por Fernando Rodrigues



 









 

Capítulo 1
O Combustível do Mundo Moderno
Conheça a maneira inventada pela Paramount para vender a nova série de Jornada nas Estrelas para a TV americana

Em setembro de 1987, após um hiato de mais de 18 anos, era exibido nos Estados Unidos um episódio de uma série de televisão com o título "Jornada nas Estrelas". Para os fãs, a concretização de uma longa espera. Para os executivos da Paramount, a realização de que havia uma forma de se obter lucro produzindo uma série televisiva de ficção científica.

A verdade é que só existe um fator determinante na realização do velho anseio dos fãs por novos episódios: dinheiro. Séries de ficção científica até então eram raras, pois envolviam custos bem mais elevados que os de uma série de televisão normal. Normalmente, encontrava-se alternativas que dispensassem o uso de cenários elaborados ou efeitos especiais mirabolantes - séries como "O Homem de Seis Bilhões de Dólares" exemplificam bem esta alternativa. Uma série de "Jornada nas Estrelas", porém, envolve a construção de cenários fixos caros, e uso constante de efeitos especiais.

Os custos estimados para cada episódio, estratosféricos, não equilibravam a solicitação dos fãs - e, assim, nunca saía do papel. Uma única vez durante o hiato entre as duas séries cogitou-se seriamente a produção de uma nova série. Em 1977, a Paramount decidiu criar uma nova rede de televisão, e para tanto escolheu, como carro-chefe do novo canal, produzir uma nova série de Jornada nas Estrelas. Para tanto, cancelou a então pré-produção de um filme de Jornada, então na fase de desenvolvimento de roteiro, transformando o projeto em uma série televisiva. Cenários foram construídos, o elenco original, exceto Leonard Nimoy, fora contratado, roteiros foram escritos. Tudo indicava que, desta vez, a Enterprise realmente voltaria a cruzar as telinhas do povo americano. "Jornada nas Estrelas: Fase II", começava a sair do papel.

A alegria dos fãs, porém, não durou muito. Poucos meses depois, a Paramount decidiu que, afinal, não iria lançar uma nova rede de televisão e, portanto, o projeto da Fase II foi cancelado. Tentando recuperar tudo o que investira no projeto, porém, o episódio piloto foi transformado em um roteiro cinematográfico, a ser dirigido por Robert Wise. Assim, o que seria uma nova série televisiva se tornou o pontapé inicial de uma série de filmes. Em 1986, esta série de filmes já havia se tornado um sucesso para a Paramount. Os três primeiros, juntos, arrecadaram quase 240 milhões apenas nos cinemas americanos, tendo custado apenas cerca de 80 milhões. O quarto filme da série, "A Volta Para Casa", estava em produção e a Paramount sentia ter mais um vencedor nas mãos. A pergunta de um milhão de dólares, então, era: será possível encontrar uma forma de capitalizar este sucesso também na televisão?

A situação, porém, havia sofrido algumas alterações. O elenco original, agora astros do cinema, dificilmente aceitaria participar de um seriado com salários dentro dos valores previstos pela Paramount. Como já mencionado anteriormente, os elevados custos com cenários e efeitos especiais não permitiriam que os custos com atores ultrapassassem um certo limite. Se Jornada nas Estrelas seria produzida, seria com um elenco novo. Poderia fazer sucesso sem Kirk, Spock e McCoy? Um homem acreditava que sim. O mesmo homem que vinte anos antes fora responsável pela primeira série de Jornada: Gene Roddeberry.

Roddenberry estava praticamente afastado da franquia desde o lançamento do primeiro filme. Os conflitos em que se envolvera durante a produção motivaram a Paramount a gentilmente colocá-lo como consultor, deixando a produção dos filmes a cargo de Harve Bennett. Sem poder afetar de modo algum a direção que a franquia tomava, Roddenberry magoou-se, e via seu projeto se afastar do que considerava, então, a sua visão de um futuro otimista para a humanidade. A concepção de uma série totalmente nova, com um elenco novo, era a sua oportunidade de não apenas se envolver novamente com a franquia, mas de fazê-la como acreditava que deveria ser. Para os executivos da Paramount, porém, a questão principal ainda era dinheiro. Cada episódio da nova série teria um custo estimado de US$ 1 milhão. Na época, todas as quatro redes de exibição americanas - NBC, CBS, ABC e FOX - estavam interessadas na exibição do programa, mas exigiam que o contrato inicial estipulasse apenas o episódio piloto e treze episódios, e a continuidade de temporada ficaria condicionada ao retorno em audiência destes primeiros episódios.

Como estas redes pagariam por cada episódio menos que seu custo total (prática normal nos EUA), e com a Paramount vendo que o lucro viria apenas quando a série fosse vendida para syndication, um contrato de apenas treze episódios era insuficiente para se assumir o risco. O mercado de syndication, porém, já se mostrara extremamente vantajoso para Jornada. Na década de 70, a exibição dos episódios da série original de Jornada deu início ao sucesso da franquia. Neste processo, emissoras independentes ao longo do país compram episódios e programas já exibidos pelas grandes emissoras para exibição em seu grade.

Na década de 80, os programas originalmente produzidos para syndication eram principalmente game-shows exibidos à tarde, desenhos para crianças ou produções realistas exibidas tarde da noite. Para a Paramount, a exibição de sua nova série diretamente em syndication parecia a melhor opção. Porém, os contratos normais para a venda de séries em syndication previam pacotes de 69 episódios - desta vez, um número grande demais para o estúdio. Parecia que a produção se encontrava em um beco sem saída. Até que a Paramount criou uma proposta nova, extremamente ousada. Ofereceu sua série totalmente nova, com valores de produção dignos das grandes emissoras, do seguinte modo: uma temporada completa com 26 episódios custaria aos exibidores... nada. Para os exibidores, existiam até então dois modos para comprar programas. O primeiro, cada estação faz um pagamento em dinheiro ao vendedor, baseado no tamanho da audiência local e nos índices de audiência estimados de cada episódio, usualmente divididos em categorias demográficas. Durante a exibição, a estação vende espaços publicitários para os intervalos, esperando recuperar o que gastou na compra do programa. No segundo modo, o exibidor paga uma taxa menor ao vendedor, concedendo a este último, porém, alguns minutos de espaço publicitário. O vendedor então negocia diretamente com os patrocinadores diretamente a exibição de propaganda neste minutos. Para sua nova série porém, a Paramount criou uma sistemática totalmente nova. Nesta nova metodologia, os exibidores não pagariam ao estúdio centavo algum pela aquisição do programa. A Paramount, porém, teria direito a sete minutos de espaço publicitário para seus patrocinadores, e os exibidores teriam o tempo restante para seus próprios patrocinadores - cerca de cinco minutos.

Deste modo, os exibidores conseguiriam lucrar com a exibição da série sem investir absolutamente nada. Para conquistar definitivamente os exibidores, a Paramount criou ainda mais uma condição. Se a nova série não tivesse o sucesso necessário para garantir uma segunda temporada, o exibidor poderia exibir também os episódios da série clássica nas mesmas condições do acordo, ou seja, sem pagar nada para ela. Era uma proposta de alto risco para o estúdio. Se desse errado, seria um prejuízo de cerca de 30 milhões de dólares. Se funcionasse, porém, a Paramount conseguiria entrar com sua nova série diretamente no lucrativo mercado de syndication. Os exibidores, porém, que não corriam risco nenhum, gostaram de idéia, e assinaram os contratos. Com a exibição garantida nos termos que lhe eram mais interessantes, a Paramount deu o sinal verde para a produção de sua nova série. Jornada nas Estrelas iria mais uma vez invadir o universo televisivo.