Finalmente
o que queríamos
Esta
é uma coluna que já estou para escrever há
várias semanas. Fiz o possível para esperar,
na esperança de não emitir julgamentos prematuros.
Mas, a essa altura, dá para dizer com segurança
que tenho uma boa e uma má notícia para os fãs:
Manny Coto consertou Enterprise.
Acredite se quiser, não
há contradição. A boa notícia
é que a série está melhor do que nunca.
A má é que isso está me fazendo lamentar
ainda mais do que o normal pelo seu potencial cancelamento.
Faz
algum tempo que tenho ruminado nesse espaço os motivos
pelos quais Enterprise provavelmente está
condenada. Então, mais fácil do que reescrever
tudo é apenas citar uma coluna anterior.
"A
verdade é que o público comum --aquele não
composto por fãs ultra-especializados e que perfaz
a grande audiência dos canais de televisão--
simplesmente não agüenta mais Jornada
nas Estrelas. São duas décadas de produção
ininterrupta, com vários anos de exibição
simultânea de até duas séries diferentes!
Com ou sem Jornada nas Estrelas no nome,
ninguém em sã consciência pode acreditar,
mesmo num nível subconsciente, que uma nova produção
baseada nesse universo ficcional tenha um propósito
criativo, em vez de ser mais um caça-níqueis
de uma empresa que quer sugar uma marca até sair o
último centavo. Ninguém hoje acredita que Jornada
nas Estrelas tenha uma justificativa para continuar
sendo produzida. Caso isso seja verdadeiro (e acho que a audiência
parece demonstrar o fato semana após semana), não
há nada que Rick e Brannon possam fazer com Enterprise
para torná-la um sucesso. Ela está realmente
condenada."
Essa foi exatamente a percepção
de Rick Berman e Brannon Braga, os criadores e chefões
da série. Ao final da terceira temporada, com índices
abismais de audiência e uma renovação
empurrada na marra pela Paramount a fim de conseguir episódios
suficientes para entrar no mercado de syndication, os dois
simplesmente saíram de cena. Para a quarta temporada,
não havia mais por que se preocupar com audiência,
sucesso, fracasso, boas histórias, más histórias
--o cancelamento era uma certeza. Então, nada mais
natural que sair de fininho, deixando o mico nas mãos
de outra pessoa.
E
a bomba ficou com Manny Coto. Escritor talentoso e fã
incondicional de Jornada nas Estrelas, Coto
foi trazido a bordo na terceira temporada, e acabou demonstrando
seu talento em alguns dos melhores episódios daquele
ano. Por conseqüência, foi "eleito" o
tocador da quarta e (supostamente) última temporada.
Como ele próprio descreveu, foi como deixar uma criança
sozinha na loja de doces. Com total liberdade criativa, Coto
podia fazer de Enterprise o que bem entendesse.
Para
começar, resolveu eliminar a mais odiosa das idéias
que B&B
haviam imposto à série --a Guerra Fria Temporal.
Não me entenda mal; acho que esse conceito poderia
ter funcionado, se os produtores tivessem dado a ele o devido
crédito. O problema é que o negócio sempre
foi tratado como um "instrumento de enredo", não
um real arco em evolução. Resultado: Coto decidiu
terminar com essa fraude, no episódio duplo "Storm
Front". Minha opinião é a de que
esse segmento não é melhor do que todo o resto
da Guerra Fria Temporal, exceto por uma coisa: ele a termina.
Desde
que os primeiros rumores da quarta temporada começaram
a circular, sempre considerei "Storm Front"
como o proverbial "mal necessário" --a via
sacra que teríamos de passar para chegar ao verdadeiro
início da nova temporada (e nova era) de Enterprise.
O real ímpeto de Coto só começa a ser
sentido em "Home".
A NX-01 está de volta
à Terra, sendo reformada e atualizada para retomar
sua missão, após salvar o planeta da ameaça
Xindi. Archer tem a chance de refletir sobre suas atitudes,
e T'Pol vai a Vulcano, visitar sua mãe. Um belo começo,
mas nada perto do que ainda estaria por vir.
Coto institui um esquema de arcos,
com três episódios em cada história. É
um formato totalmente novo para Jornada nas Estrelas e um
que faz todo o sentido para uma série que se propõe
a ser a "base histórica" para o mundo de
Kirk e Spock no século 23.
Logo
na estréia do novo formato, atrações
para fã nenhum botar defeito. A primeira aparição
dos Órions, sempre acompanhados de suas escravas verdes
(vistas em "The Cage", "The
Menagerie" e "Whom Gods Destroy",
todos da Série Clássica). Além
disso, a volta de Brent Spiner (Data, de A Nova Geração)
à franquia, comandando um grupo de renegados geneticamente
modificados, criações das Guerras Eugênicas
("Space Seed" e "Jornada
nas Estrelas II: A Ira de Khan").
Três
episódios depois, e eu já estava convencido
de que Enterprise finalmente tinha algo a
oferecer à história de Jornada.
Mas Coto ainda tinha mais para nós. Próxima
parada: Vulcano.
Num
outro arco de três episódios, com direito a roteiro
dos recém-chegados à equipe Judith e Garfield
Reeves-Stevens (famosos por seus livros de Jornada
concentrados na ressurreição de James T. Kirk),
uma trama em Vulcano, que fez mais por essa espécie
do que provavelmente todos os episódios de Jornada
que já mostraram esses alienígenas antes.
Enquanto
esses episódios estavam sendo exibidos nos EUA, os
fãs já acompanhavam os rumores do que viria
a seguir. Depois de dois "bottle shows" individuais
(produzidos para economizar custos e filmados totalmente a
bordo da NX-01), a série retomaria o esquema de arcos
com um enredo mais do que especial. Os humanos promovem uma
conferência de paz entre Telaritas e Andorianos, que
é atrapalhada quando os Romulanos constroem uma rede
de intrigas entre essas duas raças beligerantes. Cabe
a Archer encontrar uma saída para unir as espécies
contra o inimigo comum --esforço que envolverá
uma passagem por Andoria, mundo jamais visto em Jornada.
E
quando você já se vê babando por esses
segmentos, descobre-se que, na seqüência, você
embarcará num outro arco de três episódios
que irá mostrar o que aconteceu para que os Klingons
da Série Clássica tivessem
testas lisas, enquanto promoverá o primeiro contato
dos humanos com os Rigelianos, mencionados na série
original mas nunca vistos.
É mole, ou quer mais?
Se quiser mais, há rumores
de que estão fechando um acordo para ter William Shatner
reprisando seu papel como capitão James T. Kirk em
um outro arco de três episódios --talvez até
para concluir a temporada. E Coto já diz que tem uma
idéia ótima para fechar a série com a
fundação da Federação.
Enquanto os fãs ouvem
tudo isso, o único pensamento que ecoa é: não
podem cancelar esta série! Não agora que ela
encontrou sua voz, sua razão de ser!
Desde
que Enterprise foi ao ar, nunca os fãs
pareceram tão unidos e de acordo no que diz respeito
à qualidade do programa. Há poucos agora que
torcem pelo seu cancelamento. Mas é de se perguntar
se já não é tarde demais.
Em
primeiro lugar, esses episódios vão testar um
dos paradigmas da administração Berman-Braga
de Jornada nas Estrelas. Para eles, era simplesmente
perda de tempo tentar agradar aos fãs, porque eles
não eram uma fatia representativa da audiência
da série. Será que isso é verdade?
Quando
o primeiro episódio do arco Vulcano foi ao ar, pensei
que eles pudessem ter razão. Mas quando a trilogia
foi concluída com a melhor audiência do ano obtida
pela série e mais de 500 mil telespectadores acima
de "Storm Front", comecei a pensar
que talvez as mesmas coisas que atraiam os fãs também
conquistem a audiência regular.
Só
que é preciso lembrar que Enterprise
é uma série caríssima, sendo exibida
no pior horário da TV americana --as noites de sexta-feira.
Embora pela primeira vez desde as primeiras temporadas de
Deep Space Nine estejamos vendo uma seqüência
(ainda que modesta) de incrementos aos índices de audiência,
dificilmente eles serão suficientes para justificar
uma quinta temporada.
Torcer
não custa nada. E preciso admitir que nunca torci tanto
pelo futuro de Enterprise. E, caso Manny
Coto consiga o impossível e vença esse teste
do Kobayashi Maru, a Paramount precisará refletir muito
acerca de como Jornada nas Estrelas tem sido
administrada por seus produtores nos últimos anos.
Alguma coisa está muito próxima do fim. Provavelmente
será a produção televisiva da franquia.
Mas, com alguma sorte, serão os empregos dos antigos
encarregados.
Vida
longa e próspera, Manny.
|