Terceiro
ano: diversão ou decepção?
Há algum tempo eu estava
assistindo a um episódio da Voyager, "Threshold",
em que Tom Paris pilota uma nave auxiliar modificada para chegar
à dobra 10. Como resultado ele se transforma em um... peixe-gato!
Logo depois a capitã Janeway também vira peixe-gato, ambos
cruzam e o resultado é uma ninhada de filhotes de peixe-gatos. No
final todos voltam ao normal.
Terminado o episódio eu refleti um pouco (na verdade, por uns
dois segundos, no máximo) e cheguei a uma conclusão: esse foi o
pior episódio de Jornada nas Estrelas que ousaram
produzir. Gastei 45 minutos de minha vida com algo absolutamente
imbecil e me arrependi profundamente de não ter apertado o stop
do videocassete quando percebi em que direção o episódio ia.
Na minha lembrança, pior que muitos episódios da Voyager
somente os episódios do terceiro ano da Série Clássica.
Aí, há alguns dias, resolvi assistir o episódio "Spock's
Brain", notoriamente o pior episódio da Série Clássica.
Quando o episódio terminou, eu estava confuso. Mesmo sendo um dos
piores episódios já produzidos, por algum motivo eu me diverti
muito assistindo-o, ao contrário do que ocorreu no supracitado
episódio de Voyager, onde eu me senti ofendido com tamanha
porcaria que os produtores me fizeram engolir.
Após todos esses acontecimentos, resolvi rever mais alguns episódios
do terceiro ano da Série Clássica. Terminada a minha
maratona cheguei a uma nova conclusão: Não há episódios
"chatos" na Série Clássica; há episódios
ruins, mas nenhum chato.
Os episódios do terceiro ano, se olhados sobre a perspectiva de
que são divertidíssimos trashs de ficção científica, passam
do patamar de episódios ruins para um nível mais elevado, mais
de acordo com uma série dos anos 60, ou seja, de um descontraído
e divertido programa que proporcionará bons 51 minutos de duração.
Uma vez li uma sábia frase relativa aos filmes trash:
"Aprenda a assistir aos filmes ruins, às vezes eles podem
ser sublimes".
A maioria dos cinéfilos conhece o diretor Ed Wood e sua mais
aclamada "obra", "Plan 9 From Outer Space".
Mesmo sendo um dos piores filmes já realizados, ninguém pode
acusá-lo de ser um filme chato. Uma vez que entramos no
"clima" do filme, com atores terrivelmente canastrões,
cenários de papelão, (de)efeitos especiais de quinta categoria,
diálogos hilários etc., teremos uma boa sessão de risos. É
puro divertimento e é isso que um filme deve proporcionar.
Acredito que a maioria dos episódios do terceiro ano da Série
Clássica, assim como alguns do primeiro e segundo anos, devem
ser encarados dessa forma.
Assim vejamos alguns exemplos do terceiro ano:
Spock's Brain
Provavelmente
deve ser o mais absurdo roteiro já escrito em Jornada. Uma
raça de lindas moças alienígenas com penteados mirabolantes
roubam o cérebro de Spock para usá-lo como fonte administradora
de seu mundo. Pior ainda é o corpo de Spock, sem cérebro, sendo
operado por controle remoto. E há, também, uma célebre frase
proferida por McCoy ao constatar a ausência do cérebro em Spock:
"His brain is gone!" Dificilmente alguém vai se
esquecer dessa frase.
Parece ruim? É mesmo ruim. Mas não é hilário também? É. Dá
para se divertir assistindo à essa "pérola" ? Muito.
Ponto final na questão.
Plato's Stepchildren
A Enterprise encontra alienígenas que se proclamam seguidores dos
ensinamentos de Platão e que possuem poder mental para controlar
nossos personagens como bem entendem. Ver Kirk e Spock devidamente
togados, cantando e dançando a bel prazer dos alienígenas já
vale o programa. A cena do beijo entre Kirk e Uhura,
incontestavelmente de valor histórico na TV, pode causar involuntários
risos.
The Way to Eden
Hippies alienígenas dominam a Enterprise para usá-la para chegar
à Eden, um planeta idílico. A cena em que Spock se une aos alienígenas
para tocar uma música terrivelmente cafona dos anos 60 deve ser o
momento mais hilário de toda a série. É a segunda vez que vemos
Spock cantando no terceiro ano; a primeira foi em "Plato's
Stepchildren".
The Savage Curtain
Um ser alienígena planeja uma luta entre o bem e o mal, para
tanto trazendo de volta à vida diversas figuras históricas. Do
lado da tripulação da Enterprise contra o mal está ninguém
mais do que o próprio Abraham Lincoln! God bless America. Preciso
dizer mais?
Turnabout Intruder
Uma mulher vingativa troca de corpo com o capitão Kirk para
assumir o seu lugar. Será que veremos William Shatner com
trejeitos femininos? Com certeza não, pois o ator preferiu
interpretar uma mulher como um ser instável dado a ataques de
temperamento. Será que a atriz cujo corpo recebe a identidade de
Kirk consegue interpretar William Shatner? Até que consegue, pois
não é tão difícil assim. Diversão garantida do começo ao
fim. Por falar em fim, esse foi o último episódio da Série
Clássica. E por falar em finais, prefiro bem mais esse episódio
do que o decepcionante (e ruim e chato) "Endgame"
que concluiu a série Voyager.
Os dois primeiros anos, muito superiores e de melhor qualidade,
também tiveram alguns episódios fracos, mas poucos desses podem
se qualificar como divertidos. Nesse perfil se encaixam: "Catspaw"
(divertido Dia das Bruxas para a tripulação da Enterprise), "Who
Mourns for Adonais?" (a Enterprise encontra o deus
Apolo), "Bread and Circuses" (alienígenas que
por analogia se equiparam a um Império Romano no Século 20 usam
Kirk, Spock e McCoy como gladiadores em um programa de TV), "The
Gamesters of Triskellion" (de novo a tripulação da
Enterprise envolvida em jogos de gladiadores, onde Kirk ensina uma
bela alienígena a amar!) e "The Omega Glory"
(onde Kirk ensina a uma raça alienígena que o melhor modelo para
um Estado é a Constituição norte-americana, tudo isso ao som do
hino americano e com closes da bandeira americana. Acho que nem o
filme ID4 apelou tanto assim).
Os episódios do terceiro ano que foram analisados acima são os
melhores exemplos do nível em que a série chegou ao seu final,
ou seja, uma ausência total de seriedade, abandono total de
conceitos sérios de ficção científica e abandono dos conceitos
sobre a natureza humana, elementos esses que fizeram dos dois
primeiros anos uma revolução no padrão de televisão.
Entretanto, e como dito antes, se colocarmos de lado essas
expectativas podemos encontrar um bom divertimento nesses episódios.
Os ingredientes estão todos lá, basta saber vê-los.
Luiz
Felipe do Vale Tavares é fã de Jornada, DVDs e ficção
científica e escreve sobre Série Clássica para o Trek
Brasilis
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