecido
anteriormente, invocam frases de efeito como "o Grande Pássaro
da Galáxia, Gene Roddenberry, deve estar rolando no túmulo com
isto"; os "radicalmente a favor", que assumem que o
universo de Jornada é 100% consistente internamente e que
tentam de toda a forma racionalizar e explicar TODO potencial erro
de continuidade; e os "moderados", que entendem que
erros acontecem e podem se alinhar, em termos de opinião quanto a
um ponto específico, com o primeiro ou com o segundo grupo, sem
exageros.
Um aspecto que merece atenção é o de que
"continuidade" se refere a um bom número de diferentes
aspectos da produção de uma série de TV. Fato que às vezes se
perde em tais discussões, e leva a uma dificuldade em estabelecer
um ponto comum de referência. Vamos então oferecer uma pequena
classificação (que não tem o objetivo de ser completa) que será
adequada ao tratamento dado no presente artigo.
Tipos de "continuidade"
1- Na produção de um único episódio
Uma coisa importante é ressaltar que, para maximização dos
recursos da produção, normalmente as cenas dos episódios são
filmadas fora da ordem em que elas estão no roteiro e em dias
diferentes (isto sem falar que múltiplos episódios entram em
produção ao mesmo tempo --aumentando ainda mais o nível de
complexidade do trabalho da equipe de produção, contando com
itens como coordenação de espaços físicos que servem para múltiplos
cenários, viagens para filmar externas, disponibilidade de atores
etc.). Algo ainda mais importante é considerar que cada cena é
filmada várias vezes (múltiplas tomadas) e em múltiplos ângulos,
sendo as cenas montadas corretamente apenas na fase de pós-produção
do episódio.
É tarefa do continuista (que não necessariamente é uma figura
da parte de criação da série) zelar para que os penteados,
vestuários, maquiagens, peças de mobília, cenários etc.
estejam consistentes em cada tomada. É tarefa do editor zelar
para que todas estas múltiplas fontes de cenas se integrem de
maneira suave e consistente no produto final a ser exibido. Um
erro de continuidade deste tipo normalmente não causa maiores reações
nos fãs. Este é um tipo que é mais facilmente aceito como
"um problema da vida real" do que os demais.
Um
exemplo de erro desse grupo é o da cena final do clássico "Yesterday's
Enterprise" (da terceira temporada de A Nova Geração),
onde La Forge aparece com o colarinho do uniforme da Frota Estelar
do "universo alternativo" visto no curso do episódio.
Em termos de erros de edição, um grave e típico é a existência
de um problema de "matching", que ocorre quando as
vistas de uma cena "não batem". Por exemplo, imaginem o
seguinte: um diálogo em um restaurante com dois atores sentados a
uma mesma mesa; posicionamos a câmera atrás do ator A, pegando,
por sobre o ombro do ator A, a face do ator B, durante todo o diálogo;
depois fazemos o contrário. O erro pode se apresentar se em uma
vista o ator A levanta um braço para beber e na outra ele levanta
o outro braço --sendo esse claramente um erro grosseiro em uma
situação extremamente simplificada). Existem inúmeros outros
erros desse tipo 1 nestes mais de 35 anos de Jornada.
Ainda que não um problema de continuidade, rescritas sucessivas
em roteiros e o início das filmagens sem um roteiro pronto
costumam levar a segmentos "pouco memoráveis", para
dizer o mínimo. O curioso é que tais problemas, após o episódio
pronto, podem ser confundidos, por alguns fãs, com problemas de
continuidade deste primeiro grupo (porque dá um ar mal acabado e
desconjuntado ao produto final).
2- Com relação aos personagens
O mínimo que se pode esperar de um personagem é um bem
estabelecido padrão de comportamento (a existência de
"personagens esquizofrênicos" é o mais grave problema
de continuidade com relação aos personagens), um adequado nível
de complexidade (com relação a sua personalidade) e utilidade
(função ou importância) no contexto da série.
Entretanto, devemos lembrar que, ainda que um dado personagem
tenha uma consistência em suas decisões, elas ainda assim devem
conseguir surpreender a audiência de tempos em tempos (se este
cuidado não for tomado, o personagem acaba soando, ao longo do
tempo, como de "uma nota só").
Uma parte importante que a continuidade com relação aos
personagens desempenha em sua caracterização e desenvolvimento
é a possibilidade de um personagem "fazer escolhas difíceis
e lidar com as conseqüências de tais escolhas". Uma condição
aparentemente trivial (e bastante difícil na prática dos
roteiristas) que é crucial para o real desenvolvimento de
qualquer personagem.
Uma boa continuidade permite que algumas das seguintes características,
desejáveis em um personagem com relação a sua complexidade,
possam ser completamente realizáveis. São elas: ter um objetivo
(ou uma procura) claro além das suas atividades do dia a dia; ter
um ângulo trágico; ter uma "faceta misteriosa ou
sombria" que possa ser explorada ("não ser exatamente o
que parece ser"); possuir um constante dilema pessoal;
percorrer um caminho de transformação (ou de redenção) etc.
Assinaturas pessoais e demais texturas também são bem-vindas.
Outra armadilha a ser evitada é o fato de que, ainda que a falta
de uma real função possa "matar" um personagem, esta
"função" nunca deve passar a defini-lo, o que acaba,
quando assim acontece, dando origem aos "personagens-ferramenta".
3- Com relação a uma "história global para a série"
É importante a capacidade de uma série de manter um arco de história
sobre uma seqüência de episódios que possa englobar até uma ou
mais temporadas inteiras, ou mesmo toda a série. Observem que tal
formato não exclui a possibilidade de termos episódios
essencialmente isolados, que possam ser plenamente apreciados por
uma audiência "não-iniciada" na mitologia da série, e
que ainda assim possam oferecer uma contribuição individual
(possivelmente pequena) para o arco global.
Notem que o termo "arco", como utilizado aqui, está
intimamente associado ao conceito de propósito e objetivo. Digo
isto, por que muitas pessoas ouvem o termo "arco" e
imaginam uma seqüência interminável de episódios, todos começando
com uma "recapitulação" e terminando com um "to
be continued", o que, ainda que esteja correto, acaba não
sendo o caso na maioria das vezes que o termo "arco" é
usado.
Um número de ótimos episódios com um propósito acabam valendo
mais em qualidade que a mera soma de suas qualidades julgadas
separadamente. Entretanto, não me entendam mal, os episódios tem
de ser ótimos e com propósito para o "arco" fazer
sentido, ao menos em um caso ideal (uma sucessão qualquer de episódios,
só porque estão conectados contando uma única história, não
é automaticamente "vencedora"). O caminho tem de ser
planejado com competência e tem de ser percorrido com competência
(pelos roteiristas) episódio a episódio.
Sintetizando:
- Bons episódios com um propósito definido: é o caso ideal;
- Bons episódios sem um propósito definido: algo positivo está
acontecendo, mas existe potencial sendo desperdiçado;
- Maus episódios com um propósito definido: existe um caminho
bem definido, mas falta competência em trilhar tal caminho;
- Maus episódios sem um propósito definido: perda total.
Outro ponto importante é que uma continuidade total com relação
aos personagens não implica necessariamente a existência de um
arco global de história (de fato, boa parte do drama televisivo
da atualidade é estruturada assim --normalmente temos uma história
"local" que surge e é resolvida na duração de cada
episódio, enquanto as histórias pessoais dos personagens se
desenvolvem sobre as fronteiras dos episódios e das temporadas).
Por outro lado, a existência de uma história global exige, sim,
uma grande continuidade com relação aos personagens.
Ao final desta coluna estaremos discutindo diferentes implementações
de arcos globais de história.
4- "Continuidade de rodapé"
É aquela baseada em referências (por vezes até obscuras e
normalmente corretas e benignas) a eventos passados: um nome, uma
data ou um local (normalmente não servindo a nenhum propósito
dramático --apenas uma literal "nota de rodapé"). Por
vezes chegam a ser "exemplos fracos" do tipo 2 e do tipo
3, mas acredito que devam ser tratadas a parte, neste grupo
"menos nobre".
Aqui vai uma questão, ou, como queiram, um adicional item de
classificação, que propositalmente deixei de fora da classificação
principal, por saber que cada ponto de tal discussão levaria a um
artigo do tamanho deste (é só lembrar da infame questão da
"Testa Klingon").
Os grupos de 1 a 3 cobrem o mais importante para a continuidade de
uma dada série (e são sempre o meu foco principal quando emito
as minhas opiniões). Entretanto, Jornada tem um problema
adicional de continuidade, que a leva além das fronteiras de uma
única série (o que implica diferentes pessoas, épocas,
objetivos, demandas etc. envolvidos na manutenção da
continuidade). Esta talvez seja a questão que traz mais polêmica,
pois aí nós temos uma série (potencialmente) reescrevendo a
história de outra (algo imperdoável para a maioria dos fãs).
É especialmente complexa a discussão quando a série que está
sendo "rescrita" é a Série Clássica. Se por um
lado a Clássica é a origem de todo o franchise (e tratada
quase como um evangelho neste sentido), ela nunca foi escrita para
servir de alicerce para uma história de mais de 35 anos.
Entendam, a Clássica foi sempre escrita de uma forma
bastante vaga quanto ao universo da série e por vezes
extremamente restritiva para um dado episódio funcionar em seus
termos (outra herança criativa da Clássica e identificada
por boa parte do público).
Que leva a questões como "na Clássica não é dito
nada disto" (e normalmente não tem nada que diga o contrário)
e "mas a Clássica diz o contrário" (quando na
realidade o original faz menos sentido que a alternativa). Um
problema adicional é que nos anos 70 uma grande quantidade de
literatura não-oficial foi publicada, de certa forma expandindo o
universo de Jornada. Certos
elementos de tal literatura se tornaram populares, levando a
alguns fãs a acreditar nela como oficial e negar eventos
posteriores e ocorridos em tela (sendo então canônicos), em
detrimento de tais escritos setentistas (alguém se lembra dos
"poderes congelantes dos Andorianos"?).
Estabelecido o conceito de continuidade, vamos falar (de forma bem
resumida) como ele foi tratado ao longo da história de Jornada
nas Estrelas.
Continuidade ao longo das séries de Jornada
A
Série Clássica de Jornada foi uma evolução em
relação às séries Sci-Fi televisivas de qualidade anteriores
como "The Twilight Zone" e "The Outer Limits",
por introduzir um elenco regular de personagens em um cenário
fixo. Apesar de alguns deslizes (especialmente no começo), a
caracterização cristalina de seus personagens mostrou-se um
extremo sucesso popular (este é sem dúvida o principal motivo
por estarmos aqui hoje falando sobre Jornada mais de 35
anos após a sua estréia). É fácil identificar as características
fundamentais de bons personagens na Série Clássica de Jornada:
padrão de comportamento, assinaturas pessoais bem definidas e uma
clara importância para o funcionamento da série. Características
mantidas (na maioria das vezes) ao longo do tempo.
Entretanto, o formato completamente isolado de seus episódios
sempre impediu (por construção e opção dos responsáveis) o
estabelecimento de arcos de história e real desenvolvimento dos
personagens (por favor, não confundam os atores e roteiristas
"achando" os personagens com real desenvolvimento, como
discutido acima). O status quo tinha de ser restabelecido
necessariamente ao final de cada episódio. O nível de
continuidade apresentado é extremamente pequeno, mas, se
procurarmos com cuidado, existem algumas referências entre episódios,
sim.
Esta "herança" da Série Clássica (episódios
completamente isolados, uma virtual ausência de desenvolvimento
dos personagens e muitas vezes o uso de "artifícios"
para preservar e restaurar o status quo" ao final de cada
episódio) é o que boa parte do público (especialmente o mais
leigo) reconhece como o "estilo de Jornada". Tal
"herança" constitui a base para todos os futuros episódios
de Jornada até os dias de hoje.
Felizmente, tal fórmula foi mais do que desafiada ao longo dos
anos, embora ainda perdure como referência básica. O motivo
principal não é artístico, é financeiro. A história conta que
séries com grande continuidade de história não se saem bem nas
reprises em syndication (cinco vezes por semana). Por isso os
executivos da Paramount não gostam muito de continuidade nas séries
de Jornada. Para falar a verdade, um dos fatores que
possibilitou a popularização da Série Clássica (quando
reprisado até a exaustão em syndication) foi justamente o
formato completamente independente de seus episódios.
O curioso é que foi justamente a tripulação de Kirk, antes de
mesmo existir A Nova Geração, que fez grande uso de
continuidade (claramente admitindo que havia, sim, um potencial
sendo perdido com segmentos completamente isolados). Os filmes II,
III e IV contam essencialmente uma única história contínua, e o
filme VI fecha a história da tripulação original fornecendo um
"payoff" final para os seus personagens (pena que no
meio tínhamos de ter o quinto filme, o verdadeiro ANTIFILME de Jornada).
Não
tenho dúvidas que muitos fãs consideram os melhores momentos dos
personagens da Clássica ocorrendo no cinema (podem fazer
um teste listando os seus dez momentos favoritos dos personagens
da Série Clássica e verificando a porcentagem deles que
ocorre nos filmes de cinema), devido a essa possibilidade de
realmente desenvolver os personagens.
A série A Nova Geração apresenta, de uma forma geral,
muito mais continuidade do que a Série Clássica. Já na
primeira temporada temos um desenho de arco, envolvendo uma enorme
conspiração no comando da Frota, em "Coming
of Age" e "Conspiracy".
Se não tivéssemos a já famosa grave de roteiristas americanos
que ocorreu na época, nós teríamos os Borgs como uma raça
insetóide que receberia a mensagem do final de "Conspiracy",
que também estaria envolvida nos incidentes na borda da Zona
Neutra em "The
Neutral Zone" e já apareceria em grande estilo bem
no começo da segunda temporada.
Entretanto,
o grande arco de episódios da série (e o de fato produzido) é
aquele que leva a uma guerra civil dentro do Império Klingon. O
grosso da continuidade da série é determinado por episódios
associados com acontecimentos ou temas de episódios anteriores e
pela sólida caracterização dos personagens, com destaque para
Picard e Data.
A série Voyager teve algumas tentativas maiores de
serialização no começo, especialmente na segunda temporada com
os Kazons (com resultados bastante ruins, devo acrescentar --principalmente
pelo fato de esta raça vilã ser pouco original e interessante e
pela série não oferecer nenhuma desculpa convincente para tal
arco poder ser sustentado; ou será que o quadrante Delta faz
curva e não me avisaram nada?), mas a partir daí se tornou
tipicamente episódica.
Os
fatores que deram a Voyager a alcunha de série com menor
continuidade de todo o franchise de Jornada nas Estrelas
(apesar de, paradoxalmente, eu já ter estabelecido que a Série
Clássica tem virtualmente nenhuma continuidade) são os
seguintes: a série mudou de responsáveis vezes demais (Piller/Taylor,
Taylor, Piller/Taylor, Taylor, Taylor/Braga, Braga, Braga/Biller e
Biller), apenas com Berman presente sempre; a caracterização dos
personagens (um dos pilares da continuidade de uma série de TV) não
foi muito estável ao longo do tempo, especialmente no caso de
Janeway, para dizer o mínimo; acenar com possíveis
desenvolvimentos futuros e praticamente nunca fornecer tais "payoffs"
(o que acabou sendo interpretado pelos fãs ao longo do tempo
simplesmente como má fé dos roteiristas) e a dificuldade de
lidar com a sua própria premissa original (uma nave sozinha,
longe de casa, rumando continuamente para a Terra).
(Existem até bons exemplos de continuidade em Voyager, mas
eles são inapelavelmente nocauteados pelos motivos acima
citados.)
A série Enterprise acena com um potencial para serialização
e mesmo até já deslanchou alguns arcos de história. Entretanto
um melhor julgamento fica guardado para o futuro (ainda está
muito cedo para termos certeza de alguma coisa).
Então vamos falar de como contar histórias.
Três diferentes estilos de se escrever "arcos globais de
história"
1- Arco (não planejado antecipadamente) por toda a série
(exemplo: Deep Space Nine)
DS9
se qualifica pelo fato de o "arco do Emissário" se
iniciar no primeiro episódio e terminar no último, ainda que o
principal arco da série (em tempo de tela) seja aquele envolvendo
o continuado conflito (em diferentes escalas ao longo da série)
entre a Federação e o Dominion.
O grande defeito deste formato é que nem tudo (para dizer o mínimo!)
vai se encaixar quando a série é olhada como um todo.
Entretanto, a história tende a se desenvolver de uma forma mais
natural do que se ela fosse completamente planejada desde o início.
Em um caso ideal, devemos construir sólidos episódios, sobre sólidos
episódios anteriores; introduzir arcos secundários que se
resolvem e se renovam com o tempo e, quando o arco principal
entrar em foco, ele deve permanecer em foco até o fim da série. DS9
soube se conduzir assim de uma forma geral, mas deu
"algumas" bobeadas.
2- Arco (planejado antecipadamente) por toda a série (exemplo:
"Babylon 5")
Este
formato, de uma virtual "minissérie expandida", é o
mais complexo possível e parece talhado exclusivamente para
canais a cabo. É surpreendente que B5 tenha sobrevivido por
quatro temporadas em syndication (até na quinta e última passar
para a TNT). Vou apenas salientar um ponto de tal complexidade,
que eu acho bastante importante. Não somente temos de ter a história
de antemão, mas também temos que ter um plano de contingência
se (por exemplo) um ator deixar a série. Temos que ter um
"personagem de reserva" que deve ser capaz de carregar
total ou parcialmente o arco de história do personagem original,
e temos que ter uma idéia do impacto que tal mudança vai ter no
restante dos arcos de história da série, algo bastante
complicado.
A maior virtude de tal formato é que (a menos de eventos do mundo
real) os elementos de história realmente se encaixam (ainda que
as coisas não possam se encaixar "bem demais", o que
acaba parecendo um pouco artificial e manufaturado --acho que
temos um ajuste delicado e importante a ser feito neste ponto).
Outra coisa é que os arcos não podem ser tão longos assim, como
em "B5" (se a parte da "construção" do arco
é grande demais, você pode perder espectadores que ficam
frustrados por falta de um "payoff" e pode frustrar
mesmo os espectadores que ficam esperando até o momento do "payoff",
pois eles esperaram tanto que não tem "payoff"
suficientemente bom que possa satisfazê-los).
Acho que a melhor solução é ter um arco global, de certa forma
distante e pouco referido (ainda que possa receber pistas de
tempos e tempos) e vários arcos secundários que se renovam e se
resolvem de uma em uma temporada (por exemplo). Quando a gente
entrar realmente no arco principal da série, ai é pé embaixo até
o final. O arco principal tem de se fechar o mais próximo possível
do final da série (ainda que alguns episódios, servindo de epílogo,
sejam bastante bem-vindos).
3- Um arco (planejado antecipadamente) completo e diferente
para cada temporada (exemplo: "Buffy: The Vampire Slayer")
Este
formato tem inúmeras vantagens e é bem próximo do ideal
(comercialmente falando inclusive) e funciona bem para uma série
de rede. A série se reinventa toda temporada, permitindo atrair
novos espectadores para o que é, em última instância, uma história
do tamanho de uma temporada de cada vez. O formato permite trazer
novos personagens para o arco da temporada, que são novos para a
série e para um espectador novato. A perspectiva de tais
personagens novos pode esclarecer os personagens regulares para
uma nova audiência de uma forma transparente e não-intrusiva
(mudanças no elenco regular podem ser feitas de forma bastante
natural também).
A complexidade de história e problemas logísticos também são
grandemente reduzidos, com relação a um arco que dure toda a série,
pois estamos lidando com uma temporada de cada vez. Com os pontos
principais da história na mão, podemos deixar pistas "de
leve" em episódios literalmente isolados e podemos ter
certeza de uma "acelerada" com um grande "payoff"
ao final de cada temporada.
O grande perigo é tornar as histórias das temporadas parecidas
demais entre si (salvar o universo uma vez por ano com tramas
sempre do tipo "tudo, mais a pia da cozinha" é
"meio" esquisito) e não conseguir um "algo
mais" na derradeira temporada da série. Entretanto, não se
enganem. Temos uma história por temporada, mas temos que ter uma
base que se estenda por toda a série e que tem que ser muito bem
cuidada também.
Continuidade, amiga ou inimiga? De quem?
Quando um roteirista vai escrever um episódio de uma série de TV
e ignora a grande continuidade embutida na caracterização dos
personagens, ele está dificultando o seu trabalho, artisticamente
falando, e facilitando o seu trabalho, no sentido de prazos a
cumprir e de dinheiro a ganhar. Quando ele ignora tal
continuidade, acaba em uma missão de tentar escrever um "minifilme"
da semana, e não um episódio de tal série. O problema é que se
ele ignora a caracterização dos personagens, ele não vai ter o
menor pudor de "mudar um pouquinho" um personagem ou
outro para fazer a história dele (roteirista) funcionar em seus
termos. O efeito acumulativo de tal atitude é que leva aos
famosos "personagens esquizofrênicos".
Oferecer uma grande continuidade de história a uma série de TV
pode se tornar uma tarefa extremamente complexa, especialmente se
temos mais de um roteirista escrevendo tal história. Apesar de
tais dificuldades, a série, produzida assim, usualmente, emula
melhor o mundo real, constituindo um melhor drama. Além de tender
a apaixonar mais as pessoas (mas talvez não mais pessoas).
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