Obrigado,
Robert Wise
A
primeira vez que eu fui ao cinema, foi com a minha mãe e a minha
irmã, em Olaria, Zona Norte do Rio de Janeiro. Esse é um bairro ao
lado de Ramos, onde fazemos nossa reunião trekker. O cinema era um
verdadeiro cine-teatro, daqueles que viraram clube, igreja ou foram
demolidos. O filme era "A Noviça Rebelde", de Robert
Wise. Eu tinha cinco anos de idade, fiquei admirado com as cores,
mas com muito medo do escuro. Como chorei muito, minha mãe nos
levou embora bastante contrariada.
Alguns
anos mais tarde, eu continuava com medo de escuro, assim como de
discos voadores. Então, eu vi um outro filme de Robert Wise,
chamado "O Dia em que a Terra Parou". Fiquei fascinado e
revi várias vezes, em reprises na televisão, até que um dia as
lojas passaram a vender videocassetes. Nesse tempo eu também já
assistia à Série Clássica, em preto e branco. A partir daí,
já estava completamente tomado pela ficção científica.
Robert Wise e Jornada se juntaram na realização do primeiro
filme lançado para completar as aventuras da tripulação original
da Enterprise. Agora, temos a versão em DVD, com cenas inéditas,
mais próximas das intenções do diretor. Estamos aqui em Ramos
para vê-la. Aqui é terra de sambistas como Dicró, o bloco Cacique
de Ramos e a escola de samba Imperatriz Leopoldinense. Tem praia
poluída, mas tem também um piscinão limpíssimo. Assim, estamos
muito bem acompanhados... Das novidades e detalhes dessa nova versão,
vocês já sabem por aquilo que meus colegas do TB escreveram
nesses dias. Eu vou falar é do seu diretor.
Queria
começar dizendo o que é óbvio e inegável. Robert Wise é um
grande diretor, daqueles que o mundo produz uma pequena safra. Os
seus méritos nesta nova versão de "Jornada nas Estrelas -
O Filme" estão relacionados ao seguinte.
Em primeiro lugar, aceitar o desafio quase inédito de transpor para
o cinema uma obra produzida para a televisão. Alguém pode achar
que isto se torna mais fácil quando se trata de um sucesso
fenomenal, mas é exatamente o contrário. Tanto é assim que até
hoje muita gente torce o nariz para o filme, dizendo que o seu ritmo
não tem nada a ver com o seriado. Mas devemos nos lembrar das
diferenças de linguagem entre o cinema e a televisão.
Em segundo lugar, Robert Wise aceitou o desafio de dirigir um filme
de ficção científica logo depois de George Lucas ter feito
"Guerra nas Estrelas", modificando a linguagem do cinema
em nome das características televisivas. O seu sucesso aconteceu em
muito porque uniu os efeitos especiais a um roteiro que tem mais ação
do que conteúdo. Spielberg enveredou pelo mesmo caminho e se tornou
o papa deste formato. Depois, ele resolveu fazer filme com mais
seriedade, como "A Cor Púrpura" e "A Lista de
Schindler".
Em terceiro lugar, Robert Wise encarou uma trabalho enorme com a
excessivas alterações de roteiro, transtornos da produção, exigências
do estúdio e de Gene Roddenberry. Uma boa dose de paciência foi
gasta para filmar, refilmar, descartar e incorporar aquilo que os
outros determinavam. No fim de tudo, ainda teve (e tem) de aturar a
comunidade trekker, zelosa do objeto de sua adoração, mas também
cheia de muita gente chata e idiossincrática ao extremo.
Em quarto lugar, Robert Wise teve o mérito de propor o relançamento
do filme, com um acabamento mais redondo e de acordo com aquilo que
ele gostaria de mostrar. As cenas incluídas nos dão uma percepção
melhor do roteiro. Isto sem falar no aumento da beleza do filme, com
mais detalhes nas tomadas nos planos gerais e nos planos fechados.
Os diálogos acrescentados, como as falas de Spock sobre V’Ger e o
desembarque do grupo para religar a sonda, contribuíram para
melhorar as coisas. É isto que penso ser o mais importante:
entender melhor a relação criador versus criatura. No caso da
sonda da Nasa, perguntar e responder é muito mais fácil do que no
nosso, não é mesmo?!
O filme em si continuou longo, com aquelas cenas enormes de tomadas
da Enterprise e da nave de V’Ger, que agora, enfim, aparece vista
do lado externo. Afinal de contas, Wise não tem nada a ver com
Lucas e Spielberg, para a decepção de muitos. Apesar de tudo, o
resultado final, certamente, aumentou o número de acertos.
Melhor pararmos por aqui, senão eu teria de falar das caras e bocas
de Ilia, do "gelol" que a doutora Chapel passa em Chekov,
dos "pijamas" da tripulação, da silhueta de Darth Vader
e da nave alienígena meio "Mimbari", meio
"Taelon" daquela criancinha pirracenta e inquieta.
A nova versão ajuda a dar ao filme e ao seu diretor o respeito que
eles merecem. Mais uma vez, valeu Bob!
P.S.: Falando em criancinha, aproveito o clima e dedico esta
matéria a Julia, minha sobrinha, Isabela, filha de Oswaldo, e
Lucas, filho de Chacal. Eles já nasceram trekkers e representam um
pouco da nossa esperança no futuro.
Cláudio
Silveira escreve regularmente sobre os filmes com
exclusividade para o Trek Brasilis
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