Publicado em
21 de agosto de 2006


Dossiê Braga-Threshold
Às vezes até as salamandras podem ser irônicas!


 









 


por Lucsly e Dulmer (Agentes Temporais da Frota Estelar)

O impensável aconteceu! Você tem um plano?

Com certeza, Deus existe e tem senso de humor, principalmente se o leitor acha que o roteirista e produtor Brannon Braga é de fato o anti-cristo de Jornada nas Estrelas. No dia 28 de agosto de 2006, às 20h, estréia no canal a cabo AXN “Threshold”, a ironicamente intitulada série de TV, projeto solo de Braga, que mostra enfim, de forma inequívoca, tudo o que homem pensa sobre como deve ser uma série televisiva de ficção científica. Sua coerência histórica em tal sentido é, aliás, deveras marcante, confirmando o que poucos hoje em dia ousam discutir: sua exata “contribuição” para Jornada. Saiba mais nas linhas abaixo sem precisar ter seu DNA alterado no processo.

A Jornada de Braga... 

Em 1990, o jovem Brannon Braga, então com 25 anos, desembarcava como estagiário na equipe criativa da série A Nova Geração. Seu primeiro trabalho ali (creditado) foi uma rescrita no roteiro do episodio Reunion, da quarta temporada, no qual trabalharam também Ronald D. Moore, Thomas Perry e Jo Perry. Ainda na quarta temporada, Braga faria seu primeiro trabalho solo ao escrever o roteiro de "Identity Crisis" baseado na historia do “fã escritor” Timothy de Haas. 

A partir daí, Braga foi conseguindo mais e mais espaço dentro da franquia, (tornando-se contratado a partir da quinta temporada da série de Picard e cia. E sendo figura importante nas séries Voyager e Enterprise durante todo o tempo que duraram as suas produções) e quem quiser saber mais sobre esta escalada e da já mais do que infame simbiose de Braga com Rick Berman (por tantos anos todo-poderoso de Jornada) pode encontrar mais neste artigo de Salvador Nogueira, que trata um pouco da “instituição” B&B, como a dupla (Braga & Berman) passou a ser conhecida pelos fãs da franquia Jornada na Estrelas.

O nome Braga está fortemente ligado a algumas das piores coisas que já foram realizadas em nome de Jornada nas Estrelas em sua era moderna (daí a sua péssima reputação junto aos fãs). Alguns exemplos em A Nova Geração são The Game”, Realm of Fear, Schisms, “Aquiel”, "Sub Rosa”, “Force of Nature e Genesis, entre outros.

Voyager tem nada menos do que 170 episódios que tiveram alguma influência de Braga, seja como autor da premissa, do roteiro, como editor de histórias, co-produtor ou qualquer outra coisa na intricada rede que forma a produção de um episodio de Jornada. Novamente, quem quiser conhecer esta engrenagem em detalhes, deve recorrer a mais este outro artigo do Trek Brasilis, mas se levarmos apenas em consideração os episódios escritos por ele, encontraremos 51 obras desta verdadeira máquina de fabricar histórias.

E o que falar de Enterprise, o projeto que sedimentou a parceria B&B de forma cristalina, mas andou desgovernada durante seus três primeiros anos e que só “curiosamente” conseguiu algum relativo sucesso quando os dois deram as costas para a série, e largaram a proverbial “rabiola” na mão de Manny Coto? Enfim, um sem número de mazelas. Mas se o nome do “homem” estava ligado a coisas ruins, por justiça devemos lembrar que existem (poucos é verdade) bons episódios das três séries que tiveram Braga como referencia. All Good Things...”, First Contact, entre outros, são exemplos disto.

Sendo assim, quem era o verdadeiro Braga, roteirista e produtor de ficção científica televisiva? Poderia a sua carreira em Jornada ser totalmente significativa do que ele realmente é em termos de visão e capacidade trabalho? Faltava “a” resposta final a esta pergunta fundamental, e o reconhecimento publico e inequívoco da capacidade da mente criativa deste ícone cultural da milenar arte de fazer bobagens. Bem... Agora não falta mais.

O limiar entre a incompetência e arrogância ingênua foi definitivamente ultrapassado...

Threshold” é o primeiro projeto solo (e por um bom tempo, o último) de Brannon Braga (que herdou a série do seu criador Bragi F. Schut), mas embora ele fosse de fato a cabeça pensante (?) por trás do show, existem é claro, outros envolvidos. Os principais sendo: André Bormanis e Mike Susman (ambos vindo de Enterprise) que co-assinam a produção, e David S. Goyer (“Blade” e “Batman Begins”) e David Heyman (“Harry Potter”) que atuam como produtores executivos da série ao lado de Braga.

A série gira em torno da Consultora para Gerenciamento de Crises do Governo Americano, Doutora Molly Caffrey (Carla Gugino de “Sin City"(foto)). Seu trabalho é formular planos para tratar emergências impensáveis, na hipótese delas virem a acontecer. Estas eventuais emergências podem ser desde desastres naturais até guerras nucleares, passando por epidemias ou invasões alienígenas. “Threshold” é um destes planos, que foi concebido para lidar com um hipotético primeiro contato com alienígenas. Sendo tanto o conceito desta função, como a existência de uma pessoa capaz de exercê-la, por si só uma questão controversa, para dizer o mínimo. Fazendo a série já partir capenga, sem o verniz de “honesto realismo” que por vezes ela acha possuir.

A premissa desenvolve-se então na formação de uma equipe de “especialistas” formada por Caffrey para lidar com uma situação de primeiro contato alienígena, o “Red Team”. Quando um O.V.N.I. é detectado caindo no oceano, e a Marinha perde contato com um de seus navios que se encontrava perto do local da queda, um dos protocolos criado por Caffrey, o Threshold, é imediatamente acionado para lidar com a situação.

A equipe descobre que uma raça alienígena desconhecida está tentando reescrever o DNA dos seres humanos usando um sinal de áudio que consegue alterar a estrutura genética de algumas pessoas, conferindo aos infectados habilidades como resistência, força e um fator de cura sobre-humanos, porém matando algumas vítimas no processo, e concluem que se trata do prelúdio de uma invasão.

Aliado a isto existe também um misterioso padrão fractal que passa a aparecer em todo lugar, pois mais estranhos e sem nexo que possam parecer. Tal padrão é interpretado pelo baixinho Ransen com sendo uma representação de um padrão de DNA em forma hélice tripla, supostamente um padrão de DNA alienígena.  A partir daí a equipe passa a procurar por qualquer pista sobre o suposto plano de invasão. Inicialmente tentando rastrear os sobreviventes infectados do navio “Big Horn”.

Fazem parte do Red Team: Dr. Nigel Fenway (Brent Spiner), um temperamental médico e microbiologista da NASA, Lucas Pegg (Robert Patrick Benedict), engenheiro aeroespacial com problemas de (falta de) autoconfiança, Arthur Ramsey (Peter Dinklage), matemático e lingüista com problemas de vícios de toda sorte e altura (o homem é um anão) e Sean Cavennaugh (Brian Van Holt), uma espécie de agente especial, que trabalha para o Governo como autônomo, e que tem um passado misterioso do qual nada se sabe.

Temos ainda J.T. Baylock (Charles S. Dutton), Conselheiro de Segurança Nacional, a quem Caffrey responde diretamente. Antes de seu cancelamento, a série receberia ainda o reforço regular de Catherine Bell, como Daphne Larson (que chegou a participar de um episódio antes do cancelamento). Bell é mais conhecida pelo publico como Major Sarah MacKenzie, da Serie JAG. Sendo difícil apontar o farto busto de Bell como razão para o cancelamento, devemos voltar à raiz (sem dentes humanos, bem entendido) dos nossos problemas. Como tudo começou criativamente falando para a série.

O episodio que deu origem à série ( A.K.A. Estudo da Mente Criativa do Mestre)

Brannon Braga é considerado (com justiça) o rei dos chamados “High Concepts” (histórias que você pode definir em uma frase) em Jornada nas Estrelas, e o ambiente de A Nova Geração, onde (normalmente) cada episódio contava uma história sem nenhuma conexão com a próxima ou a anterior, permitiu que este conceito fosse levado a sua máxima potência. Desta forma, iremos encontrar um sem número de defeitos de Holodeck, anomalias temporais, falhas de teletransporte, e mutações genéticas (entre outras tramas menos cotadas) em sua obra.

Olhando para o legado de Braga, uma mente mais aguçada e observadora perceberá que existe um padrão na escolha de temas que servirão como impulso para suas historias. Parece que Braga vem tentando, anos após ano, refinar o gênero que ele adotou nos anos em que esteve à frente de vários projetos de Jornada. Para efeito deste artigo, chamam a nossa atenção as mutações genéticas.

Começando por A Nova Geração, temos a primeira “referência” do trabalho anterior de Braga, em "Identity Crisis".  Geordi La Forge é contatado por uma ex-colega que o acompanhou em um grupo avançado numa missão cinco anos antes. Esta conta que o resto da equipe desapareceu, após ter retornado ao planeta. A Dra. Crusher descobre que o DNA da amiga do engenheiro-chefe está sendo rescrito por um parasita, transformando-a em uma espécie diferente. Pouco tempo depois, o engenheiro também passa a sofrer do mesmo mal que a atingiu.

Em Aquiel, a Enterprise de depara com uma criatura capaz de reproduzir qualquer espécie com a qual tenha contato físico. A chave para tal poder é o seu DNA. Em Gênesis, tentando curar uma gripe no hipocondríaco Barclay, a Doutora Cruhser libera uma célula sintética na Enterprise, que adquire as características de um vírus e se espalha pelo ar, contaminando cada membro da tripulação, causando a “involução” de cada um deles. Como resultado, Deanna Troi se transforma em uma anfíbia, extinta a milhões de anos, Worf em uma besta Klingon, Riker em um Australopithecus, Barclay em uma espécie de aranha (!) e Spot (o gato de Data) em um Iguana (!?).

Em Voyager, o gênio criativo de Braga é testado em todos os limites, e para não estender demais o presente artigo, vamos nos ater a sua “mais fundamental” contribuição para Jornada nas Estrelas, ou mesmo para a ficção-cientifica, e por que não, para a própria Ciência universal. É certo afirmar que, quem acompanha Jornada nas Estrelas com um mínimo de atenção lembra imediatamente do episodio homônimo de Voyager quando ouve pela primeira vez o nome desta nova série.

O roteiro daquele segmento de Voyager também chamado "Threshold" (daí a referida ironia do parágrafo inicial) conta como Tom Paris,  Harry Kim e B'Elanna Torres modificam uma nave auxiliar a fim de tentarem alcançar dobra 10, e assim, levar a USS Voyager de volta para casa.  

Mas o que importa para este atual artigo é o fator de convergência. Lá, como resultado do vôo em transdobra, Tom Paris tem a bioquímica de seu corpo alterada, e seu DNA começa a se transformar, causando diversas mudanças radicais em seu organismo. Conclui-se que Paris está evoluindo para o próximo estágio da humanidade. No futuro imaginado por Braga, seremos todos Salamandras (e não Iguanas, bem entendido). No fim tudo se resolve, mas impossível não notar a semelhança óbvia deste, que é considerado o pior episódio de Voyager (e um dos piores de Jornada nas Estrelas) com certos aspectos do novo projeto de Braga.

Alem do segmento citado da série Voyager, existem também óbvias semelhanças com o clássico da ficção-cientifica “The Andromeda Strain” (O Enigma de Andrômeda) de 1971. Filme baseado em um livro de Michael Crichton (“Jurassic Park”) e dirigido pelo Robert Wise (Jornada nas Estrelas – O Filme).

Apos a queda de um satélite de pesquisa do governo (parte de uma experiência cujo propósito era coletar quaisquer organismos, como bactérias, que pudessem existir no “espaço próximo”) em um remoto vilarejo do Novo México, uma elite de cientistas é enviada para investigar o acidente.  Quando os pesquisadores chegam ao local, encontram a população totalmente dizimada por um organismo de contaminação aérea que mata instantaneamente. Apenas um bebê e um velho bêbado sobrevivem.

O satélite e os sobreviventes são levados a um complexo cientifico subterrâneo conhecido como Wildfire, onde passam o estudar os dados do incidente causado pela sua queda. As pesquisas do grupo indicam que as mortes teriam sido causadas por uma bactéria de origem extraterrestre. Tal bactéria é uma espécie de forma de vida baseada em cristal que embora contenha os mesmos átomos da vida terrestre, não contem DNA, proteínas e aminoácidos o que lhe confere a habilidade de transformar energia em massa. Quando uma falha na segurança do complexo acontece, um mecanismo automatizado ativa uma seqüência de detonação de uma bomba nuclear sob o complexo, que deverá erradicar qualquer sinal da doença. Entretanto, devido à facilidade da bactéria de transformar energia em massa, o resultado da explosão seria a mutação da doença e sua imediata disseminação na atmosfera terrestre. Existem ainda similaridades com “U.F.O.”, série britânica criada por Gerry Anderson (“Thunderbirds”, “Space:1999”) em 1970.

Voltando a "Threshold", é fácil notar as coincidências entre os exemplos citados anteriormente e a nova série de Braga. Quem quiser e puder assistir ao filme então, e depois assistir aos dois primeiros episódios da série vai encontrar ainda mais coincidências. Mas não se trata aqui de afirmar que Braga copiou esta ou aquela idéia (e nem de negar. Isto é com o próprio), mas de mostrar como Braga não consegue ir além dos (mesmos) high concepts em seus trabalhos, sejam estes quais forem. Parecendo sempre recriar algo que já teve sucesso antes, sem maiores interesses pessoais ou uma visão autoral no sentido clássico do termo. Aqui temos personagens que são absolutamente negligenciados, sendo cada um deles introduzido no piloto em uma montagem basicamente como: alguém que sabe fazer algo para a missão, uma nota de rodapé de personalidade e uma frase de efeito sobre seu lugar na equipe. É difícil escrever algo pior. É simplesmente impossível escrever algo sobre estes personagens a partir desta introdução, restando avaliar a premissa da série e as tramas para legitimar um erro no cancelamento da série. A premissa lança e perpétua mais “má ciência” e bizarrices do que o recomendado em uma série de TV contemporânea, atingindo níveis vergonhosos com freqüência, em particular com o mencionado sinal que parece aparecer em basicamente “todo lugar”. As tramas são pobres e (visivelmente prejudicadas pela grosseira premissa) falham em fornecer grande escopo para tão ambicioso projeto, sepultando a série sem maiores dúvidas.  

Três negativas do público norte-americano as invasões alienígenas

A série estreou na CBS em 16 setembro de 2005, ocupando inicialmente o horário das 21h, às sextas feiras. No mesmo mês, estreavam duas séries muito similares a "Threshold". Uma delas era “Surface” história centrada na aparição de uma misteriosa criatura marítima nas profundezas do oceano, cancelada após 15 episódios, e “Invasion”, também cancelada após o 22° episodio. Esta não parecia ser a hora promissora para invasões alienígenas (uma para cada grande rede americana e as três para a rápida degola por falta de audiência). "Threshold" foi quem teve merecidamente a vida mais curta das três, e dos 13 episódios filmados, apenas nove foram transmitidos pela CBS, sendo os restantes exibidos pela rede Britânica Sky One. Após sucessivos problemas de audiência, a CBS fez uma tentativa jogando a série para terça-feira à noite, e no dia 22 de novembro de 2005 o episodio "Progeny" foi transmitido no novo horário, mas o que já era ruim ficou pior, e a audiência despencou tanto que, no dia seguinte, a rede anunciaria seu cancelamento, para tristeza de alguns, alegria de outros e indiferença de muitos.

O telespectador brasileiro agora terá a chance de ver e emitir sua opinião (talvez definitiva) a respeito do trabalho de Braga.

Você sabia? 

No planejado episódio final da primeira temporada (que nunca foi produzido) seria revelado que o plano alienígena era na verdade salvar a humanidade de uma ameaça vinda do Espaço.  A Terra estaria para ser atingida por um feixe de Raios Gama, radiação que aniquilaria toda vida no planeta.  A revelação vinda de um “hibrido” é tratada com ceticismo por Caffrey.