TOS 1×03: Where No Man Has Gone Before

Episódio discute axioma “poder absoluto corrompe absolutamente”

Sinopse

Data Estelar: 1312.4.

Cem anos atrás, a SS Valiant encontrou uma barreira de energia desconhecida na borda da galáxia e algo fez com que seu capitão destruísse a própria nave. A USS Enterprise encontra o gravador de registros da Valiant, que revela que antes da destruição, a tripulação procurava freneticamente nos computadores toda e qualquer informação sobre percepção extrassensorial.

O capitão James Kirk decide descobrir o que aconteceu com a Valiant e ordena que a Enterprise atravesse a barreira energética. Não só a nave sofre avarias graves, como também alguns tripulantes são feridos. Kirk nota uma forte mudança de personalidade em seu velho amigo, o tenente Gary Mitchell, que adquiriu habilidades paranormais após o contato com a barreira. A escalada de poderes de Mitchell foi progressiva. Em menor grau, a dra. Elizabeth Dehner também foi afetada e passou a ter poderes psicocinéticos.

Conforme os poderes de Mitchell aumentam, ele se torna mais perigoso. Spock acredita que, quando a Valiant passou pelo mesmo fenômeno, seu capitão decidiu destruir a nave para evitar que algum tripulante com esses poderes pudesse tomar conta da galáxia. Gary Mitchell confirma seus temores ao autoproclamar-se um deus, que irá dominar os seres humanos. Spock acredita que a morte de Mitchell é a única solução, mas Kirk é incapaz de matar seu velho amigo.

Em vez disso, ele planeja abandonar Mitchell em um planeta desabitado, Delta Vega. No entanto, quando chegam à superfície, Mitchell consegue escapar, levando a dra. Dehner com ele. Kirk o segue com um rifle feiser, e Mitchell tenta matá-lo com seus poderes psicocinéticos. Observando isso, a dra. Dehner percebe o quão desumano e perigoso Mitchell se tornou e tenta ajudar Kirk a derrotá-lo. Sem remorso, Mitchell mata Elizabeth Dehner. Antes que ele pudesse se fortalecer, Kirk provoca uma avalanche com o rifle feiser, soterrando seu antigo amigo.

Comentários

“Where No Man Has Gone Before” é um episódio que trata de um tema que seria recorrente em Jornada nas Estrelas: o axioma “poder absoluto corrompe absolutamente”.

Mais que o tema, contudo, destaca-se a qualidade do tratamento. A história busca evitar a todo custo o estigma “Mitchell é o monstro da semana! Vamos acabar com ele!” para expor o dilema do capitão no momento de escolher entre seu amigo e sua nave.

Nesse dilema, a dra. Dehner e Spock fazem contraponto, equilibrando Kirk entre eles. Dehner fez aqui um papel que posteriormente caberia a McCoy, de fornecer ao capitão uma oposição humanista à fria lógica de Spock.

Quanto ao drama pessoal de Mitchell, podemos dizer que o tenente-comandante representa no nível do indivíduo um dilema vivido por toda a humanidade. A grande questão proposta é: temos sabedoria suficiente para controlar poderes capazes de ocasionar nossa própria destruição?

Se, para Mitchell, todo o problema era o seu alto nível de percepção extrassensorial, para a humanidade, a dificuldade é administrar o poder de construir bombas atômicas, produzir alimentos transgênicos e alterar nosso próprio código genético. Levando a metáfora adiante, vemos que o autor do episódio não guarda muita esperança ou capacidade de transcendência para a humanidade (vide o triste fim do amigo de Kirk).

Do ponto de vista técnico, o episódio mostra todas as qualidades que a NBC queria para o segundo piloto de Jornada. O segmento tem ação, emoção, aventura, sem se perder das qualidades do piloto original.

Os cenários são um híbrido do que seriam pelo resto da série com os resquícios deixados pelos tempos de Christopher Pike. Os uniformes sofreram a mesma transição.

Os personagens ainda não mostram um alto grau de desenvolvimento, o que seria apenas normal, devido ao pouco conhecimento da produção e dos atores acerca de sua própria criação. Os melhores desenvolvimentos são os de Scotty, que aparece pouco, mas quando surge na tela é perfeitamente reconhecível como o engenheiro dos melhores momentos da Série Clássica; Kirk, que é bem interpretado por William Shatner, já muito à vontade no papel; e Spock, que vai bem quando sua intervenção é essencial à história, mas ainda está meio perdido – um vulcano sorrindo e gritando por aí sem a menor justificativa. Leonard Nimoy ainda estava por encontrar a “voz” do personagem.

Os personagens convidados (Dehner e Mitchell) mostram interpretações bem convincentes. Destaque para Gary Lockwood, que personifica de forma impressionante a maldade e prepotência de Mitchell em Delta Vega.

Os efeitos visuais estão acima da média da série. Um orçamento superior para o piloto é o responsável pela qualidade. A tomada usada para mostrar a grande barreira que envolve a Via Láctea foi usada diversas vezes posteriormente.

Um fato que já começava a mostrar o potencial de Jornada para criar um universo inteiro ao seu redor é a atenção dispensada pela produção ao detalhe. É possível ler o histórico de Mitchell e Dehner na tela da estação de ciências da ponte. Já no segundo piloto se via a vontade de construir o rico background da saga.

Avaliação

Avaliação: 3 de 4.

Citações

“Didn’t I say you’d better be good to me?”
(“Eu não disse que é melhor ser legal comigo?”)
Gary Mitchell

“Don’t you understand? A mutated, superior man could also be a wonderful thing!”
(“Vocês não entendem? Um mutante, um homem superior poderia também ser algo maravilhoso!”)
Elizabeth Dehner

Trivia

  • Este episódio foi produzido originalmente em 1965, como o segundo piloto da série, mas foi o terceiro a ser exibido (com algumas edições a alterações). Mostra algumas incongruências visuais, com uniformes e cenários diferentes. A versão original, na forma de piloto, apresentada à NBC foi finalmente lançada para o público em home video em 2009. Inclui uma abertura com um fundo da galáxia enquanto Kirk descreve a missão da nave, cenas a mais nos corredores, créditos diferentes e indicações das quebras de ato.
  • Para estrelar a série no novo piloto, a primeira opção dos produtores era Jack Lord, mas o ator fez exigências altas demais. O papel acabou ficando com William Shatner.

  • As entradas no diário do capitão foram uma sugestão abraçada por Gene Roddenberry para dar maior agilidade à narrativa. Elas foram inspiradas em As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift.

  • Neste episódio vemos pela única vez na Série Clássica um rifle feiser. Ele seria usado em várias fotos publicitárias e tinha menção no guia dos roteiristas, mas nunca mais foi visto em cena. E aqui a Enterprise não usa cristais de dilítio, e sim cristais de lítio.

  • Gary Lockwood (Mitchell) foi o astro da primeira série criada por Roddenberry, O Tenente, e é conhecido dos fãs de ficção científica, tendo protagonizado o clássico 2001: Uma Odisseia no Espaço.

  • Gary Mitchell aparece na enfermaria lendo o primeiro “ebook” a ser retratado numa produção de televisão ou cinema, muito antes de ter sido inventado.

  • Lockwood sofreu um bocado para usar as lentes prateadas, conseguindo ficar com elas só alguns minutos de cada vez. Ao contrário dele, Sally Kellerman se adaptou bem às lentes. Só não conseguia enxergar direito, mas isso era o de menos.

  • O ator Paul Carr viveu o tenente Lee Kelson e ficou bem chateado de saber que seu personagem morria. Ele sentia que a série seria um sucesso.

  • Neste episódio, o nome de Kirk é grafado como James R. Kirk. Mais tarde, o “R” viraria “T” e o nome do meio do capitão seria estabelecido como Tiberius na Série Animada.

Ficha técnica

Escrito por Samuel A. Peeples
Dirigido por James Goldstone

Exibido em 22 de setembro de 1966

Títulos em português: “Onde Nenhum Homem Pisou” (AIC-SP), “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve” (VTI-Rio)

Elenco

William Shatner como James T. Kirk
Leonard Nimoy como Spock
James Doohan como Montgomery Scott
George Takei como Hikaru Sulu

Elenco convidado

Gary Lockwood como Gary Mitchell
Sally Kellerman como Elizabeth Dehner
Paul Fix como Mark Piper
Paul Carr como Lee Kelson
Andrea Dromm como ordenança Smith
Lloyd Haynes como Alden

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