por Fernando Rodrigues



 









 

Capítulo 3
Câmeras no século 24
Roddenberry volta a colocar a franquia na televisão, mas será que ele sabe como ela funciona na década de 80?

“O século 24 está prestes a começar”. Com esta frase, o chefe de televisão da Paramount, Mel Harris, deu início à campanha publicitária para o lançamento de “A Nova Geração”.

Simultaneamente, nos estúdios da Paramount, este moto era uma realidade. Com o conceito definido e atores escalados, a produção do primeiro episódio inédito de uma série de Jornada nas Estrelas em 18 anos estava prestes a começar. E, com isto, um desafio a todos os envolvidos: produzir 26 episódios de uma série de ficção científica dentro do prazo e orçamento restritos de uma produção televisiva. Mas, como a própria definição do episódio piloto, a jornada não seria simples.

Fairpoint

Gene Roddenberry e D.C. Fontana haviam, para o episódio piloto, desenvolvido toda a trama envolvendo o mistério da estação Farpoint. O rascunho original de Fontana era mais voltado à ação, com uma criatura alienígena capturada por uma raça simiana conhecida como “Annoi”.

Os Annoi forçavam a criatura a criar uma plataforma orbital em torno de si, simultaneamente alimentado a criatura apenas o bastante para sua sobrevivência. Neste rascunho, duas naves da Federação, a Enterprise e a Starseeker, iriam até o planeta, mas a Starseeker seria destruída pelos Annoi. Este rascunho original previa um episódio piloto com uma hora de duração.

Foi então que a Paramount comunicou a Roddenberry o seu desejo de que o episódio piloto, afinal, tivesse a duração de duas horas. Sentindo-se confortável ao voltar para o comando de uma série de TV, Roddenberry negou-se terminantemente a produzir um piloto com duas horas. Enquanto este impasse perdurou, continuou-se a trabalhar num roteiro de uma hora de duração.

Quando Gene finalmente entregou os pontos, havia pouco tempo para se ajustar e expandir o roteiro do episódio piloto. Ele, então, criou uma segunda trama, que pudesse se desenrolar em paralelo com o mistério de Farpoint – criando, no processo, Q. Algumas outras cenas ainda foram incluídas, de modo a se conseguir a duração necessária ao episódio – entre elas, encontram-se as longas seqüências de separação e junção da seção disco da nave, e a visita do Almirante McCoy.

Com o roteiro em seus estágios finais, faltavam poucos detalhes para as filmagens, programadas para terem início em 01/06/1987, apenas nove meses após a aprovação do conceito inicial pela Paramount. O principal, porém, dizia respeito à aparência de alguns personagens.

Michael Westmore, maquiador vencedor do Oscar de 1981, foi contratado para cuidar de todos os alienígenas da série, e um certo andróide. Para Worf, o primeiro klingon a ser visto trabalhando na ponte de uma nave da Federação, a tarefa era simples. “Eles me mostraram uma série de vídeos com todos os klingons mostrados nos filmes”, relembra Westmore, “e o que eu pude perceber foi que não haviam dois klingons iguais! Assim, pude criar minha própria visão dos klingons, a partir do que havia visto nos filmes”. O desafio, porém, era tornar o processo de maquiagem o mais curto possível. Westmore desenvolveu o rosto de Worf em três peças separadas: uma carapuça que incluía a “testa de tartaruga” típica dos klingons e os cabelos, um nariz postiço e dentes falsos.

Deste modo, o processo de maquiagem levava “apenas” cerca de 2 horas e meia – criando para Dorn a rotina de chegar ao set às 5 horas da manhã. Data, porém, mostrou-se um assunto mais complicado. Roddenberry simplesmente não se decidia quanto ao que desejava para sua aparência. Foram necessários 24 testes de maquiagem antes de se chegar ao já conhecido prateado de sua pele, o que resultou em histórias interessantes. Rick Berman relembra que “teve de conversar muito com Gene para fazê-lo desistir de a série ter um andróide cor-de-rosa!” O tom prateado de sua pele, eventualmente, foi completado com a adição de lentes de contato amarelas.

Se a cor dos olhos de Data foi o menor dos problemas de maquiagem para Brent Spiner, outro utensílio ótico mostrou-se mais complicado: o V.I.S.O.R. usado por La Forge. Por três meses o departamento de arte da série procurou desenvolver um artefato que fosse ao mesmo tempo avançado e facilmente reconhecível pela audiência. LeVar Burton, porém, dizia que “todos os protótipos se pareciam apenas com óculos modernos”. Finalmente, Mike Okuda trouxe um dia para o estúdio um prendedor de cabelo de sua namorada, dizendo que daria um ótimo V.I.S.O.R. para Geordi.

Partindo da idéia de Okuda, Rick Sternbach eventualmente criou o modelo visto ao longo das sete temporadas da série. Com o início das filmagens, a produção finalmente colocou todas suas engrenagens para girar. A teimosia de Roddenberry com relação à duração do episódio, porém, teria seu preço: o episódio ficou curto demais. Coube a Bob Justman e os editores da série esticar ao máximo possível o episódio, tornando-o, em alguns momentos, lento demais.

O bom e velho Gene

Roddenberry trouxe da Série Clássica a fama de reescrever todos os roteiros da série. Na “Nova Geração” não foi diferente: virtualmente todos os roteiros passavam pela mão do Grande Pássaro, provocando inevitavelmente conflitos com a equipe de roteiristas. Mas Roddenberry achava fundamental que todos os episódios fossem fiéis à sua visão de Jornada, e durante a primeira temporada, quando a série ainda estava encontrando o seu tom, o método encontrado por ele para garantir que esta visão chegasse à tela era reescrevendo todos os roteiros.

“Houve muitos roteiros reescritos, e isso feriu alguns egos”, relembra Maurice Hurley, que eventualmente se tornou produtor durante a primeira temporada.“Você suspende seus sentimentos e suas crenças e se adequa à visão de Gene – ou você terá seu roteiro reescrito”. Mas as intervenções de Gene não eram a única causa de atrito entre os roteiristas. “No começo, haviam muitas idéias sendo incluídas em cada roteiro. Havia uma tendência de se fechar um episódio muito rapidamente. Muita coisa no pacote, tentando faze-lo transbordar”, relembra Hurley.

Com isso, iniciou-se um padrão que perduraria até a terceira temporada da série: as constantes substituições de roteiristas. David Gerrold, veterano da série clássica responsável pelo roteiro do episódio “The Trouble with the Tribbles”, foi o primeiro a abandonar o barco, antes mesmo de as filmagens do episódio piloto terem início. Gerrold alegou que “promessas não haviam sido cumpridas” como justificativa para deixar a série, referindo-se a um episódio que escrevera como uma alegoria à epidemia de AIDS. Pouco depois, foi a vez de Dorothy Fontana demitir-se, inconformada com as constantes revisões dos roteiros. Com isso, e as saídas de Ed Milkis e Bob Justman, o único membro da série clássica a permanecer na produção de “A Nova Geração” foi o próprio Roddenberry. Com isso, Rick Berman acabou sendo promovido... e o resto é história.

Simultaneamente, Roddenberry lutava para manter intacta a sua filosofia de que os personagens principais da série não entrariam em conflito entre si – o que se mostrava uma grave dificuldade para os roteiristas. Outros problemas que começariam a aflorar em setembro, com a estréia da série, seriam a enxurrada de críticas as tramas dos episódios, que muitas vezes relembravam reaproveitamento de episódios da série clássica. Os casos mais claros eram o segundo episódio da série, “The Naked Now” (refilmagem do episódio da série clássica “The Naked Time”), e o episódio “Where No Man Has Gone Before” (que foi uma adaptação do romance “The Wounded Sky”, que Diane Duane escrevera com os personagens da série clássica).

Os roteiristas passariam a temporada inteira tentando encontrar uma identidade para a série, sem sucesso. E os fãs notavam esta inconsistência e uma certa falta de continuidade, exemplificada pela longa fila de engenheiros chefes mostrados ao longo da temporada, e mesmo alguns personagens surgindo em mais de uma função na nave ao longo da série. Simultaneamente, Deanna Troi conseguia pouca ou nehuma atenção no roteiro, e seu romance com Riker foi paulatinamente sendo esquecido.

“Vocês estão me pagando US$ 2.000 por hora apenas para ficar sentado aqui”

Se no campo das histórias a série encontrava dificuldades para encontrar seu tom, a equipe de produção rapidamente adequava as necessidades da série aos prazos e orçamento apertados.

Inicialmente, optara-se por adotar a mesma sistemática da série clássica para efeitos especiais: a criação de uma biblioteca de imagens, começando com as tomadas criadas pela ILM para o episódio piloto, e com uma pessoa a cargo da supervisão e criação de novos efeitos. Robert Legato, porém, no cargo de coordenador de efeitos especiais, rapidamente ficou claro que esta estratégia não daria certo. “O plano era iniciar com a biblioteca de imagens criadas pela ILM, e adicionar cerca de cinco tomadas a cada episódio”, relembra Legato.

O que ele descobriu, porém, é que seria muito mais rápido – e conseqüentemente mais barato – criar as tomadas especificamente para cada episódio. O uso de uma biblioteca de imagens resultava em se perder um longo tempo ajustando uma determinada tomada às necessidades específicas de cada episódio. Por exemplo, mostrar a Enterprise em órbita de um planeta significava substituir um planeta utilizado em um episódio anterior pela imagem do planeta necessário ao episódio da semana. A mesma sistemática era válida para a Enterprise encontrando uma outra nave, uma nebulosa, e por aí vai. “Se você quer fazer certo e fazer de modo efetivo, o certo é filmar exatamente aquilo que você precisa. Dá menos trabalho e fica dramaticamente e visualmente melhor”, relembra Legato.

O modo de se realizar os efeitos, porém, era o menor de seus problemas. Com cada episódio exigindo cerca de oitenta tomadas de efeitos especiais, Legato se viu cada vez mais atolado em trabalho, quase o levando a exaustão. Sua rotina incluía trabalhar a noite toda nas tomadas realizadas durante o dia – deixando tudo pronto para que as câmeras voltassem a funcionar pela manhã. Com o excesso de trabalho, rapidamente a unidade de efeitos especiais começou a estourar o orçamento. Chamado a uma reunião para discutir o assunto, Legato rapidamente conseguiu mostrar seus problemas ao afirmar que “apenas para eu ficar sentado nesta reunião está lhes custando US$ 2.000 por hora”. A partir de então, a série contaria com dois supervisores de efeitos – o próprio Legato e o recém contratado Dan Curry.

Uma outra mudança de paradigma envolvia as tomadas de efeitos especiais que incluíam ao atores – as famosas tomadas de tela azul. Ao longo dos primeiros nove episódios, o diretor de cada episódio era responsável por coordenar as filmagens em tela azul. Porém, por não conhecer as sistemáticas necessárias para a condução dos efeitos, o diretor acabava filmando estas tomadas de modo que atrapalhava o trabalho da equipe de efeitos. Deste modo, legato convenceu a produção a criar uma segunda unidade de filmagem, que seria responsável exclusivamente pelas tomadas de efeitos especiais.

AQUELA GOSMA PRETA...

Se no campo técnico a produção da série cada vez mais era uma máquina bem lubrificada, os problemas no desenvolvimento dos roteiros começavam a cobrar o seu preço. Denise Crosby, insatisfeita com o desenvolvimento dado a seu personagem, pediu amigavelmente aos produtores da série para providenciarem a sua saída. A decisão, afinal, foi que seu personagem seria morto – o primeiro personagem regular de Jornada a morrer de forma definitiva. Enquanto a equipe de roteiristas não chegava a uma conclusão sobre como realizar a sua partida, Roddenberry deu sua palavra final – Tasha teria uma morte “à la camisa vermelha”. Em outras palavras: o segurança presente no planeta alienígena sofreria uma morte rápida.

Se por um lado o modo como sua personagem morre seria uma tanto quanto sem glamour, sua cena final na série, porém, compensaria pela falta de desenvolvimento de seu personagem na série. Com uma mensagem holográfica gravada, Tasha se despede de seus amigos – cena que provocou muitas lágrimas no set.

Problemas com roteiro ou não, a primeira temporada da série deixou a Paramount feliz. A audiência era boa – a maior no cobiçado segmento “homens entre 18 e 49 anos" – e a resposta dos fãs era entusiástica. Pesquisas realizadas pelo estúdio apontavam uma aprovação de noventa por cento entre os fãs.

A segunda temporada estava garantida. Bastava, agora, a série encontrar o seu rumo – o que não seria fácil.