Capítulo
4 - Nadando contra a maré
A história
da segunda temporada de A Nova Geração
Ao final da
primeira temporada da Nova Geração era nítido que,
apesar de a série ter bons índices de audiência (o episódio
final atingiu a terceira posição entre os programas exibidos em
syndication mais vistos) algumas coisas teriam de ser mudadas para
o ano seguinte.
A Enterprise-D ainda não tinha um engenheiro-chefe regular e Worf
estava perdido na ponte de comando sem uma função específica e
que ainda combinasse com seu estereótipo Klingon. Complicando um
pouco mais as coisas, Gates McFadden, a dra. Crusher, resolveu
sair da série por não estar contente com o desenvolvimento de
seu personagem, e uma greve de escritores e roteiristas que durou
cerca de seis meses em 1988 atrapalhou a produção da nova
temporada.
Essa greve forçou os produtores a reduzirem o número de episódios
da segunda temporada de 26 para 22, além de fazerem a equipe de
produção desenterrar antigos roteiros de "Star Trek: Phase
II", a série de Jornada dos anos 70 que nunca foi
realizada.
Novos rostos
Para
substituir a dra. Crusher de Gates McFadden, Roddenberry (que na
época começava a perder força dentro do franchise) escalou a
atriz Diana Muldaur para viver a dra. Katherine "Kate"
Pulaski. Muldaur estava concorrendo com Christina Pickles pelo
papel, e talvez por já ter atuado em dois episódios da Série
Clássica, "Return to Tomorrow" como a dra.
Anne Mulhall e "Is There in Truth No Beauty?"
como a dra. Miranda Jones, tenha ganho a vaga. Diana Muldaur também
foi a primeira mulher eleita presidente da Academia de Artes e Ciência
da Televisão, organização responsável pelo prêmio Emmy, o
"Oscar" da TV americana. Kate Pulaski tinha um
temperamento muito parecido com o do Dr. McCoy, inclusive o receio
dos teletransportes, algo que gerou a primeira campanha de
protesto por cartas dos fãs americanos da Nova Geração.
Outro
rosto novo porém muito conhecido foi Whoopi Goldberg, ganhadora
de um Oscar pelo filme "Ghost", e uma das atrizes mais
populares do cinema. Whoopi sempre foi grande fã de Jornada,
e tinha em Uhura sua personagem favorita. Ao saber que Denise
Crosby (Tasha Yar) havia deixado a série, Whoopi ficou motivada
em tentar uma vaga no elenco da Nova Geração. Através de
LeVar Burton (Geordi La Forge), seu amigo de longa data, Whoopi
tentou entrar em contato com a produção da série para conseguir
algum papel, porém foi inacreditavelmente ignorada.
Diz a lenda que Whoopi só conseguiu atenção no dia em que
arrumou uma reunião com os produtores e disse: "Ei, sei que
não sou uma loiraça, mas me dêem uma chance!". Assim foi
criado o papel de Guinan, a anfitriã do novo "bar" da
Enterprise-D, o "Ten-Forward".
O
protótipo desse personagem já estava na cabeça de Roddenberry há
algum tempo, mas ele o imaginava como um alienígena estranhíssimo
(e masculino). Podemos dizer que a mudança foi benéfica.
Outras
mudanças: Riker passou a usar barba e Worf ganhou uma nova
maquiagem e uma nova faixa Klingon no peito. Deanna Troi passou a
utilizar um novo uniforme e La Forge foi promovido a
engenheiro-chefe. Worf também recebeu uma promoção. Agora ele
seria o novo chefe de segurança da nave, substituindo a falecida
Tasha Yar. Alguém tem dúvida de que Worf nasceu para esse papel?
Diana Muldaur e Whoopi Goldberg receberam o tratamento de
"convidado especial" nos créditos dos episódios.
Whoopi não apareceria em todas as semanas, e não haveria motivo
de colocar seu nome na abertura do episódio junto aos atores
regulares. Mas Muldaur sim, porém ela declinou da oferta,
preferindo o mesmo tratamento de Whoopi.
Altos e baixos
Apesar da greve de
roteiristas, a reciclagem de um roteiro antigo da "Phase
II" (que originou o episódio "The Child") e
a busca de roteiros especulativos enviados por roteiristas antes
da greve (de onde saiu o sensacional episódio "The
Measure of a Man") conseguiram segurar o ritmo da
temporada. E, com todas as dificuldades, a segunda temporada de A
Nova Geração foi consideravelmente melhor que a primeira. E,
paradoxalmente, produziu o pior episódio da série.
Essa aberração
ocorreu em razão de uma filosofia de produção que acabou se
provando equivocada: não houve um controle muito rígido de
gastos sobre os episódios individualmente, contando com o fato de
que, se alguns naturalmente custariam mais, outros acabariam
naturalmente custando menos, de forma que a conta no fim do ano
fecharia exata.
Isso não aconteceu. E
o resultado foi que os espetáculos de valores de produção
vistos em episódios como "Elementary, Dear Data"
e "Q Who?" custaram na qualidade dos últimos
episódios da temporada, em especial do derradeiro, "Shades
of Gray", feito praticamente com um
"não-roteiro" e com muitos clipes retirados de
episódios anteriores. Curiosamente, o melhor diretor da série
foi chamado a trabalhar nele, Rob Bowman. Ele relembra:
"Rick Berman me
ligou e disse, 'Ei, temos esse episódio; é o último da
temporada e queremos economizar dinheiro porque estouramos em episódios
anteriores. São dois dias de preparação e dois --ou três-- de
filmagem.' Eu pensei, 'Oh meu Deus, vai ficar simplesmente horrível',
mas ele disse, 'Olhe, eu vou pagar um cheque completo para você
fazer esse episódio!' Eu estava atravessando um divórcio na época
e não ia dizer não ao dinheiro, além de ter a chance de voltar
a sair com meus amigos. Eu olhei para ele como uma oportunidade;
'Quantos modos eu posso descobrir de filmar Jonathan deitado em
uma mesa tendo um pesadelo?'"
Bowman já havia
dirigido clássicos como "Where No One Has Gone Before",
"Datalore", "Elementary, Dear Data"
e "Q Who?", mas acabou ficando conhecido entre os
produtores da série apenas como o "rapaz da pizza". Ele
conta a história.
"Eu fui ao trailer de Jornada
e conheci Bob Justman, que, como você sabe, produziu a série
anterior, e ele estava surpreso com a minha idade --na época eu
tinha 26", relembra o diretor. "Mas ele disse, 'bem, de
toda forma, eu gosto de como você filme e estaríamos
interessados em ter você fazendo Jornada nas Estrelas'. Eu
estava lá com o Bob quando o Rick Berman enfiou sua cabeça pela
porta e olhou para mim e disse, 'Pizza?' Eu disse, 'Desculpe-me?'
e ele disse, 'Nós pedimos pizza; você é o rapaz da pizza?' e eu
disse, 'Não, eu sou Rob Bowman. Eu sou seu próximo diretor,
espero!'"
A vaga de Bowman estava garantida.
O diretor impressionou principalmente o criador da nova série,
Gene Roddenberry.
"Gene estava por lá um
bocado. Depois de dois ou três dias de filmagem ele até veio ao
set e me disse que ele gostou muito do material que eu estava
filmando. O diretor de fotografia na época disse para mim, 'Sabe,
ele nunca faz isso. Você deveria se sentir muito feliz.' Eu me
senti incrível! Todos os roteiros que eu dirigi eu tinha uma
reunião com Gene, e era uma honra trabalhar com ele. Eu tive
sorte de estar por perto antes de ele falecer."
O carinho é o mesmo por Rick
Berman, que estava lado a lado com Roddenberry na produção da
série, enquanto Maurice Hurley cuidava da equipe de roteiristas.
"Rick foi muito, muito bom para mim do começo até meu último
episódio, e eu tenho por ele muita gratidão."
Embora Jornada
tradicionalmente fosse controlada por escritores e produtores,
Bowman disse ter tido muita liberdade naquela época. "Eu
estava muito entusiasmado e queria ser parte integrante da série
e pareceu que Rick Berman me deu um pouco mais de latitude do que
a um diretor típico", diz. "Mas acho que eu me dei
muito, muito bem, e Rick me protegeu e me deu muitas oportunidades
para experimentar coisas e filmar a série de modos diferentes, e
tentar mover a luz por lá, o que nem sempre deu certo! Mas eu
senti como se minha voz importasse; eu senti que quando eu falava
eu era ouvido, e que eu era parte da solução dos problemas das
filmagens diárias."
Bowman acabou deixando a série
após "Shades of Gray", voltando apenas uma vez
na quarta temporada da série. Não foi por falta de gosto pelo
franchise. "Havia muitas novas séries de TV audaciosas lá
fora na época --'Miami Vice', 'Crime Story'-- e eu estava fazendo
Jornada, que algumas pessoas pensavam que era meio esgotada
e simples. Mas não era; era altamente imaginativa e criativa, e
os produtores-executivos eram muito acessíveis. Eu pensei, 'Sou
parte da história aqui; por que eu não gostaria de fazê-lo? Eu
não quero ir fazer tiras e advogados.' Mas quando eu contratei um
novo empresário ele disse, 'Eu não quero mais você fazendo Jornada
nas Estrelas.'"
E ele não foi o único a sair.
Na equipe de produção, algumas alterações
Do staff da primeira temporada, algumas mudanças ocorreram.
Talvez a mais sentida tenha sido a saída de Andrew Probert,
responsável pela criação de naves, utensílios e semelhantes.
Probert foi o criador da Enterprise-D, da nave Romulana e também
trabalhou no primeiro filme de cinema de Jornada, fazendo a
atualização do design da Enterprise original. Em seu lugar ficou
Rick Sternbach, já entrevistado
pelo Trek Brasilis. Junto com Michael Okuda, Sternbach
criou inúmeras piadas, homenagens ou citações nos displays gráficos
da Enterprise-D. Porém isso é algo que só quem está no set de
filmagem poderia perceber.
A equipe de escritores poderia ter se mantido inalterada, se não
fosse pela saída de Robert Lewin ("Datalore"),
descontente com as constantes revisões que Roddenberry fazia em
seus trabalhos, e de Hanna Louise Shearer ("When the Bough
Breaks"). Hanna Louise ainda voltaria para escrever dois
episódios como free-lancer. Além disso, o time sentia a falta de
David Gerrold, veterano da Série Clássica que não voltou
para o segundo ano.
Junto com Roddenberry, estavam de volta Rick Berman, Maurice
Hurley, Peter Lauritson, David Livingston e Tracy Tormé. Tracy,
que tinha o título de "co-editor executivo de histórias",
foi rebaixado para "consultor criativo" após um
conflito com Maurice Hurley sobre o roteiro de "The Royale".
Na verdade, a rusga tinha sido apenas a gota d'água.
Quando entrou para a equipe de
roteiristas, no início da série, Torme conseguiu um acordo com o
criador para não participar das reuniões dos roteiristas ou
rescrever roteiros. Ele só trabalhava sozinho e tinha um
compromisso de escrever três roteiros por temporada.
E ele não queria escrever qualquer
coisa. "Na minha mente, durante o primeiro ano, um dos
problemas com a série foi que ela jogou muito com a segurança e
foi tímida no que estava fazendo. Havia um tipo de visão geral
conservadora --'Melhor não a fazermos muito engraçada ou
estranha porque isso pode afastar as pessoas'. Esse
conservadorismo foi carregado para a segunda temporada. Eu
definitivamente tinha a noção de que eu queria sacudir o barco.
Eu sentia que não era algo desleal o que eu queria fazer, porque
a maioria dos episódios estavam sendo bolas rápidas baixas no
centro. Eu pensei que se eu atirasse umas bolas de curva, eu
estaria fazendo um serviço à série. Isso não era o que a série
seria toda semana, então por que não fazer algo que era um pouco
diferente?"
Na primeira temporada, seus três
roteiros foram "Haven", o campeão "The
Big Goodbye" e o controverso "Conspiracy"
(que foi rejeitado pelo líder da equipe de roteiristas Maurice
Hurley, mas Torme conseguiu usar sua relação próxima com
Roddenberry para fazê-lo ser filmado).
Quando começou a segunda
temporada, os produtores decidiram mudar o personagem da médica
para introduzir mais conflito entre os personagens. Torme tinha
suas próprias idéias sobre a mudança: "Eu fiz uma forte
sugestão para uma raça de alienígenas que é conhecida pela
honestidade absoluta todo o tempo. Para eles, contar até uma
mentirinha é tão ruim quanto contar uma mentira monstruosamente
grande. Eu achei que seria interessante ter um médico que sempre
vai dizer a verdade sobre seu status como paciente e sobre o que
eles pensam de você. Eu defendi isso porque pensei, 'Não vamos
simplesmente trazer outro médico humano. Vamos fazer algo que, só
por sua natureza, irá causar alguma controvérsia e conflito.' Eu
realmente senti que teria sido uma coisa ótima se eles fizessem
mas a idéia não teve nenhuma receptividade e nunca foi
seriamente considerada."
Seu primeiro roteiro durante a
segunda temporada deveria ter sido um episódio com Spock, mas ele
foi arquivado quando eles não puderam contratar Leonard Nimoy (o
que acabou acontecendo no quinto ano, com outra história).
"Eu ia escrever o episódio do
Spock. Isso teria sido algo que eu realmente teria gostado; seria
divertido fazer a ponte entre as duas séries. Eu até escrevi o
que eu acho que teria sido uma história incrível, mas, por
alguma razão, ela caiu de lado e eu a afastei. Ia voltar ao
Guardião da Eternidade."
Em vez disso, seu primeiro roteiro
do segundo ano foi "The Schizoid Man". Algumas
mudanças ao roteiro foram feitas por Hurley, incluindo a remoção
de uma cena em que Data é careca como Picard (no começo do episódio,
Data acaba com uma barba como a de Riker), mas Torme ficou
basicamente satisfeito. As mudanças feitas em "The
Schizoid Man", entretanto, eram um prelúdio para o que
viria depois, gerando muito conflito entre ele e Hurley.
Seu episódio seguinte era "The
Royale". Seu roteiro era bem diferente da versão final
filmada; em sua história o hotel era baseado nas memórias de um
astronauta moribundo (e não em um livro) e o astronauta aparece
como um personagem. Muitas mudanças foram feitas no roteiro, a última
delas tendo sido a remoção do astronauta, o que revoltou Torme a
ponto de tirar seu nome e usar um pseudônimo.
"Eu realmente achei que ia
funcionar. Eu me lembro de pensar, 'Esse vai ser um episódio de
torcer a mente'. Eu adorei seu surrealismo. Eles fizeram uma
grande diretriz na época --'Não queremos grandes papéis
convidados. Queremos nos concentrar em nossos personagens'. Então
o astronauta se tornou um esqueleto e tudo sobre ele na história
tinha sumido. Essa foi a maior coisa com que tive problema nas
rescritas; ele era o coração da história para mim. Peça por peça,
quando via essas rescritas no roteiro, eu só pensava, 'Oh meu
Deus', porque era tão diferente. Foi aí que 'Keith Mills'
surgiu. Eu achei muito doloroso. Eu não acho que tenha visto todo
o episódio, porque eu não acho que poderia ter terminado de
ver."
Seu roteiro final foi "Manhunt".
Novamente, houve grandes mudanças no roteiro, principalmente nas
cenas de Dixon Hill, e de novo ele usou um pseudônimo. Após sua
experiência com "The Royale", ele nem se dedicou
muito a "Manhunt" e nunca viu o episódio.
"Eu realmente não me atirei
de corpo e alma nele. Eu tinha de fazê-lo porque estava sob
contrato. Eu sabia que essa coisa não seria feita do jeito que
queria, então eu basicamente não me apeguei a ele como eu fiz
com 'The Royale'. Eu usei um pseudônimo diferente como um
outro protesto. É interessante, porque no Sindicado dos
Escritores você pode ter dois pseudônimos e então eles estão
com você pelo resto da sua vida. Essas são os únicos roteiros
que 'Terry Devereaux' e 'Keith Mills' escreveram antes de sumirem
da face da Terra!"
No fim da segunda temporada,
Maurice Hurley saiu da série, e Berman pediu a Torme para voltar,
mas ele decidiu que era hora de partir. Olhando para trás ele tem
boas recordações. "Eu me diverti. Tive uma bela experiência
lá."
Ele tem elogios para distribuir a
Rick Berman. "Ele tem uma incrível capacidade de manter tudo
nos eixos e ele teve um papel central em conduzir a série por
alguns tempos difíceis."
Mas a pessoa que mais impactou
Torme foi Roddenberry. "Minha relação com Roddenberry teve
um grande efeito em mim e mudou o curso da minha carreira em
muitos modos. Ele tinha muita afeição por mim e realmente me
colocou sob sua asa. Muito cedo ele me disse que sentia que eu
estaria criando minha própria série algum dia, e ele me mostrou
os benefícios de fazer isso. Isso realmente despertou meu
interesse em criar meu próprio programa, o que eu não acredito
que eu teria feito se não fosse por isso. Devo muito a ele."
Depois de deixar Jornada,
Torme tornou-se co-criador de "Sliders" e foi
produtor-executivo da série pelas duas primeiras temporadas.
Repartindo as trilhas
A música dos episódios do segundo ano ficou a cargo de Ron Jones
("The Best of Both Worlds") e de Dennis McCarthy
("Jornada nas Estrelas - Generations"). Ron
ficava com os episódios "pares" e McCarthy com os
"ímpares".
Durante a segunda temporada, a Nova Geração recebeu as
seguintes indicações para o prêmio Emmy:
- Desenho de produção por "Elementary, Dear Data"
- Vestuário por "Elementary, Dear Data"
- Efeitos visuais por "Q Who?"
- Maquiagem por "A Matter of Honor"
- Penteado por "Unnatural Selection"
- Mixagem de som em série dramática por "Q Who?"
- Edição sonora por "Q Who?"
Apesar de tantas indicações, a Nova Geração não ganhou
nenhum Emmy naquele ano.
Essa
temporada apresenta diversos episódios interessantes, sendo os
melhores "Q Who?", "A Matter of Honor",
"The Measure of a Man", "The Emissary","Elementary,
Dear Data", "Contagion", "Time
Squared" e "Peak Performance". E o um
dos piores episódios de Jornada também está presente por
aqui. É "Shades of Gray", o último da
temporada, que praticamente é um show de flashbacks. Culpa da
greve dos roteiristas? Talvez.
De toda forma, ainda faltava cumprir a promessa de ultrapassar o
nível de qualidade atingido pela Série Clássica. Mas
tudo mudaria na temporada seguinte...
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