Publicado originalmente
como coluna, em 2001


Meio homens, meio máquinas
Saiba tudo sobre as aparições dos mais temíveis inimigos da
Federação, os Borgs, em episódios de A Nova Geração


 









 


por Fernando Penteriche

Ser colunista da Nova Geração e não escrever um artigo sobre os Borgs é algo difícil. Eu havia prometido a mim mesmo que não faria um artigo tão óbvio, mas acabei não resistindo. O verdadeiro culpado de tudo é o Locutus, um bonequinho do alter-ego de Picard que fica sobre meu CPU e está sempre me observando, parecendo dizer: escreva sobre mim... resistir é inútil...

Então, para alegria do Locutus e por desencargo de consciência, fiz o que prometi não fazer.

Antes de começar, um pouco de nostalgia. Apesar de ser fã de Jornada nas Estrelas desde os 12 anos (1988), até o ano de 1992 eu nem sabia da existência de Borgs. O problema é que naquela época, sem Internet e sem grana para comprar revistas importadas como Starlog e Cinefantastique (escassas em São Paulo naquele tempo), ficava difícil saber o que estava rolando com a Nova Geração nos EUA, pois o que tínhamos de mais recente desta série na TV era o primeiro ano (um fato que perdurou até 1997). Mesmo notícias sobre os filmes de cinema V e VI não eram encontradas tão facilmente. E clubes como Jetcom e Frota Estelar Brasil ainda não me haviam sido apresentados.

Foi aí que o saudoso programa dos domingos à noite da Rede Record "TOP TV" trouxe alguma luz no fim do túnel. O programa, que era muito bom e cultuado, fez um especial sobre Jornada nas Estrelas. Para alguns, foi a primeira chance de ver trechos de episódios como "Yesterday's Enterprise", "Q Who?" e "The Best of Both Worlds" e ainda "Unification". Isso em 1993... Consegui a fita de alguns destes episódios apenas em 1995, ou seja, passei dois anos colhendo informações em cards, fanzines e HQs importadas de Jornada para descobrir mais sobre esses tais Borgs. Quando consegui a fita, devo tê-la assistido umas três vezes em seguida. A imagem estava terrível, mas e daí? 

Pude ver "Q Who?", "I, Borg" e principalmente "The Best of Both Worlds I & II" após 24 meses de ansiedade. Algum tempo depois a CIC lançou a fita dos Borgs aqui no Brasil, comecei a adquirir as fitas seladas importadas com os outros 170 e poucos episódios e daí é história... Meu Locutus aqui me olhando que o diga.


"We are the Borg"

Quando eles surgiram, em "Q Who?", mostraram a que vieram. Os Borgs, seres que reúnem "o melhor de dois mundos": biologia e tecnologia. Uma mente coletiva, onde não existe o "eu" e sim o "nós". Se um é atingido, o outro já sabe como se defender, aproveitando a mente única que liga todos os Borgs em uma só coletividade. Não existe hierarquia, não existem indivíduos, e não existe quem possa resistir a eles. Resistência é inútil. Você será assimilado.

Este episódio da segunda temporada foi o que exerceu a maior influência no futuro da Nova Geração. Escrito por Maurice Hurley, marca a terceira aparição de Q (John deLancie). Mas a principal contribuição para a série são os mais sórdidos vilões até então, os Borgs.

Os Borgs, cujo nome é derivado de "cyborgs", surgiram com a missão de serem o que os Ferengis nunca conseguiriam ser: um inimigo mortal, sem o sentimento de remorso, que não aceita argumentos, e virtualmente impossível de ser derrotado.

A presença Borg vinha sendo indicada desde o episódio final da primeira temporada, "The Neutral Zone". No decorrer de "Q Who?", descobrimos que os Borgs foram os responsáveis pelo desaparecimento dos postos avançados Romulanos mencionados naquele episódio. Na verdade, os Borgs em si já deveriam aparecer neste episódio de final de temporada, e a trama se estenderia pelo segundo ano da série, mas a greve dos roteiristas de Hollywood no final da década de 80 atrapalhou os planos.

O orçamento da Nova Geração acabou restringindo o visual dos novos vilões. Originalmente Hurley os imaginava como uma raça insectóide, embora o conceito de colméia sobrevivesse para tornar-se um opressivo grupo de mentes conhecido como coletividade Borg. E a enorme nave, com um design cúbico único e uma primeira aparição marcante, contribuiu para que os Borgs ascendecem ao topo da lista de raças inimigas preferidas pelos fãs, justamente como planejado.

Ao final de "Q Who?", a tripulação da Enterprise, ainda meio que abalada com o primeiro contato proporcionado por Q, percebe que, agora que os Borgs sabem da existência da Federação, não vai demorar para uma visitinha acontecer. E essa visita catastrófica aconteceria uma temporada e meia depois, no episódio final do terceiro ano, "The Best of Both Worlds".


"I am Locutus of Borg"

Este espetacular episódio duplo (o primeiro na série depois do piloto) é provavelmente a maior realização da Nova Geração. O escritor do episódio, Michael Piller, estava à procura de um roteiro para o último episódio do terceiro ano que contasse com um gancho que prendesse o telespectador no período de hiato entre as temporadas. Aproveitando que estava atrás de um outro bom roteiro para a volta da raça de cyborgs, Piller criou uma história com os Borgs sequestrando Picard.

Como o roteiro pedia uma "abelha rainha" para a Coletividade Borg, Piller encontrou a idéia da abdução de Picard. Porém, originalmente, ele estava com a intenção de utilizar Data e Picard transformados em uma unidade Borg. A última adição ao roteiro foi a história da indecisão de Riker sobre sua carreira.

Michael Piller costuma dizer que quando começou a escrever, não tinha a mínima idéia de como o episódio iria acabar, e nem sabia ainda se ele próprio estaria por lá na próxima temporada. Ele conta que Gene Roddenberry foi quem o assegurou no cargo, dizendo que, agora que a série estava entrando nos eixos, Piller seria imprescindível para o próximo ano.

Sobre "The Best of Both Worlds", é desnecessário contar a trama (embora eu o faça mesmo assim, só para lembrar os velhos tempos): um cubo Borg vem de encontro ao setor 001, o nosso Sistema Solar, e ninguém consegue detê-lo. Para piorar a situação, Picard é assimilado, transformando-se no borg Locutus e liderando a invasão, e a Enterprise é a única nave que pode deter o imenso cubo.

Ao final da primeira parte, e com os três meses de reprises antes da conclusão, boatos davam conta de que Patrick Stewart não renovaria seu contrato com a Paramount. Os fãs especulavam em fanzines: a recém apresentada perosnagem Shelby seria a nova primeira-oficial da Enterprise, agora sob o comando do capitão Riker? Picard morreria heroicamente? Shelby morreria ao salvar Picard?

Na volta da temporada, todos os problemas solucionados. Picard é resgatado, e a interdependência dos Borgs acaba por salvar a Federação, graças ao esforço de Picard/Locutus e Data, ao inserir um comando em uma subrotina Borg, o que causa um mal-funcionamento e a autodestruição da gigantesca nave. A comandante Shelby se despede para nunca mais voltar e Riker volta a ser o Imediato de Picard.

Sobre os efeitos especiais, são bons para a época, mas hoje em dia estão completamente defasados. Qualquer episódio de ação de Voyager tem mais efeitos especiais do que metade de uma temporada da Nova Geração. E por motivos econômicos, a batalha de Wolf 359 não foi mostrada, apenas suas sequelas. No episódio-piloto de Deep Space Nine, "Emissary", vemos uma sequência da mesma, e em "The Drumhead", da quarta temporada, é revelado que em Wolf 359 a Frota Estelar perdeu 39 naves, com a morte de aproximadamente 11 mil tripulantes.

"The Best of Both Worlds" obteve indicações ao prêmio Emmy de melhores efeitos especiais e de melhor direção de arte, e não ganhou. Porém venceu na categoria de melhor edição de som e melhor mixagem sonora. A trilha sonora de Ron Jones é muito boa, e posteriormente foi lançada em CD.


"My name is Hugh"

O clamor por outro episódio com os Borgs aumentava todo mês, porém a equipe de produção e o time de roteiristas estavam com um dilema: como superar em qualidade um episódio como "The Best of Both Worlds" e ainda fazer outro "borg-show" sem ser repetitivo? A resposta foi simples: fazer um episódio diferente dos anteriores, onde desta vez, a assimilação seria inversa.

Assim como com a presença de Worf na série os Klingons teriam que serem olhados de outra maneira pelos fãs, trazer um Borg a bordo e explorar sua individualidade conseguiria fazer com que os fãs vissem um outro lado dos famosos inimigos. René Echevarria escreveu e Robert Lederman dirigiu o episódio, que faria com que os fãs nunca mais pudessem olhar os Borgs da mesma maneira. O título, "I, Borg".

No episódio, a Enterprise encontra uma nave de patrulha Borg acidentada em um planeta, com apenas um sobrevivente, um jovem zangão, designado como "3 de 5". Picard concorda em trazer o Borg ferido a bordo após insistência da dra. Crusher. E aí é que está a diferença do episódio para o anterior. Sem a iminente ameaça de uma ataque, a tripulação da Enterprise finalmente tem condições de observar e de se comunicar com um Borg, e assim todos descobrem (principalmente Picard e Guinan) que ele, agora rebatizado de Hugh por La Forge, não é diferente deles próprios. E se eles não são diferentes, como podem ser inimigos?

Com Hugh a bordo da Enterprise e desconectado da Coletividade, sua individualidade começa a surgir, graças à insistência da dra. Crusher e de La Forge em não o verem como o "mal encarnado". Ao final do episódio, um famigerado cubo Borg aparece para resgatar o que restou da nave de exploração acidentada, e Hugh decide partir com eles, levando sua individualidade para dentro da coletividade. Como disse Picard, "talvez isso seja mais poderoso do que qualquer vírus".

O que veio em seguida foi o episódio duplo "Descent", na virada do 6º para o 7º ano. Em minha opinião, é o mais fraco episódio com Borgs da Nova Geração, algo que com certeza é difícil de discordar. Até o episódio de Hugh, os Borgs havia sido tratados com imenso respeito pelos roteiristas. Porém, em "Descent", temos uma colcha de retalhos, que envolve desde o cientista prof. Stephen Hawking até Lore, o irmão malvado de Data, passando por Hugh e a dra. Crusher no comando da Enterprise. Um freak-show!


A pior sequência

Já que em "I, Borg" Hugh havia levado para a Coletividade o "vírus" da individualidade, nada mais óbvio do que "Descent" mostrar Borgs completamente diferentes dos que já havíamos visto. Deixando a coisa bem ameaçadora, agora os Borgs do episódio não eram mais seres movidos pelo impulso de assimilar toda e qualquer tecnologia. Eram apenas seres bem malvados, comandados por Lore, o não-menos-malvado irmão gêmeo de Data. Para completar, uma inexplicada espaçonave gigante (bem diferente do padrão cúbico tradicional) estava a serviço dos zangões.

Em "Descent", a Enterprise se mete com um bando de Borgs desgarrados comandados por Lore, mais conhecido por lá como o "One".

Após Hugh levar o "vírus" da individualidade para a coletividade, muitos Borgs ficaram extremamente confusos ao se verem livres, e muitos grupos dissidentes se formaram. Lore (com o chip de emoções de "Brothers" instalado e ativado) encontrou um dos grupos de Borgs desgarrados, e serviu de líder e inspiração para os mesmos. Claro, como Lore não é bobo, tratou de aproveitar a situação para tentar enganar Data e trazê-lo para o seu lado. No meio de tudo isto, temos a brilhante participação do prof. Hawking atuando como ele mesmo em um jogo de pôquer no holodeck, que envolve Data, Isaac Newton e um mal-caracterizado Albert Einstein (não gostei nada da maquiagem). Temos também a dra. Crusher comandando a Enterprise na ausência da tripulação senior, 
com muitos alferes e tenentes de primeira viagem prontos para ajudar no caso da gigante nave utilizada pelos Borgs resolver atacar.

Hugh aparece, liderando um grupo anti-Lore, e diz a Riker que a atitude de Picard, devolvendo-o aos Borgs como um indíviduo, foi a pior coisa que poderia acontecer. Ao final do episódio, com Lore derrotado, Hugh assume a liderança do grupo de Borgs-indivíduos.

Picard estava certo, foi pior do que qualquer vírus. Muitos Borgs não estavam preparados para serem indivíduos, e um caos generalizado deve ter ocorrido na coletividade. Mas a julgar pelo próximo capítulo desta saga, o filme para cinema "Jornada nas Estrelas - Primeiro Contato", o caos não foi tão grande assim, pois o que vemos lá é a volta dos Borgs em seu estado bruto, e com um elemento novo e extremamente incoerente introduzido pelo quarteto Rick Berman, Brannon Braga, Ron Moore e Jonathan Frakes: a Rainha Borg.


A Rainha da incoerência

Seis anos após "The Best of Both Worlds", os Borgs voltam a atacar a Federação. Contra ordens da Frota, a Enterprise segue para a Terra e com seus conhecimentos da coletividade, Picard consegue destruir o cubo e salvar o dia. Porém uma pequena nave esférica Borg escapa e volta no tempo para tentar assimilar os humanos do século 21, e assim impedir o que no futuro exista a Federação. Desnecessário dizer que a novíssima Enterprise-E também volta no tempo e impede o plano Borg.

Michael Okuda (o homem da cronologia de Jornada) deve ter ficado de cabelos em pé quando soube que Rick Berman havia decidido que além da aparição dos Borgs no segundo filme para cinema da Nova Geração, "Jornada nas Estrelas - Primeiro Contato", teríamos na história uma volta no tempo estilo "Jornada nas Estrelas IV", e ainda envolvendo um personagem como Zefram Cochrane. Neste filme, um sucesso de público e crítica, os verdadeiros Borgs de "Q Who?" e "The Best of Both Worlds" estão de volta, trazendo ainda consigo a Rainha Borg, interpretada por Alice Krige.

A maquiagem também muda, dando um salto na qualidade. Agora os zangões têm um aspecto mais sombrio, e as marcas deixadas pela assimilação são mais visíveis. O engraçado é que nas cenas de flashback com Locutus, Patrick Stewart utiliza a nova maquiagem, e não a da época dos Borgs da TV.

A Rainha Borg é uma contradição, como bem disse Data. Se a coletividade é formada por milhares de mentes, sem um centro único de comando, mostrar um indivíduo como uma espécie de líder Borg é uma grande contradição que fere tudo o que já conhecíamos. Claro que para um filme de cinema como esse, ainda mais com Borgs, a presença de uma insinuante Rainha é mais um motivo para chamar o público (e nesse filme as iscas para o público são muitas: nova Enterprise, um relacionamento entre o andróide Data e a Rainha Borg, sequências de batalha, Picard e Worf discutindo no trailer, novos uniformes, a chance de ver o primeiro contato dos humanos, e por aí vai). No roteiro, a desculpa para inserir a nova Borg não soa bem clara, pois segundo ela, "quem é uma contradição é você, Data, um andróide que quer ser humano", ou "sou o começo, o fim. Eu sou o Borg", "eu trago ordem ao caos" e frases do gênero, com o intuito de não explicar nada ao fã, e ainda confundi-lo mais.

Ao final do filme, o plano Borg é sabotado por Picard e a Rainha é praticamente desintegrada, vindo a morrer. Achei interessante a menção de que no século 21, os Borgs ainda estão no quadrante Delta, algo que seria muito, mas muito explorado na série Voyager, que cansou de encontrar os Borgs (inclusive a própria Rainha por duas vezes) por lá. A aparição da primeira esfera Borg também gera curiosidade. Existirão outras naves Borgs com mais formatos além destes dois? As respostas estão em Voyager. Assista "Dark Frontier" e "Unimatrix Zero" para conferir.

Os Borgs cumpriram seu papel na Nova Geração. Ultrapassaram de longe os Ferengis, como era a proposta inicial, e hoje em dia tão populares quanto os Klingons. Dos novos vilões de Jornada, apenas Q tem uma popularidade tão grande (e Q às vezes nem vilão é). Podem vir Jem'Hadares, Transmorfos, Vortas e toda a sorte de vilania, mas os Borgs conquistaram o coração dos fãs de Jornada. A Nova Geração os apresentou, Deep Space Nine os ignorou, e Voyager até extrapolou, mas o charme desses seres meio-homem, meio-máquina está bem longe de acabar.