Bastidores do projeto
por Salvador Nogueira
Em 2001, enquanto trabalhava como
jornalista da editoria de Ciência do diário Folha de S.Paulo, fui
pautado a fazer uma reportagem. O tema era uma efeméride: completavam-se
então cem anos da primeira circunavegação aérea da Torre Eiffel, realizada
pelo brasileiro Alberto Santos-Dumont.
Pouco sabia eu então do trabalho desse inventor, tão reverenciado no país, com os
dirigíveis. O chamado "Pai da Aviação", para mim, era um homem dos aviões,
não dos balões. Fui descobrir que não. Na verdade, muitas descrições vagas
que as pessoas têm dos feitos de Santos-Dumont acabam fazendo com qeu se misturem as bolas: há quem
jure que Alberto contornou a Torre Eiffel com seu primeiro avião, o 14bis,
tarefa que, depois eu descobriria, era simplesmente impraticável.
O fato é que eu vi naquela pauta a oportunidade para matar uma velha
curiosidade. Desde crianças, todos aqui no Brasil são doutrinados com a
seguinte ladainha: "Santos-Dumont inventou o avião. Há, no entanto, uns
irmãos americanos, chamados Wright, que dizem tê-lo feito. É tudo mentira.
Eles são uns farsantes, refletindo a mania ianque de dizer que inventou tudo
de importante na era moderna."
Eu tinha exatamente essa visão. Mas, como jornalista, me pus a investigar.
Nem precisou escarafunchar muito para constatar que isso estava longe da
verdade. Depois de analisar os fatos, ainda que superficialmente, cheguei à
conclusão de que quem vivia no mundo criado pela "propaganda governamental",
neste caso, era o Brasil, não o resto do mundo -- que aceita e reverencia a
primazia dos Wright.
Claro, naquela ocasião eu tinha subsídios apenas para uma reportagem de
jornal, e foi o que fiz. Mas o tema não saiu da minha cabeça. E nem da dos
leitores, pelo visto. Até hoje, de todas as matérias que já fiz, as que
tiveram maior repercussão do leitorado, na forma de cartas e e-mails, muitos
deles passionais e agressivos, foram as ligadas à disputa Santos-Dumont e
irmãos Wright.
Percebi que tinha acertado um nervo, e decidi que voltaria ao assunto sempre
que tivesse oportunidade. A curiosidade, a essa altura, já tomava conta de
mim, e eu começara a me apaixonar por todos aqueles incríveis personagens
envolvidos na invenção do vôo mecânico, no fim do século XIX e começo do XX.
Em 2003, com o centenário dos primeiros vôos motorizados dos Wright, marco
internacionalmente
tido como o mais importante do início da aviação, voltei a investir (e
a investigar), mais uma vez causando polêmica. E os nacionalistas
tupiniquins tiveram
mais uma ocasião para rir e celebrar quando, em 17 de dezembro, a réplica do
Flyer fracassou em decolar, diante de uma enorme platéia em Kitty
Hawk, na Carolina do Norte. O evento teve até a presença do presidente dos
Estados Unidos, George W. Bush.
Vi que faltava, de um lado e de outro, informação sobre como realmente se
deu a criação dessa máquina incrível, que mudou o (tamanho do) mundo. Daí
nasceu a determinação para produzir um livro, e lançá-lo no próximo
centenário relevante -- o dos primeiros vôos de Santos-Dumont com seu 14bis, em
1906.
Decidi que o projeto deveria ser especial não só no conteúdo, mas também na
forma. Ousando um pouco mais, optei por uma narrativa em formato romanceado.
Isso, é claro, não descaracteriza o valor documental de Conexão
Wright-Santos-Dumont. Foi apenas uma fuga do formato acadêmico, com o
objetivo de "popularizar" a história. Não se trata de expressão pejorativa,
mas literal. Sendo a criação do avião um tema tão caro aos brasileiros,
eu gostaria de levar minhas idéias à baila da forma mais cativante possível.
Para esse fim, um enredo na forma de um romance de aventura era
irresistível.
Ademais, os personagens e suas trajetórias são tão fascinantes que pouco foi
preciso inventar para preencher as lacunas. Meu trabalho, portanto, foi mais
de adaptação que de ficção. No fundo, a meta era produzir uma versão
menos enviesada da história, ainda que mais entusiasmante.
O trabalho de pesquisa veio, naturalmente, desde minha primeira reportagem
sobre o tema, em 2001. No início de 2005, fiz um rápido
esquema dos
principais pontos do livro (outros seriam acrescidos durante a redação,
alguns modificados). Munido desse plano de vôo, mergulhei no trabalho da
redação em si. Foi tudo muito rápido, indo do começo ao fim de janeiro a
junho de 2005. Algumas revisões e modificações, e chegava a hora de procurar
uma editora.
Recomendado pelos amigos Ulisses Capozzoli, Alcino Leite Neto e Daniel
Sasaki, procurei Luciana Villas Boas, da Editora Record. Ela de pronto
acolheu o projeto, aceitando inclusive o desafio de acelerar a preparação
dos originais para que a publicação ocorresse em meados de 2006. No final de
junho, conforme os planos, Conexão Wright-Santos-Dumont chegava às
livrarias. |