por
Salvador Nogueira
Se em 8 de setembro de
2001 Jornada nas Estrelas completou 35 anos de história,
prepare-se agora para mergulhar na Pré-História do franchise.
Estamos de volta a 1965, ano em que foi produzido o piloto que
convenceria a rede NBC a bancar e exibir em sua programação a
nova série de Gene Roddenberry.
Todo mundo conhece a velha história da gênese de Jornada:
Gene bateu de porta em porta, vendendo seu conceito de
"Caravana" para as estrelas, um equivalente futurista da
conquista do Oeste americano. A Desilu, na esperança de recuperar
seu prestígio, decidiu apostar na idéia, e, junto a Roddenberry,
saiu atrás de uma rede que quisesse exibir o programa. A NBC
acabou aceitando, e encomendou um piloto para a série.
Este, hoje conhecido como "The Cage", foi concluído
em 1964. Ao assistirem, os executivos da NBC acharam maravilhoso,
mas não era isso que Gene havia prometido quando explicou seu
conceito. Em vez de aventura e muita ação, temos muito diálogo
e filosofia. Mesmo assim, os engravatados estavam impressionados.
Por isso, decidiram inovar e encomendar à Desilu não a série,
mas um segundo piloto, que os ajudasse a decidir se valeria a pena
ir adianta com aquela "jornada".
O segundo piloto, já com boa parte do elenco que acabaria se
fixando durante a série (dos sete regulares, DeForrest Kelley,
Walter Koenig e Nichelle Nichols estavam de fora), ganhou o nome
de "Where No Man Has Gone Before". Depois de
James Kirk dar belos socos e pontapés em Gary Mitchell, a NBC
ficou satisfeita com o grau de adrenalina, e encomendou mais episódios.
"The Cage" não pôde ser reaproveitado como um
episódio regular da série, pois muitos elementos (a começar
pelo capitão) eram diferentes do que viria quando o programa
entrasse em produção semanal. Já "Where No Man Has Gone
Before" estava muito mais próximo do resto da série, de
modo que acabou vendido como mais um dos episódios disponíveis
da primeira temporada.
Obviamente, ao incluir o piloto aos outros episódios, algum
trabalho de edição precisou ser realizado para adequá-lo ao
resto da série, incluindo a inserção da abertura criada
posteriormente para a série, dos letreiros de créditos e a reedição
do episódio para que ele ficasse no tamanho exato do tempo de
exibição disponibilizado pela NBC.
Todos conhecemos o resultado dessa edição, mas o que teria sido
feito da edição original, aquela que convenceu os executivos da
NBC que Jornada poderia ser um sucesso? Apesar de raríssimo,
esse documento tão importante da história do franchise acabou
indo parar nas mãos dos fãs, provavelmente depois que um deles
conseguiu fazer uma transferência para vídeo a partir do rolo de
filme 16 mm original.
Como o leitor pode imaginar, cópias de cópias foram feitas ao
longo dos anos, de modo que alguns poucos felizardos ao redor do
mundo possuem essa versão. Agora, graças ao incansável
pesquisador de Jornada e colaborador do Trek Brasilis
Gustavo Leão, uma cópia veio parar em nossas mãos, e a primeira
coisa que fizemos foi compilar tudo que não aparecia na edição
exibida pela televisão e tratar de digitalizar o material,
disponibilizando-o para download.
Na maior parte do episódio, a edição é praticamente igual nas
duas versões. As grandes mudanças estão mesmo no início e nos
créditos finais.
Jogo dos sete erros
O início deste episódio, assim como os letreiros usados, não
tem nada em comum com o padrão a que nos acostumaríamos durante
a série. A fonte de letras usada para grafar as palavras
"Star Trek" e os créditos é a mesma que pode ser vista
nas diversas versões de "The Cage".
A versão original de "Where No Man Has Gone Before"
começa de forma bastante poética, com uma visão do que
supostamente seria a Via Láctea, e Kirk fazendo uma entrada em
seu diário. A função da narração é introduzir o conceito da
série ao telespectador, de forma muito similar ao que a abertura
faria nos episódios regulares.
Vê-se aqui o que claramente é a gênese do tom usado no início
de cada episódio regular, com algo próximo do estilo "audaciosamente
indo onde nenhum homem jamais esteve". Na versão original,
Kirk narra o seguinte:
Download
Formato:
AVI (Divx)
Tamanho: 3,7Mb
Duração: 1 min 39 s
Resolução: 304x224
|
Diário da
Enterprise, capitão James Kirk comandando.
Estamos deixando a vasta nuvem de estrelas e planetas que chamamos
de nossa galáxia. Atrás de nós, Terra, Marte, Vênus --até
nosso Sol-- são traços de poeira.
A questão: o que há lá fora nesse vazio negro adiante?
Até agora, nossa missão foi a de regulação de lei espacial,
contato com colônias terrestres e investigação de vida alienígena.
Mas agora, uma nova tarefa: uma sondagem lá fora onde nenhum
homem jamais esteve.
Após a entrada, surge o letreiro "Star Trek", seguido
por "Created by Gene Roddenberry" e concluindo com
"Starring William Shatner". Os créditos para todos os
outros atores surgem já durante a execução do episódio.
A versão original divide a série em atos, claramente demarcados
por letreiros na tela. Especula-se que o uso desse recurso tenha
sido muito mais para convencer os executivos de que aquele era um
drama sério, e não um show para crianças, do que para qualquer
propósito de edição final ou estilização da série.
Download
Formato:
AVI (Divx)
Tamanho: 2,6Mb
Duração: 1 min 9 s
Resolução: 304x224
|
O início do primeiro
ato é o que todos conhecemos: Kirk e Spock jogando xadrez quando
Kelso informa, por uma tela, que a Enterprise encontrou uma sonda
da nave terrestre Valiant perdida no espaço. A dupla vai até a
sala de transporte, onde surge o letreiro indicando o nome do episódio,
com direito a uma óbvia chamada "Tonight's episode: Where No
Man Has Gone Before".
Assim que Kirk e Spock saem da ponte, após pôr a nave em alerta,
surge a maior mudança em termos de edição deste episódio com
relação à versão exibida na TV. As cenas em que os tripulantes
andam pelos corredores é muito mais longa, e já nos permite um
belo insight sobre os personagens a que seríamos expostos em
breve.
Vemos Gary Mitchell paquerando duas mulheres em seu caminho pelo
turboelevador, e já demonstrando uma certa atitude que parece
dizer sutilmente "Ah, se eu pudesse..." --um sinal
bastante claro do que aconteceria ao pobre Mitch durante o episódio.
Uma das "vítimas" é a ordenança Smith, cujo papel se
resumia a uma única fala durante todo o episódio.
(Abrindo um parêntese, a fala solitária da ordenança Smith é
uma das mais bem sacadas e obscuras piadas internas da série.
Normalmente, entre os roteiristas de televisão existe o costume
de nomear personagens que aparecem em um roteiro para fazer apenas
uma ou duas intervenções de "Jones" ou
"Smith", para evitar o trabalho de pensar em um nome que
provavelmente nem será dito. Em "Where No Man Has Gone
Before", Kirk topa com a ordenança na ponte e diz,
"Ordenança... Jones?", ao que a pobre oficial responde,
com o orgulho ferido, "O nome é Smith, capitão".)
No corredor, também temos a chance de ver o doutor Piper e o então
físico de bordo Sulu se dirigindo à ponte. Após outras cenas
cheias de figurantes nos corredores, logo voltamos ao curso normal
do episódio, com Gary quase perdendo o turboelevador que levaria
Spock e Kirk à ponte.
Download
Formato:
AVI (Divx)
Tamanho: 2,4Mb
Duração: 1 min 3 s
Resolução: 304x224
|
Daí em diante o episódio
é exatamente o mesmo que o exibido na TV, e a única outra mudança
vem nos créditos finais, em que novamente a fonte dos letreiros
é a vista em "The Cage", e a sequência é muito
mais rápida do que a dos episódios regulares, listando apenas os
atores convidados e o estúdio Desilu. No total, o episódio é
apenas ligeiramente mais longo que a versão exibida nas televisões
do mundo todo, mas são segundos a mais que tornam-se mais
preciosos a cada ano que passa, restaurando a história desta
imortal série de televisão.
|