Tecnologia
e Humanismo em Jornada Oi
pessoal. Vou contar um segredo a vocês: quando eu tinha meus 7, 8 anos e via Jornada
nas Estrelas em preto e branco nos anos de 1970, era um dos que sonhava em
ter um comunicador, assim como a tripulação da Enterprise. Costumo
dizer que a era da comunicação é, na verdade, a era das empresas de comunicação,
principalmente as telefônicas. Hoje em dia as operadoras de telefonia jogam vários
comerciais em cima das nossas cabeças todos os dias, com custos cada vez maiores.
Sem contar as ligações inoportunas que tiram o sossego da gente por vários motivos.Por
isso, me recuso a comprar um celular! Sou parte da população mundial que não tem
um aparelho desses por vontade própria. Loucura? Há gente que toma umas decisões
assim por causa do lado negro da modernização tecnológica. Como
toda obra de ficção científica, Jornada nas Estrelas tem muitos technobables
e fenômenos extraordinários apresentados através dos efeitos especiais com muita
criatividade e inovação. Mas, suas histórias não deixam de mostrar criticamente
os problemas que isso traz às pessoas. Imaginem viver num mundo sem tecnologia,
onde ela é abandonada em nome da harmonia e da felicidade e do bem-estar de todos.
Há algum tempo, tenho cultivado o hábito de passar as férias em lugares que são
considerados paradisíacos, com muita natureza bonita e pouca civilização, gente
tentando viver de modo alternativo, com pouca sofisticação para o atendimento
das necessidades básicas de comer, beber, dormir e perder algum tempo com atividades
prazeirosas, sem ir além de um CD player portátil para ouvir reggae, blues, MPB
e rock. Ainda há vários cantos assim
espalhados pelo Brasil, onde a juventude das grandes cidades tenta se "esconder"
do progresso e do ritmo louco da vida urbana. No litoral e no interior, o país
fica cheio de visitantes nativos e estrangeiros que buscam refúgio. Esse pessoal
vive um estilo parecido com os hippies dos anos 60 e as diversas comunidades alternativas
que foram criadas pelo mundo posteriormente. Muitos não carregam nem mesmo telefone
celular ou aquela bagulhada toda que simboliza o cotidiano; às vezes aparece alguém
de câmeras de vídeo pequenas ou embutidas nos celulares; vários vão de carro,
é claro, mas, televisão, nem pensar... Isto demonstra que existe um certo desprezo
e desconfiança de alguns sobre a utilidade do universo de aparelhos tecnológicos
que temos hoje e estamos desenvolvendo para o futuro.
Nos
episódios e filmes de Jornada nas Estrelas esse tema foi razoavelmente
explorado, conforme podemos ver a seguir; na Série Clássica há o sentimento
de que a máquina não pode terá mesma sensibilidade que os seres humanos, como,
por exemplo, em "The Ultimate Computer", onde o Dr. Richard Daystron
apresentou para a Frota Estelar o seu projeto de mais alto padrão tecnológico
na área da computação, o chamado M-5. Então, vemos Spock desafiar a capacidade
lógica do equipamento que destruiu vidas humanas, inclusive ameaçando a tripulação
da Enterprise. Nesta ocasião, o Dr. McCoy, como um bom médico do interior, representa
bem esse lado sentimental que jamais admitiria a superação do homem pela máquina.
O nosso bom doutor lembra a impossibilidade das naves serem totalmente automatizadas
por causa da sua falta de intuição e inteligência reflexiva, capaz de avaliar
as variáveis para além da lógica. Kirk e Spock dão a solução final quando põem
o M-5 diante de um simples dilema, que conflita criador vs. criatura. Assim, o
sonho de Daystron acaba frustrado e ele mesmo se torna uma vítima da sua criatura.
Em outro episódio, "The Way of Eden", Spock também está no centro
da cena, dialogando com o Dr. Sevrin, líder de uma comunidade neo-hippie. Seus
integrantes rejeitaram a vida tecnológica do século 23 e percorrem o espaço em
busca do paraíso perdido. Isto é bastante parecido com algumas das muitos refúgios
tropicais que temos em nosso mundo. Lembre-se
de que Chekov quase foi seduzido a seguir o grupo por causa do seu amor por Irina
Galliulin, que abandonou a Terra para seguir Sevrin e seu bando alegre. Do mesmo
modo, Spock viu muitos méritos na atitude contemplativa e de meditação, utilizando
a música, que os seguidores de Sevrin cultivavam, em nome da paz e harmonia. No
contexto de A Nova Geração, temos o filme para cinema "Insurreição",
onde a vida dos Bak'u é mostrada de forma bucólica e tranqüila, com uma rotina
rural e de pequena manufatura. Na avaliação desse povo, os artefatos tecnológicos
podem ser deixados de lado em troca de uma vida pacífica e feliz. Sabemos o que
isso representa de contraste com o padrão da Federação e dos Son'a, que cobiçam
o planeta dos Bak'u, escondendo que são seus descendentes que emigraram por se
recusarem a viver de maneira pré-industrial, mas cobiçam o mito da eterna juventude.
Em
DS9, o tema é revisitado em "Progress", quando a major
Kira tem de levar os habitantes, mas um deles, Mullibok, se recusa a deixar o
planeta por achar inexplicável que a sua vida corre riscos. Em "Meridian",
a tenente Dax é também seduzida a viver em um mundo bucólico e acolhedor, que
viaja por outras dimensões do espaço-tempo, aparecendo sazonalmente no nosso universo.
Sobretudo quando se apaixona por Deral, um nativo deste planeta viajante. Pelo
que andei pesquisando no computador-biblioteca, não vi nenhum episódio de Voyager
ou Enterprise que tratassem diretamente dessa temática. Seria importante
saber se tal omissão foi proposital ou apenas uma mera coincidência, já que o
tema civilização tecnológica vs. humanização é um tópico recorrente não só em
Jornada, mas no gênero ficção-científica. Ainda mais numa época onde
passamos por mais uma grande transformação dos padrões de parafernália tecnológica
que infestam nosso cotidiano da vida econômica, política e cultural: biotecnologia,
ecologia, transportes, comunicações, computação, alimentação, segurança, educação,
defesa, trabalho etc. Este é um assunto
tão vasto, meio na base criador vs. criatura, que jamais nos livraremos dele.
A partir do contexto de cada época sempre haverá algum questionamento ou prognóstico
a favor ou contra. Portanto, não dá pra dizer muito além, a não ser que a caixa
de Pandora foi aberta e que, no fundo, só nos resta a esperança de, talvez num
dia, possamos chegar a um razoável equilíbrio. Quem
sabe? É possível que venhamos a ter contato com uma civilização como a vulcana,
capaz de nos ajudar a compatibilizar o aparato tecnológico com a sabedoria e o
bem-estar. Cláudio
Silveira escreve regularmente para o Trek Brasilis
PS: Um pouco antes de concluir estas linhas, soube da morte do diretor Bob
Wise. Por tudo que ele representou para o cinema e para todos nós, fãs de Jornada,
mais uma vez eu escrevo aqui no TB: Obrigado,
Robert Wise.
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