O andróide Data, por
sua vontade de tornar-se humano, freqüentemente é comparado a
dois personagens do universo infantil: Pinóquio, o boneco de
madeira que queria ser gente, e o Homem de Lata, personagem
do filme O Mágico de Oz que sonhava ter um coração para
humanizar-se.
No episódio "The
Schizoid Man", o dr. Ira Graves compara Data ao Homem de
Lata e assobia o tempo todo a música cantada pelo personagem no
filme, em que ele fala como seria bom ter um coração e poder
sentir emoções. É a mesma música que Data assobia depois de
ter seu corpo "possuído" pelo dr. Graves.
O Homem de Lata (último à dir.) numa cena de O Mágico de Oz
Veja abaixo a letra
da canção (no original e uma tradução livre). Para ouvir a
melodia, clique aqui (Midi, 17 KB).
Heart
When
a man's an empty kettle he should be on his mettle,
And yet I'm torn apart.
Just because I'm presumin' that I could be kind-a-human,
If I only had heart.
I'd be tender - I'd be gentle and awful sentimental
Regarding Love and Art.
I'd be friends with the sparrows ... and the boys who shoots the
arrows
If I only had a heart.
Picture me - a balcony. Above a voice sings low.
Wherefore art thou, Romeo? I hear a beat....
How sweet.
Just to register emotion, jealousy - devotion,
And really feel the part.
I could stay young and chipper and I'd lock it with a zipper,
If I only had a heart.
Coração
Quando um homem é
uma chaleira vazia, ele deveria meter-se em brios
No
entanto, estou arrasado.
Só porque acho que eu poderia ser humano
Se eu tivesse um coração.
Eu seria carinhoso, gentil, tremendamente sentimental
No que se refere ao Amor e à Arte.
Seria amigo dos pardais... e dos meninos que atiram neles com
estilingues
Se eu tivesse um coração.
Imagine - eu numa sacada, e uma voz canta baixinho
"Por que é tu Romeu? Ouço um batimento..."
Quanta doçura.
Registrar emoção, ciúme, devoção
E realmente sentir o papel
(ele refere-se à
peça "Romeu e Julieta", de Shakespeare).
Eu poderia permanecer alegre e jovial,
E o fecharia com um zíper,
Se eu tivesse um coração.
Picard
cita seu autor favorito
Quando
Picard finalmente percebe que Data está "possuído"
pelo dr. Graves, ele cita alguns versos de um soneto do poeta e
dramaturgo inglês William Shakespeare: "Enquanto
houver viventes nesta lida / Há de viver meu verso e te dar vida"
(So long as men can breathe or eyes can see, / So long lives this,
and this gives live to thee.)
Estes são os dois
versos finais do soneto 18, um dos mais famosos de
Shakespeare. Neste soneto, ele elogia a beleza de alguém
(provavelmente, uma mulher. Sim, há rumores de que Shakespeare
era homossexual...), procurando algo na natureza que se compare a
essa beleza.
Ele decide compará-la
a um dia de verão, mas logo desiste da comparação, pois o
semblante de sua musa é mais "afável e belo". E nem
sempre os dias de verão são agradáveis, pois algumas vezes
venta e outras vezes "a luz do céu calcina", fazendo um
calor insuportável.
Além disso, o verão
dura muito pouco (pelo menos na Inglaterra de Shakespeare...), e
sua bela amada viverá para sempre. Mas como, se ninguém é
imortal? É aí que entram os dois versos finais. Ela viverá
"enquanto houver homens vendo e respirando" (So long
as men can breathe or eyes can see), que possam ler as
palavras que ele dedicou a ela neste soneto:
"Enquanto
houver viventes nesta lida,
Há de viver meu verso e te dar vida."
"So long as men
can breathe or eyes can see,
So long lives this, and this gives live to thee."
William Shakespeare
O roteirista do episódio
não colocou esses versos na boca do personagem do capitão por
acaso. Há uma óbvia relação entre este soneto de Shakespeare,
em que o poeta tenta imortalizar sua amada através de seus
versos, e a história do dr. Graves do episódio, que deseja
tornar sua amada literalmente imortal, propondo construir-lhe um
corpo andróide como o que ele roubou de Data.
Leia abaixo o soneto
no original e numa tradução feita por um poeta, mantendo as
rimas também em português. Uma curiosidade: no episódio "Whom
Gods Destroy", da Série Clássica, aquela
maluquinha verde, da raça Órion, recita um poema alegando ser de
sua própria autoria e é desmentida por outro personagem, que
revela a verdadeira autoria - Shakespeare. O poema que ela recita
é este mesmo soneto.
XVIII
Shall I compare thee
to a summer's day?
Thon art more lovely and more temperate.
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date.
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimmed,
And every fair from fair sometime declines,
By chance or nature's changing course untrimmed;
But thy eternal summer shall not fade
Nor lose possession of that fair thou ow'st,
Nor shall death brag thou wander'st in his shade
When in eternal lines to time thou grow'st.
So long as men can
breathe or eyes can see,
So long lives this, and this gives live to thee.
Soneto 18
Devo igualar-te a um
dia de verão?
Mais afável e belo é o teu semblante:
O vento esfolha Maio ainda em botão,
Dura o termo estival um breve instante.
Muitas vezes a luz do céu calcina,
Mas o áureo tom também perde a clareza:
De seu belo a beleza enfim declina,
Ao léu ou pelas leis da Natureza;
Só teu verão eterno não se acaba
Nem a posse de sua formosura,
De impor-te a sombra a Morte não se gaba
Pois que esta estrofe eterna ao Tempo dura.
Enquanto houver
viventes nesta lida,
Há de viver meu verso e te dar vida.
Tradução de F.
Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes
Pequeno Dicionário da Literatura
Universal. Editora Abril, 1981.
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