Publicado em
1º de janeiro de 2007


Em cores... e muito além disso
Série remasterizada é relançada na TV com efeitos renovados


 









 


por Luiz Felipe do Vale Tavares

A Série Clássica de Jornada nas Estrelas, programa de televisão dos anos 60, foi um dos primeiros seriados produzidos a cores. Televisão colorida ainda era novidade e, como conseqüência, muitos dos primeiros fãs, daqui ou de fora, assistiram aos primeiros episódios em branco e preto (B&W). Com a proliferação das TVs coloridas, até meados dos anos 80 praticamente já era natural assistir a série em seu formato original, em cores.

Mas as inovações tecnológicas de áudio e vídeo não pararam por aí e, naturalmente, o seriado se beneficiaria dos novos formatos que surgiriam no mercado. Há alguns anos, escrevi uma matéria para o Trek Brasilis a respeito da evolução da Série Clássica no mercado de home-video, desde o VHS, passando pelo LaserDisc até, finalmente, no DVD. No final do texto, previ que era questão de tempo até que a série ressurgisse em novo formato, com alta definição de som e imagem. Enfim, o momento chegou, mais rápido do que se esperava, trazendo além de outras surpresas conforme veremos na seqüência.

Antes de mais nada, faz-se necessária uma breve exposição sobre os formatos de vídeo e áudio de alta definição. Hoje, existem diversas fontes de vídeo em alta definição, principalmente em razão da proliferação dos mais variados formatos digitais. Temos as transmissões televisivas (mas ainda não no Brasil), HD-DVD (um dos sucessores do DVD), Blu-Ray (outro sucessor do DVD, talvez o próximo Betamax), Windows Media (pode exibir vídeos codificados em alta resolução) e, finalmente, QuickTime HD (programa de vídeo da Apple, similar ao do Windows). Enquanto o formato do DVD alcança a resolução máxima de 720x480 (o que é definido como 480i – interlaced - ou 480p – progressive), esses novos formatos podem ser exibidos em 720i, 720p, 1080i e 1080p. Além disso, os discos de HD-DVD têm 30Gb e os de Blu-Ray 50GB, o que garante mais espaço de dados para os filmes, ou seja, melhor imagem e menos compressão de vídeo. Os atuais discos de DVD têm limite de 18Gb, mas isso, os de dupla camada com dois lados. Um DVD comum de dupla camada, o chamado DVD-9, tem espaço para cerca de 9 Gb de material.

Saindo do campo técnico, vamos analisar como a Série Clássica está se enquadrando no formato de alta resolução. Acredito que a maioria dos leitores, senão todos, tenham adquirido (ou pelo menos pego emprestado, ou alugado) os episódios em DVD que a Paramount lançou em 2005 no Brasil. Todos podem confirmar o esplendor da imagem. Excelente definição, cores fortes e vivas. Todos os episódios passaram por recente restauração e o trabalho pôde ser demonstrado com perfeição no formato do DVD. E poderia ser melhor ainda? Por incrível que pareça, a resposta é sim!

Em setembro de 2006, a rede americana CBS passou a exibir a Série Clássica com dois diferenciais: alta resolução (para quem tem HDTV) e, surpresa na época, novos efeitos especiais. O primeiro diferencial é inerente ao desenvolvimento de home-video, razão pela qual só há motivos para festejar. Por outro lado, o segundo diferencial é razão para descontentamento. Tratando em primeiro lugar da imagem, a exibição da Série Clássica em alta definição é um verdadeiro show. Muito superior ao DVD, a imagem é rica em definição, trazendo à tona detalhes talvez antes não percebidos, como texturas de peles e roupas. O fato da Série Clássica ter sido filmada em 35mm, com negativos bem preservados até os dias atuais, contribuiu na apresentação estupenda em alta resolução. É mera questão de tempo para que a série seja relançada em HD-DVD e/ou Blu-Ray.

O problema da atual exibição na CBS reside nos novos efeitos especiais. Durante anos, os fãs especularam sobre a possibilidade da Série Clássica voltar às telas com novos e atuais efeitos especiais, gerados por computação gráfica – CGI. A idéia nasceu com a exibição do extraordinário episódio “Trials and Tribble-ations” de Deep Space Nine, que recriou os eventos do clássico “The Trouble of Tribbles” através de efeitos de última geração. A Enterprise, tanto externa como internamente, foi recriada em CGI, o que demonstrou de forma incontestável que o design da série, dos anos 60, se mantinha muito bem atual nos dias atuais. Instigados pelo episódio de DS9, algumas empresas de computação chegaram a criar demos de novos efeitos especiais em substituição aos originais. Alguns até foram apresentados na internet, na esperança de chamar atenção da Paramount, porém sem efeito. Alguns anos depois, foi exibido o episódio “In the Mirror Darkly” da série Enterprise, em que novamente foram recriados os cenários da Série Clássica e mais um modelo de nave da Classe Constitution, idêntica à Enterprise, a USS Defiant.

Novamente ficou demonstrado que o design da Série Clássica não estava ultrapassado, não obstante o uso de cenários simples com cores berrantes. E o que era inevitável aconteceu; mais rápido e inesperado que muitos supunham. Sem qualquer notificação prévia, a CBS, em agosto de 2006, comunicou que a Série Clássica seria exibida a partir de setembro em transmissão HD (High Definition/Alta Definição) e (surpresa) com novos efeitos especiais. A notícia gerou entusiasmo por parte de uns e desânimo por parte de outros; afinal, a série exibida não seria 100% fiel às suas origens. Nada obstante, o lado bom da história é que a série original, com seus efeitos originais, não seria escondida no limbo (como George Lucas fez com “Star Wars”, até recente lançamento em DVD com decepcionante qualidade de imagem). Os DVDs da série original ainda seriam comercializados e alguns canais de TV ainda exibiriam a série tal como foi filmada... porém, não em alta definição.

Já que os fãs, com o privilégio de possuir uma HDTV, teriam que “engolir” os novos efeitos, há que se vislumbrar o hipotético lado bom dessa história. Neste aspecto, cito aqui o amigo e colega Salvador Nogueira, criador do Trek Brasilis, que levantou pertinentes questões acerca dos novos efeitos. Em sua visão, os novos efeitos poderiam chamar a atenção de novo público, que é exatamente o que a franquia de Jornada nas Estrelas está desesperadamente precisando. O raciocínio é perfeito, uma vez que é notória a existência de certo preconceito com programas mais antigos de televisão, por não refletirem mais a realidade do mundo exterior. Em se tratando da Série Clássica, o visual é estritamente dos anos 60, de qualquer forma clássico, mas não atual. Por outro lado, a linguagem da série ainda é atual, em razão dos roteiros bem construídos de boa parte dos episódios. Em tese, casando a temática da série com um visual mais atual, seria certa a atração de um novo público. A oportunidade é relevante e, nesse aspecto, há que se dar crédito à iniciativa da CBS. Infelizmente (e agora passamos para o patamar do pessimismo), não foi esse o caso.

Antes de adentrar ao que podemos chamar de “caso concreto”, é importante ressaltar que a primeira decisão contraditória da CBS foi ter optado pelos serviços de grupo técnico interno da empresa, ou seja, os novos efeitos especiais seriam realizados pela própria CBS ao invés de uma empresa terceirizada com melhor técnica. A primeira foto publicada da Enterprise em CGI deixou muito a desejar. Poucos detalhes, cores artificiais e iluminação inadequada. De fato, os poucos episódios já exibidos demonstraram essas imperfeições, assim como outros, até mais graves.

O primeiro episódio exibido foi “Balance of Terror”, que introduziu os Romulanos. Foi uma boa opção pela CBS, por se tratar de um episódio que envolve batalha espacial entre duas naves, oportunidade para apresentar os novos efeitos especiais. Ocorre que ficou demonstrado exatamente o oposto, ou seja, uma oportunidade perdida. Em poucos minutos de exibição, a idéia geral da CBS fica clara para os fãs. A intenção não era inovar, com novos efeitos de tomadas espaciais das naves, o que poderia ser feito de forma mais realista e dentro dos padrões que o público está acostumado atualmente no cinema e televisão. A CBS simplesmente refez em CGI as mesmas tomadas de efeitos especiais da série, sem qualquer alteração. Os movimentos inusitados das naves, as anomalias nas passagens de estrelas pela tela, feisers que parecem sair de qualquer ponto da nave etc. Todas as imperfeições lá continuam, embora em computação gráfica. Os episódios seguintes mostraram o mesmo padrão adotado pela CBS, ou seja, meramente copiar os efeitos antigos em CGI, sem modificação relevante. Até mesmo alguns efeitos especiais na superfície, que não eram ruins a princípio, foram piorados com novas versões infelizes. Exemplo claro foi o complexo industrial submerso no episódio “The Devil in the Dark”.

No entanto, há um sopro de esperança, uma pequena luz no final do túnel. Nos três últimos episódios exibidos pela CBS ("The Menagerie", "Space Seed" e "The Carbomite Maneuver"), a equipe dos efeitos especiais resolveu inovar um pouco. A nave inimiga em "The Carbomite Maneuver" recebeu um retoque interessante, com detalhes do acabamento da nave através dos globos luminosos. Os efeitos de matte pattings (pinturas no background) foram refeitos de forma mais realista em "The Menagerie". A nave do Khan, a Bottany Bay, aparece à deriva no espaço, em um modelo mais detalhado.

Do ponto de vista econômico, a CBS não teria muito trabalho além de recriar aproximadamente meia dúzia de efeitos especiais em CGI e reproduzi-los durante os 79 episódios com pequenas variações, como as cores dos planetas. O mesmo modelo de produção foi adotado em 1966, mas na época era perfeitamente compreensível e perdoável, dada a escassez de recursos financeiros para as gravações. A conclusão lógica é que a CBS pretendeu locupletar os fãs através de falsa propaganda para um programa que prometia ser inovador. É apenas esperar se a premissa inovadora dos últimos episódios vai vingar de forma definitiva, pois os primeiros exibidos francamente foram decepcionantes. O fato é que a CBS tem que ser extremamente cuidadosa nesse campo, para que evite, nos futuros episódios, que os efeitos especiais permaneçam ultrapassados, ainda que em CGI. Não podem simplesmente ser cópias idênticas aos originais, caso contrario, o máximo que a CBS conseguirá é a atenção de alguns curiosos para ver os novos efeitos, curiosidade que não perdurará além de 4 ou 5 episódios.

De qualquer forma, nós, os fãs, continuamos em época de vacas magras em Jornada nas Estrelas. Assistir os já centenas de vezes reprisados 79 episódios clássicos, ainda que com relativo novo visual, não tem exatamente um sabor de novidade. Ademais, quanto a franquia em si, não há muito o que se esperar pela frente, nem mesmo como o preocupante projeto de um novo filme pelas mãos do J.J. Abrams. Em contrapartida, os fãs brasileiros estão vivendo uma relativa boa época exclusivamente pelo lançamento, com atraso em relação ao exterior, das séries anteriores em DVD (atualmente ANova Geração e a Série Animada dos anos 70, com promessa futura de DS9 e Voyager).

Sem boas esperanças para a Jornada nas Estrelas do futuro, nada como aproveitar com pura nostalgia a época de ouro da série.