Tempos
antes de receber o comando da capitânia da Federação, Jean-Luc Picard também foi
o Capitão de uma outra nave estelar, no caso, a USS Stargazer,
uma nave de exploração da classe Constellation.
Esta tarefa, como está estabelecido no Cânone & Cronologia da franquia, durou
um bom tempo, pelo menos um par de décadas. Então, é de se imaginar que o jovem
Capitão também teve sua dose de aventuras explorando a fronteira final antes que
a Enterprise se tornasse sua nave. Nesta
premissa é que se baseia o primeiro livro de uma das mais novas séries de livros
sobre Jornada nas Estrelas, no caso, Star
Trek: Stargazer - Book 1, Gauntlet. Tal qual a série de livros de Peter
David, Star Trek: Excalibur, a série Stargazer
tem a intenção de ser uma série contínua de livros sobre uma tripulação de nave
da Frota, em particular, a nave e tripulação comandadas por Picard em seus primeiros
dias como Capitão. De autoria de Michael Friedman, um ativo autor de
livros sobre Jornada nas Estrelas, Gauntlet
é o primeiro livro desta nova série sobre a Stargazer,
embora na verdade, não se pode dizer que é o primeiro livro dele sobre a premissa
em si. Friedman já havia escrito um livro de A
Nova Geração intitulado Valiant,
onde ele relata o incidente o qual levou Picard primeiro a posição de comando
na Stargazer, quando durante uma missão,
tanto o Capitão da nave como o Primeiro-Oficial da Stargazer
morreram, e Picard, então com meros 28 anos, assumiu o comando de uma nave em
sérias situações. Sua conduta nesta missão lhe valeu uma rápida promoção a Capitão,
e o comando definitivo da Stargazer logo
em seguida. Como sabemos, todos estes eventos são informações estabelecidas em
diversos episódios de A Nova Geração, como
"The Battle", da primeira temporada,
quando a Stargazer é introduzida, e aprendemos
as circunstâncias nas quais Picard e sua tripulação tiveram que a abandonar --
uma situação razoavelmente forçada, no meu ver, pois Picard largou ao Khaless-dará
uma nave razoavelmente inteira, ainda, com bastante informação sensível sobre
a Federação a bordo. Mas enfim, não estamos aqui realmente para avaliarmos o episódio
original em questão. Gauntlet
se inicia então com Picard já comissionado como o Capitão da Stargazer,
e prestes a levantar ferros para seguir para sua primeira missão formal. E esta
missão é o pano-de-fundo do livro, com Picard tendo que considerar dois desafios:
primeiro, o de sua missão per se, que é a captura e/ou neutralização de um pirata
em uma região nas fronteiras da Federação, e a recuperação da carga que ele leva.
E segundo, ter que lidar com uma situação na qual o Almirante McAteer, que lhe
passou a missão, aparentemente deu ao ainda inexperiente Capitão mais do que este
pode mastigar. Picard se encontra na única posição de ter sido o mais jovem oficial
a ser promovido a Capitão -- mais ainda do que James Kirk -- e isto não parece
que passou em brancas nuvens por muitos na Frota Estelar, especialmente por alguns
do Almirantado como McAteer. Algo que vai chamando a atenção mais e mais
à medida que a leitura avança, é um problema o qual se pode relevar apenas
devido ao livro ser o piloto de uma série: a trama demora a engatar, e a história
parece que não embala antes de nada menos do que mais da metade do livro já terem
sido lidos. Até este ponto, tudo o que há é Picard recebendo sua missão, preparando
sua tripulação e uma vez já em rota, diversas seqüências quase que estanques dos
vários novos personagens interagindo entre si, ainda que é verdade que tal material
serve de bom embasamento para começarmos a conhecer mais sobre esta tripulação
da Stargazer, e os eventos em tais seqüências
convergirem para um todo quando o livro se aproxima de seu desfecho.
E que tripulação, esta a de Picard. Não espere encontrar o melhor do melhor que
a Academia já formou. Isto é algo interessante para também podermos considerar
a Stargazer como aquilo que ela é, ou
seja, apenas mais uma entre tantas naves da Federação, o que é de muitas maneiras
algo até refrescante de se acompanhar, pois como fãs da franquia, muitas vezes
tendemos demais a assumirmos as tripulações-protagonistas como particularmente
especiais. Sim, elas o são, mas apenas por serem os protagonistas de nossas séries
de TV: no contexto onde o universo da série existe, esta importância em particular
não deve ser levada em conta. E é isto o que temos em Gauntlet:
a atual tripulação da Stargazer está longe
de ser a melhor da Frota, pelo contrário: há problemas e ineficiência por toda
a nave, e bastante do livro trata disto em particular. E nisto, acompanhamos como
os diversos tripulantes vão lidando com seus problemas, procurando tornar a tripulação
da nave um todo, ao invés de uma mera soma das partes. Alguns tripulantes conseguem
isto com mais eficiência do que outros, incluindo o próprio Picard. Em Gauntlet
vemos que embora ali está o material do qual será feito o futuro Capitão da Enterprise,
este material ainda não assentou e ainda não se moldou totalmente, mas deu um
bom e importante passo no caminho certo. Então, à medida que o conto
avança, acompanhamos Picard adquirindo uma atitude de maior confiança em si e
em diversos membros de sua nova tripulação, mesmo alguns os quais ele teve que
aceitar a contragosto, mediante o apontamento forçado pelo Almirante McAteer.
Picard encara isto como mais um empecilho colocado pelo Almirante para o seu jogo
de poder na alta cúpula da Frota Estelar. Sobre esta subtrama em particular, tenho
minhas dúvidas sobre o julgamento de Friedman de ter estruturado a vendeta do
Almirante McAteer da maneira que foi. Ao propositalmente escalar Picard para uma
missão com a qual contava que o jovem Capitão falharia, o almirante colocou uma
tripulação da Federação em risco letal apenas para satisfazer sua agenda pessoal
-- uma atitude criminal que certamente não condiz com a honradez que se espera
de um Almirante da Frota. Esta escolha faz com que Friedman alinhe seu Almirante
com muitos outros já retratados na franquia.
Da maneira que a coisa toda fica, dá a entender que o Almirantado da Frota Estelar
parece que tem demais em seus quadros pessoas arrogantes, egocêntricas, desleais
e birutas. Ter este estilo de Almirante é um recurso útil para algumas histórias,
mas acredito que devia ser usado com menos freqüência do que tem sido nos últimos
tempos. No campo das cricas pequenas, uma me chamou a atenção. Em dado
momento, para se passar um obstáculo espacial à frente, o sênior staff da Stargazer
é reunido, e qual é a solução concordada? Se inverter
a polaridade dos escudos. Até aí, tudo bem -- mesmo relutantemente, eu
ainda posso aceitar mais um uso de um dos tecnobables mais clichês da franquia,
pois isto não é necessariamente um problema, eu mesmo já fiz uso dele. Só que
o que torna este ponto particularmente ruim foi que Friedman quis vender esta
sua solução como se fosse a invenção da pólvora: os brilhantes personagens teriam
tido um surto de inspiração o qual nenhuma
outra tripulação da Federação teria tido antes deles, e houve várias outras na
mesma situação com a mesma missão, como a própria trama relata. Considerando que
se trata de uma passagem bastante específica, fica apenas como a minha crica do
dia. Mas sobre termos mais gerais da trama, embora eu admita que a situação
final desta seja original e inesperada, eu também devo dizer que discordo consideravelmente
do modo que Friedman optou por retratar o fim de seu conto. Não vou dar nenhum
spoiler em particular, mas o que posso dizer é que, da maneira que o autor relatou,
o desfecho da trama principal parece que foi a coisa mais honrada e correta de
acontecer, seja por que ângulo se olhe. Mas ainda assim fica uma sensação de que
existem considerações muito equivocadas sobre como a Federação exerce sua política
interplanetária, e como esta é levada a cabo pelos Capitães em campo. Sempre se
considerou que existe uma área cinzenta entre se seguir conceitos e regulamentos
e se seguir instinto pessoal em comando de uma nave estelar, e em nome de apreciarmos
Jornada nas Estrelas, sempre tendemos a
considerar isto como algo romântico. Contudo, eu ainda acredito que ao final de
Gauntlet, Michael Friedman não soube equilibrar
estes dois conceitos de maneira totalmente apropriada. Seja como for,
ainda que não tenha me satisfeito totalmente em alguns aspectos, Gauntlet
se mostrou um satisfatório começo de série literária de Jornada
nas Estrelas, com seus pontos fortes sendo a sólida base para desenvolvimento
de personagens que foi assegurada por Friedman, em cima da interessante premissa
de acompanharmos as viagens do jovem Capitão Picard na Stargazer.
O potencial é bom, e resta ver se Friedman vai conseguir manter uma boa e interessante
seqüências de histórias... afinal de contas, Friedman está nas mãos com uma série
que é uma prequel, e como sabemos, a franquia
não tem tido muita sorte nesta área. Mas o potencial é bom, e o começo foi interessante,
valendo três estrelas em quatro. |