por
Fernando Penteriche
Antes de qualquer coisa, ao final de minha
última coluna prometi que esse texto seria sobre "Unification",
episódio que traz a presença de Spock na Nova Geração.
Por problemas técnicos, esse texto será publicado em um futuro
próximo, mas não necessariamente na minha próxima coluna daqui
a três semanas.
Depois de McCoy, Sarek e Spock, era chegada a hora de James Doohan
retomar seu papel como o engenheiro Montgomery Scott, o Scotty, e
fazer os índices de audiência da Nova Geração subirem.
O episódio em que o mais competente engenheiro da saga de Jornada
apareceria no século 24 foi chamado de "Relics",
ou em bom português, "Relíquias".
"Uma das grandes qualidades de 'Relics'", diz Michael
Piller, "é que o roteiro original não era sobre um episódio
com a volta de Scotty. Tratava-se de um conceito sobre um
engenheiro ou oficial da Frota sobrevivendo após um acidente graças
à um "looping" de teletransporte. Ou seja, ele nunca
seria rematerializado até que o resgate chegasse. E isso poderia
demorar anos, até décadas".
Assim que o roteiro foi aprovado, logo Piller surgiu com a idéia
de que o conceito fosse utilizado para trazer de volta ao convívio
dos fãs um personagem da Série Clássica, e sem dúvida
Scotty era o que melhor se encaixaria nesse tema. Já esperando
ouvir um "não" do todo-poderoso Rick Berman, Piller foi
surpreendido quando este não só aprovou a idéia, como pediu
muitas citações de episódios da Série Clássica no
roteiro.
Com
o retorno de Scotty completamente aprovado, Ron Moore foi o
escolhido para escrever o roteiro. E foi Ron que teve a idéia de
recriar no holodeck a ponte da Enterprise original. Com Scotty e
Picard jogando conversa fora e tomando alguns drinks, ambos
sentados em lendários assentos (Scotty na cadeira de Kirk, e
Picard na de Sulu), uma das cenas mais fantásticas da Nova
Geração estava criada.
"Nós tínhamos Scotty e então Ron teve a maravilhosa idéia
de recriarmos a ponte de comando original", continua Michael
Piller. "Foi um dilema interessante, pois teríamos um custo
financeiro elevado para construir tudo do nada."
E pelo motivo financeiro, a idéia quase foi abandonada após uma
reunião com Berman e o pessoal da produção. Porém, como seria
um momento mágico para a série, algumas outras hipóteses foram
levantadas, como a de alugar uma réplica da ponte de comando
utilizada em convenções. Mas, graças aos técnicos de produção,
uma maneira foi encontrada de fazer a cena da ponte com menos
gastos. Apenas algumas partes dos cenários seriam construídas, e
na tomada em que a ponte seria mostrada por inteiro, uma cena de
um episódio da série original seria utilizada.
Para
a direção de "Relics" foi escolhido Alexander
Singer, que faria sua estréia na direção de um episódio de
Jornada nas Estrelas. E foi logo estreando com um dos mais caros e
complexos episódios já feitos na Nova Geração.
"Minha preocupação principal era com os efeitos
especiais", recorda Singer. "Eu provavelmente nunca
havia trabalhado em um programa que utilizasse tantos efeitos, e
esse era meu dilema."
Outro dilema para o diretor seria a condição de astro convidado
de James Doohan. Singer nunca havia trabalhado com Doohan, e dada
a importância do episódio, a pressão era grande. Ele sabia que
Doohan nunca havia participado de um episódio ou filme de Jornada
na condição de protagonista, como seria agora em "Relics".
Mas quando encontrou James Doohan em pessoa, antes das filmagens,
Singer mudou de opinião. Doohan se mostrou totalmente aberto e
deixou o diretor em uma condição confortável.
Em "Relics", a tripulação da Enterprise
descobre Scotty suspenso em um "looping" de
teletransporte, após sua nave, a USS Jenolen, ter se chocado
contra uma "Esfera Dyson", uma construção gigantesca,
feita ao redor de um Sistema Solar. Scotty estava neste "looping"
há aproximadamente 75 anos, quando a USS Jenolen, que o levaria
para um planeta onde ele iria curtir sua aposentaria, se chocou
com a esfera. Trazido a bordo da Enterprise-D, Scotty se sente
completamente deslocado, pois tudo o que sabia é obsoleto agora.
Porém ele acaba se mostrando vital ao salvar a Enterprise da
destruição no interior da Esfera Dyson.
A Esfera Dyson é um conceito
criado pelo renomado físico Freeman Dyson, em 1959. Trata-se uma
enorme (enorme mesmo!) esfera construída ao redor de um sistema
solar inteiro, com o intuito de se aproveitar ao máximo a energia
do Sol daquele sistema. Em "Relics", a esfera
descoberta pela tripulação da Enteprise encontrava-se
abandonada, pois a estrela daquele sistema não se mostrou confiável.
A
equipe técnica da Nova Geração teve muito trabalho para
fazer o exterior da esfera, assim como para recriar a ponte
original da Enterprise. A cena em que Scotty vê pela primeira vez
a ponte de comando no holodeck foi retirada do episódio clássico
"This Side of Paradise". Para o cenário foram
construídos apenas a alcova do turboelevador e o painel da
engenharia em que Scotty sentava-se. A cadeira do capitão e o
console central foram alugados de um fã que organizava exposições
destas réplicas em convenções. Ao final, a cena foi um
casamento de construções modernas com muita pesquisa, e uma
montagem com uma cena que na época tinha 26 anos de idade.
Como Berman pediu, muitas citações foram adicionadas ao roteiro:
o comentário sobre uma bebida "verde", uma clara referência
à uma cena do episódio da série clássica "By Any Other
Name"; Scotty dizendo que "são necessários pelo
menos 30 minutos para dar novamente a partida em um motor de dobra
frio", uma referência a uma fala do próprio Scotty em "The
Naked Time"; e a citação à Dohlman de Elaas, do episódio
"Elaan of Troyius".
Ron
Moore ficou sentido com o corte de duas das cenas que ele mais
gostou no roteiro que escreveu: a cena em que é citada a bebida
"verde" seria de Scotty com Guinan, mas Whoopi Goldberg
não estava disponível para a gravação, então acabou sendo com
Data mesmo. E uma em que Troi iria visitar Scotty em seus
aposentos. Nesta cena, Scotty ficaria encantado com a beleza e o
charme da conselheira, e diria à ela "Eu sei o que quero, e
isso não está aqui", referindo-se à dificuldade de
assimilar sua presença em uma época diferente da dele. A cena
também revelaria que conselheiras começaram a fazer parte das
tripulações de naves da Federação em 2330, ou seja, 34 anos
antes do início da Nova Geração. Um resquício desta
cena com Troi que não foi filmada está na cena final do episódio,
quando Scotty se despede da conselheira com um beijo no rosto. Porém,
na versão que foi para a telinha, Scotty e Troi não se encontram
no episódio em nenhuma cena sequer, mas o final foi mantido.
Uma grande pisada na bola do episódio aconteceu nos momentos
finais, em que La Forge e Scotty são teletransportados da USS
Jenolen para a Enterprise, sendo que a Jenolen estava com os
escudos levantados. Indagado sobre isto, Ron Moore respondeu:
"Não há explicação. Porém, se tivessemos percebido isso
antes, é uma coisa que uma simples frase explicativa na boca de
alguém resolveria".
Um
assunto que muitos consideram uma grande furada na cronologia é o
fato de Scotty aparecer em "Relics" (que se passa
em 2369), sendo que ele ficou suspenso no "looping" do
teletransporte por 75 anos, ou seja, desde 2294. Isso entraria em
conflito com a presença do engenheiro no filme para cinema "Jornada
nas Estrelas - Generations". Não entra não.
A história de "Generations" envolvendo os
eventos da viagem inaugural da Enterprise-B se passa em 2293, um
ano antes de Scotty seguir a bordo da Jenolen para a colônia de
Norpin V.
Através
de pistas dadas em toda a passagem de Scotty em Jornada nas
Estrelas, posso assumir que ele nasceu em 2222, começou a
servir a bordo da Enterprise original com 43 anos de idade e
desapareceu junto com a USS Jenolen em 2294, com 72 anos de idade,
após ter passado por nove naves diferentes. A Enterprise original
foi a décima, sendo a Enterprise-A, a última em que ele serviu,
a décima primeira.
"Relics" funcionou. Foi o melhor episódio
envolvendo um personagem fixo da série original de Jornada.
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