por Fernando Rodrigues



 









 

Capítulo 5 - Acertando os ponteiros

Ao término da segunda temporada, as coisas não andavam bem no set de A Nova Geração. O último episódio produzido, “Shades of Gray”, tornara-se o pior episódio da série até então – nada bom para o último episódio da temporada. Além disso, a dança das cadeiras da equipe de roteiristas custou a saída de dois importantes colaboradores - Tracy Tormé e Maurice Hurley. Sem um chefe para a equipe de roteiristas definido, o trabalho de produção de roteiros para a nova temporada simplesmente não andava. Foi então que Michael Wagner, que estava temporariamente comandando a criação dos roteiros, convidou um amigo com quem havia trabalhado na série “Probe” para escrever um roteiro. Este homem viria a se tornar responsável por reformular totalmente o modo de se produzir um episódio de Jornada nas Estrelas. Seu nome: Michael Piller.

A partir de uma história sua e de Wagner, Piller escreveu o roteiro de “Evolution”. Por iniciativa própria, Piller incluiu na história uma trama sobre o retorno da Dra. Beverly Crusher, mesmo sem saber ao certo em que ponto da temporada seu episódio seria incluído. Terminado o trabalho, Piller se encaminhou para a Paramount, onde se encontraria com Rick Berman e Gene Roddenberry.

“Eu posso contar como ouvi a voz de Gene pela primeira vez”, conta Piller. “Eu estava andando no terreno do estúdio, tendo entregue meu primeiro roteiro para a série, e estava vindo anotar os comentários dos produtores, algo normal para um escritor free-lance. Ao entrar no prédio, escuto uma voz retumbante dizendo: ‘Não há alienígenas suficientes neste show!’. Essa foi a minha introdução a Gene Roddenberry.”

Esta alegação de que não havia alienígenas o suficiente no show se mostraria o único empecilho para a finalização do roteiro. Gene acreditava que o personagem do cientista que vê o projeto de uma vida se perder em virtude de um mau funcionamento da Enterprise deveria ser alienígena. Porém, Piller havia escrito um discurso para o final do episódio, no qual faz analogia com um jogo de baseball, e todos na equipe pareciam gostar deste discurso, em especial Rick Berman – que, assim como Piller, é um grande fã do esporte. Se o personagem fosse um alienígena, não haveria como incluir este discurso.

“Rick Berman foi maravilhoso naquela reunião. Ele foi bastante político e argumentou com Gene, e no final o cientista voltou a ser humano, afinal”, relembra Piller.

Tendo vendido o roteiro, Piller acreditava que sua participação na série havia terminado. Ledo engano. “Meu roteiro era o único sobre o qual havia um consenso e que todos gostavam. Então, fui chamado por Rick e Gene, que me disseram: ‘Seu roteiro é muito bom, e obviamente você sabe escrever para esta série. Gostaria de comandar a equipe de roteiristas?’ E lá estava eu!”
A terceira temporada de A Nova Geração, se mostraria, porém, o maior desafio da carreira de Piller até então.

 

Em busca de roteiros

O primeiro problema de Piller foi lidar com a falta de roteiros para a temporada cuja produção já se iniciara. Em busca de idéias, Piller começou a vasculhar todas as propostas recebidas nos anos anteriores de roteiristas free-lancers, tentando encontrar qualquer coisa que pudesse ser trabalhada em forma de roteiro. Dentre as inúmeras propostas que analisou, uma lhe chamou a atenção. A história falava de um garoto que não consegue superar a morte da mãe e acaba recriando-a no holodeck. Gene tinha restrições quanto à trama. “É um roteiro muito bom, mas não funciona”, dizia. “No século 24, os filhos não lamentam a morte dos pais. A morte é considerada como parte da vida.” Piller então apresentou uma nova proposta. E se o garoto realmente se mostrasse apático quanto à perda da mãe – algo muito estranho de se assistir – e Troi tivesse de faze-lo lidar com essa perda? Gene gostou a idéia, e aprovou seu desenvolvimento, que eventualmente se tornou o episódio “The Bonding”. O autor do roteiro era um jovem inexperiente que eventualmente se tornaria parte da equipe de roteiristas de A Nova Geração e Deep Space Nine, e seria considerado por muitos como o melhor roteirista da história de Jornada. Seu nome: Ronald D. Moore.

Simultaneamente, Piller adotou uma abordagem pouco ortodoxa. A produção da série passou a aceitar propostas de roteiros de qualquer pessoa, mesmo amadores que não possuíssem agente ou advogados. Esta política – única em Hollywood até então – traria mais um nome de talento para a equipe: René Echevarria. Echevarria era até então um garçom em Nova York, que criou um roteiro onde Data criava para si uma filha. Piller se encantou com a idéia, e sugeriu apenas uma mudança, seguindo sua nova filosofia sobre o que deveria ser um roteiro de Jornada. “O roteiro de Echevarria, apesar de bastante sólido, se concentrava demais na personagem convidada, e não em data. Disse a ele que deveria reescrever a trama, transformando-a em uma história sobre Data. Qualquer trama, qualquer personagem da semana, deve trabalhar de forma a explorarmos os personagens principais”, conta Piller. O roteiro reescrito se tornou “The Offspring”.

Piller também criou a sistemática de reuniões diárias com toda a equipe de roteiristas, nas quais os projetos de todos eram discutidos, de modo que todos pudessem ajudar e colaborar com idéias nos roteiros dos colegas. Destas reuniões surgiram conceitos que se tornariam episódios bastante populares entre os fãs. “A Enterprise entra em um wormhole e de repente Tasha Yar está na ponte” (“Yesterday’s Enterprise”), “Q perde seus poderes se fica preso na Enterprise” (“Deja Q”), “um tripulante tem problemas de se relacionar com a tripulação e recria suas imagens no holodeck” (“Hollow Pursuits”).

Com Piller no comando, aos poucos a série foi encontrando seu rumo, e apresentando episódios cada vez melhores. Sua filosofia de que cada episódio deveria mostrar o desenvolvimento da equipe principal da nave criaria oportunidades de desenvolvimento para todos – em especial, Worf e Picard.

Acertando o tom

Ao longo da temporada, com o aprofundamento dos roteiros, muitas mudanças começaram a surgir nos próprios personagens. Logo no início da temporada, com o retorno de Gates MacFadden ao papel de Beverly Crsher. Gates deixara a produção da série ao final da primeira temporada, descontente com o desenvolvimento de seu personagem. Após uma longa campanha por cartas, durante o segundo ano, Gene decidiu trazê-la de volta, com a promessa de que seria dado um novo rumo à doutora. “Diane Muldaur é uma atriz maravilhosa, e é óbvio que acredito nisso, pois trabalhei com ela várias vezes,” disse Roddenberry. “Mas tudo é química. Beverly tem aquela coisa a mais... de algum modo, o relacionamento do capitão com ela funciona muito melhor. Funcionava com Muldaur também, mas parece funcionar um pouco melhor com Crusher”.

Seu retorno à nave, conforme o roteiro escrito por Piller, já sinalizava estas mudanças de rumo para a personagem. Após passar um ano fora, Beverly tem dificuldades em adaptar seu relacionamento com Wesley, após este ter passado todo o período trabalhando na nave como alferes, e ter desenvolvido responsabilidades e sua própria autonomia. Assim, Beverly deixaria de ser apenas a “mãe de Wesley”, e se tornaria um membro da equipe, e importante apoio para Picard.

Picard também começaria a sofrer um desenvolvimento diferente nesta temporada. A bíblia da série deixava claro que o capitão da nave não poderia se colocar um uma posição de risco, o que limitava a sua participação nas tramas. “Eu fazia apenas três coisas: dava ordens na ponte, falava com a tela ou ficava em minha sala de leitura”, lembra Patrick Stewart. “De qualquer modo, tudo o que Picard fazia era falar – e isso estava começando a deixar o personagem empacado.” O segredo foi encontrar formas de colocar o capitão no centro da ação sem desrespeitar esta máxima. O primeiro modo encontrado tornou-se “Captain’s Holiday”, onde Picard, durante férias, se envolve na disputa por um artefato arqueológico.

Se algum personagem efetivamente encontrou sua voz na terceira temporada, foi Worf. Na primeira temporada, Worf não tinha uma função específica. Na segunda, como chefe de segurança, ele encontrara uma atividade muito mais afim com sua herança Klingon. Porém, até então, tudo o que esse herança trazia à série era a frustração de Worf em ter de ficar esperando antes de disparar os torpedos. Piller, porém, acreditava que havia uma grande oportunidade com Worf e seu sangue Klingon, e passou a abordar o personagem de uma forma completamente diferente, assustando a todos na equipe e até mesmo Michael Dorn. Em “The Enemy”, Worf é o único em toda a nave com sangue compatível com o de um Romulano ferido que está à bordo. No rascunho original, Worf doaria o sangue. Piller, co-autor do roteiro, achou que Worf, como Klingon, se recusaria a doar o sangue. Os Romulanos haviam sido responsáveis pela morte dos seus pais, e Worf, dando vazão à honra Klingon, jamais consentiria com esta transfusão. A sua frase, “então que ele morra”, foi controversa na época, mas Dorn acabou entendendo o ponto de vista de Piller – este é um Klingon, seus valores são diferentes dos humanos.

Esta abordagem “alienígena” para o personagem renderia ainda um grande episódio, “Sins of the Father”, no qual Worf não apenas conhece seu irmão, mas também viaja até K’onos e tem o nome da família desonrado.

Outras melhorias

Dan Curry, supervisor de efeitos especiais da série, diz que na terceira temporada a equipe descobriu novos modos de realizar os mesmos efeitos, conseguindo uma qualidade final melhor. E esse é outro diferencial desta terceira temporada. A qualidade visual dos efeitos é muito superior ao das temporadas anteriores. E alguns dos efeitos solicitados pelos roteiros não eram em nada simples: um ser vivo do tamanho da Enterprise (“Tin Man”), em wormhole dentro do qual emerge a Enterprise-C (“Yesterday’s Enterprise”), a Enterprise se escondendo de um cubo Borg em uma nebulosa (“The Best of Both Worlds”).

Muito do trabalho foi facilitado pela construção de modelos em menor escala, incluindo a Enterprise-D, que permitiam maior mobilidade da nave em tela. Outras técnicas inovadoras foram empregadas – como o uso de nitrogênio líquido para a filmagem de cenas que envolviam nebulosas ou wormholes.

A própria Enterprise-C, vista em “Yesterday’s Enterprise”, foi um desafio conceitual à parte. Mike Okuda havia criado a filosofia de que qualquer nave de Federação vista em tela que fosse mais antiga que a Enterprise-D deveria trazer elementos das naves vistas no filme. No caso específico da Enterprise-C, Okuda e Rick Sternbach esforçaram-se em criar um amálgama entre a Excelsior e a Enterprise-D. O resultado, ainda que tendo sido visto apenas neste episódio, foi impressionante.

Ao mesmo tempo em que buscavam soluções para os problemas de concepção visual da série, Okuda e Sternbach eram cada vez mais solicitados por Michael Piller a explicarem detalhes funcionais do universo de Jornada. Esta consultoria, que já existia em menor escala nas temporadas anteriores, possibilitou a inclusão do nome de ambos nos créditos da série, como consultores técnicos.

Alguns efeitos que, vistos em tela, parecem bastante simples, tiveram sua própria carga de problemas logísticos. O roteiro de “Deja Q” dizia que Q apareceria flutuando nu na ponte da Enterprise. Para conseguir o efeito, John de Lancie passou várias horas em frente a uma tela azul, completamente nu. Os técnicos inverteriam a imagem depois, dando a impressão de que Q estivesse deitado no ar. “Mas, para conseguir isso, todo o tempo de tela azul tive de manter os braços levantados, como se estivesse dançando o Ula-Ula!”, conta de Lancie.

Mas as dificuldades com a cena não terminavam aí. Para mesclar Q na cena filmada na ponte, era necessário posicionar exatamente a cabeça de Patrick Stewart, de modo que a genitália de Q ficasse encoberta. Todo este trabalho por apenas poucos segundos de tela!

Atendendo às constantes reclamações dos atores, Robert Blackman criou um novo uniforme para a equipe da nave, substituindo o macacão usado nas duas primeiras temporadas. Apesar de resolver alguns problemas do modelo antigo (que eram quentes, justos e provocavam dores nas costas dos atores), algumas reclamações continuaram a existir, principalmente de Patrick Stewart, que sempre ajustava a posição de seu uniforme em cena (a famosa “manobra Picard”). Saiba mais sobre os uniformes usados na série clicando aqui.

O Melhor de Dois Mundos

Ao ser contratado, Michael Piller dissera à Rick Berman e Gene Roddenberry: “Olha, o meu desejo é ficar em Miami e escrever roteiros para filmes. Fico com você por um ano.” Tendo assinado um contrato por um ano apenas, Piller começou a ver o término da temporada com sentimentos conflitantes. Enquanto trabalhava no roteiro de “The Best of Both Worlds”, Piller se sentia tentado a permanecer na série, apesar de considerar que o cinema seria uma carreira que lhe agradaria mais. Estes sentimentos acabaram incluídos no roteiro, onde Riker tem a oportunidade de se tornar capitão de sua própria nave (seu sonho de carreira), mas prefere ficar na Enterprise.

Com a perspectiva de sua partida, Piller decidiu que seu último roteiro deveria ser o seu melhor, e terminar a temporada com um estrondo. Assim, não apenas trouxe os Borgs de volta (vistos anteriormente em “Q-Who”, da segunda temporada), como transformou Picard em um deles. A cena final do episódio, com Riker mandando Worf disparar contra a nave Borg e, por conseqüência, em Picard, se tornou o melhor final de temporada de toda a franquia.

Com o roteiro finalizado, e o episódio já em pré-produção, Piller foi contatado por Gene Roddenberry. “Veja, essa série precisa de mais um ano para realmente pegar fogo. Significaria muito para mim se você voltasse para mais um ano.” Para Piller, emocionado com o fato de Gene lhe fazer o convite, não precisou muito para ele se decidir a retornar na temporada seguinte.

Ao fazer isso, porém, Piller teria de encarar um desafio muito grande: escrever a conclusão de “The Best of Both Worlds”. “Eu achei que não voltaria, havia escrito o roteiro sem pensar em nenhum momento em como faria para terminá-lo”, relembra Piller. “Eu não sabia como derrotar os Borgs, achei que seria trabalho para outra pessoa! Eu havia criado um problema sem solução!”