No
episódio "Skin of Evil" deparamos com Armus, uma
criatura feita de puro mal, que pratica atos malévolos (inclusive
a morte de Tasha Yar) apenas por sadismo. Mesmo assim, o capitão
Picard tenta conversar racionalmente com a criatura e até cita
Shelley (ilustração) em seus argumentos, dizendo que "todos
os espíritos que servem a coisas más são escravizados" ("All
spirits are enslaved which serve things evil").
Este verso foi tirado do poema "Prometeu
Desacorrentado" (Prometheus Unbound), escrito por Percy
Bysshe Shelley (1792-1822), um dos mais representativos poetas
do Romantismo inglês. "Prometeu Desacorrentado",
publicado em 1820, é um drama lírico em quatro atos, fruto dos
estudos de Shelley sobre os poetas gregos.
De acordo com a Bíblia, Adão e
Eva foram feitos por Deus à sua imagem e semelhança. Os gregos
antigos tinham sua própria explicação para o surgimento do
homem. Segundo a mitologia grega, Prometeu foi o deus criador do
primeiro homem (também feito de barro) e da civilização humana.
Os primeiros homens vieram ao mundo nus, indefesos e sem armas.
Alimentando-se apenas de frutas e carnes sangrentas, cobrindo-se
apenas de folhagens, ignoravam os benefícios do fogo. Tomado de
piedade por sua miséria, Prometeu resolveu dar-lhes o fogo e
ensinar-lhes a arte dos metais, para que pudessem viver melhor,
forjar armas e defender-se das feras.
Prometeu então roubou uma centelha
de fogo de Hefestos (deus do fogo e da metalurgia), enquanto ele
fundia os metais, e a deu como oferenda aos homens. A humanidade
desde então conheceu, com o fogo, a felicidade de viver melhor,
de comer um alimento menos selvagem, de aquecer-se e de receber a
luz. Mas a alegria era tamanha que os homens julgaram-se iguais
aos deuses. Zeus, o deus maior da mitologia grega, não querendo
que os homens ultrapassassem seus limites, resolveu castigar
Prometeu, cujo roubo fora a causa da presunção humana.
Transportou Prometeu para o mais
alto cume do Cáucaso e mandou Hefestos acorrentá-lo e pregá-lo
a um rochedo. Contra sua vontade, o divino ferreiro obedeceu,
passando os anéis de uma inquebrável corrente aos pés e aos braços
do infeliz Prometeu, fixando-os solidamente ao rochedo. Para
piorar a situação, todas as manhãs uma águia vinha comer-lhe
um pedaço do fígado. À noite, o fígado do pobre Prometeu se
refazia, apenas para ser devorado pela águia novamente na manhã
seguinte (veja ilustração abaixo). Esse suplício deveria ter
durado mil anos, mas ao fim de trinta anos Zeus perdoou o culpado.
Quanto aos homens, para castigar sua falta de comedimento no uso
do fogo, Zeus os engoliu sob as ondas do dilúvio.
O mito de Prometeu rendeu uma peça
teatral, a tragédia "Prometeu Acorrentado",
escrita pelo poeta grego Ésquilo (525-456 a.C.),
considerado o pai da tragédia grega. Entretanto, "Prometeu
Desacorrentado", o poema citado por Picard, que Shelley
escreveu mais de dois mil anos depois, embora inspirado em Ésquilo,
em nada lembra uma tragédia grega. É um poema lírico sobre a
perfeição moral do homem. Utilizando elementos do mito de
Prometeu, Shelley defende em seu poema a teoria de que o mal não
é inerente ao homem e não foi criado junto com ele, mas sim um
acidente que pode ser expulso. Shelley acreditava que o mal
desapareceria se a humanidade realmente assim desejasse. Com
certeza, o roteirista do episódio "Skin of Evil" (literalmente,
"Pele do Mal") leu o poema de Shelley, apropriou-se
dessa idéia e levou-a às últimas conseqüências. Ou seja, fez
com que toda uma raça conseguisse livrar-se do mal, depositando
os seus pecados naquela criatura, que depois seria abandonada no
planeta.
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