A Nova Geração
Temporada 1

Análise do episódio por
Salvador Nogueira



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
Premissa interessante se perde pelo
excesso de didatismo e moralismo

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Sinopse:

Data Estelar: desconhecida.

Durante um estudo sobre as mudanças magnéticas sofridas pelo sol do sistema Delos, a Enterprise recebe um pedido de socorro de um cargueiro danificado. Quatro passageiros são resgatados, junto com a carga da nave, mas o cargueiro em si não pôde ser salvo. Dois dos convidados são planeta Ornada, tecnologicamente avançado, e os outros dois, de Brekka. Todos ficam surpresos quando eles começam a disputar a carga.

Os alienígenas contam a Picard que a preciosa carga na verdade é um medicamento para uma praga que já afeta o povo de Ornada por dois séculos. A "cura" é manufaturada exclusivamente em Brekka, que é fornecida aos Ornarianos em troca de alimentos e outras necessidades básicas. Entretanto, no caso específico, os Brekkianos alegam que os Ornarianos não pagaram pela carga e se preparam para levá-la de volta a Brekka. 

Apontando que sua civilização será destruída sem o medicamento, os Ornarianos convencem Picard a mediar a disputa. Entretanto, tudo que o capitão da Enterprise consegue é convencer os Brekkianos a doar duas doses para as necessidades imediatas dos Ornarianos a bordo. Quando a dupla toma o medicamento, a dra. Crusher descobre que a suposta cura nada mais é que um narcótico, e que os Ornarianos sofrem na verdade de síndrome de abstinência causada pelo vício de consumir a droga.

Os Brekkianos sabem disso, mas optaram por não revelar aos Ornarianos que sua "doença" não é fatal e por manter aquele povo dependente da droga. 

Picard, citando a Primeira Diretriz, se recusa a informar aos Ornarianos que os Brekkianos os estão enganando pelos últimos 200 anos. Em vez disso, ele vira a mesa contra os Brekkianos ao desistir de efetuar reparos na única nave cargueira Onariana em operação no sistema. Deste modo, os Ornarianos serão incapazes de honrar seu acordo de comércio e irão, consequentemente, escapar de seu vício.

 

Comentários:

"Symbiosis" parte de uma premissa bastante interessante. Como o próprio nome já diz, o episódio faz uma analogia entre as relações que existem entre organismos biológicos dependentes entre si e as duas civilizações do sistema Delos, Ornara e Brekka. Infelizmente, durante o processo de execução da premissa, a opção acabou sendo por atirar sobre a audiência uma história de tom doutrinário e pouco crítico.

Uma das coisas que mais irrita nos episódios da primeira temporada de A Nova Geração é a forma pela qual os roteiristas tratam os telespectadores --como meros idiotas. A necessidade de afirmar que Jornada nas Estrelas trata de assuntos importantes e contemporâneos parece ter sido entendida como a obrigação de incluir discursos óbvios e moralistas nas falas dos personagens, só para "esclarecer" aos telespectadores qual é o tema do episódio.

O maior exemplo desse tipo de atitude em toda a série se faz sentir aqui, em um diálogo travado entre Wesley Crusher e Tasha Yar na ponte da Enterprise. Nele, o menino se diz intrigado pela atitude de um sujeito de querer se drogar conscientemente, mesmo sabendo o mal que aquilo fará ao seu organismo, somente para que Tasha Yar possa fazer um discurso típico de propaganda barata de combate às drogas.

Essa cena é sintomática, por dois motivos. Em primeiro lugar, pelo referencial de produção (a já citada mania de "explicar" os episódios). Em segundo, e esse ponto até funciona como uma "desculpa" pelo "erro", pelo contexto histórico da produção. Em 1988, quando o episódio foi exibido, os EUA eram governados pelo republicano Ronald Reagan, que instaurou uma verdadeira guerra contra o narcotráfico.

Nesse contexto de combate às drogas, é até natural que uma série como Jornada nas Estrelas tome a iniciativa de tentar esclarecer, de forma contundente, quais são os problemas ligados ao consumo de drogas. Mesmo assim, é correto dizer que, em qualque época, este episódio teria ficado melhor se tivesse evitado esse "didatismo" exagerado.

Se não fosse pelo tom dogmático e acrítico, "Symbiosis" teria tudo para ser um estudo ético e profundo da "simbiose" entre aquelas duas civilizações. Valores humanos à parte, temos de admitir que aquela sociedade dupla funcionava de forma harmoniosa. Por mais que achemos errado que um povo viva às custas de outro graças a um vício induzido, a verdade é que aquele modelo funcionava.

Caso Picard tivesse revelado o segredo aos Ornarianos, como sugeria Beverly Crusher, teria trazido uma tremenda catástrofe para aquele sistema planetário. Assim que os Ornarianos parassem de consumir o felício, a economia de Brekka iria quebrar, levando todos os seus habitantes a uma crise que causaria a morte de milhões deles.

Poderíamos até pensar que trata-se de justiça poética, uma vez que os Brekkianos estavam vivendo às custas do vício Ornariano, mas temos de pensar bem sobre isso: possivelmente a verdadeira natureza do felício fosse desconhecida também entre a maior parte do povo de Brekka. É difícil supor que toda uma civilização conseguiria manter segredo sobre algo tão sério. Se todos os Brekkianos soubessem, os Ornarianos acabariam sabendo.

Com a solução adotada --uma leitura correta e precisa da Primeira Diretriz--, o ciclo de exploração será eventualmente cortado, mas haverá tempo para que os Brekkianos se preparem para viver sem depender dos recursos de Ornara. Será difícil, mas o balanço final para os dois povos acabará sendo melhor que o da solução impulsiva sugerida pela médica da Enterprise.

Aliás, por falar nela, Beverly Crusher foi o grande destaque entre os personagens regulares para esse episódio. Neste episódio temos a chance de conhecer mais o profundo senso moral e ético e a incrível determinação da doutora. Trata-se da única personagem que recebeu tratamento especial nesse episódio. O resto apenas seguiu o fluxo da história, sem participar dela de modo especial.

No fim das contas, mais um enorme potencial desperdiçado. Quando os roteiristas começarem a acertar em cheio, o que ocorrerá somente na segunda temporada, veremos o quão inteligentes tramas de fundo moral podem ser no contexto de Jornada nas Estrelas. Por enquanto, a produção está apenas "calibrando" o equilíbrio entre narrativa e conteúdo. E, tomando "Symbiosis" por base, ainda há muito o que ajustar.

 

Citações:

Riker - "Where will it take us, mr. La Forge?"
("Onde irá nos levar, sr. La Forge?")
La Forge - "The Opraline system."
("Ao sistema Opraline.")
Riker - "An interesting choice. Why?"
("Uma escolha interessante. Por quê?")
La Forge - "Curiosity, I've never been there."
("Curiosidade, nunca estive lá antes.")

Trivia:

Merritt Butrick, que interpretou o filho de Kirk, David Marcus, nos filmes Jornada nas Estrelas II e III, participou deste episódio como o personagem T'Jon. Na ocasião, o ator já apresentava alguns sintomas da Aids, doença que o mataria no ano seguinte, em março de 1989.

Como este episódio foi filmado depois de "Skin of Evil" (mas foi ao ar antes), a verdadeira última cena de Tasha Yar acontece na área de carga da Enterprise. Ao final do episódio pode-se ver Tasha fazendo um sinal de adeus enquanto as portas do corredor se fecham por trás de Picard e Beverly Crusher.

 

Ficha técnica:

História de Robert Lewin
Roteiro de Robert Lewin, Richard Manning e Hans Beimler
Direção de Win Phelps

Exibido em 18/04/1988
Produção: 023

Elenco:

Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Jonathan Frakes como William Thomas Riker
Brent Spiner como Data
LeVar Burton como Geordi La Forge
Michael Dorn como Worf
Gates McFadden como Beverly Crusher
Marina Sirtis como Deanna Troi
Wil Wheaton como Wesley Crusher
Denise Crosby como Natasha "Tasha" Yar

Elenco convidado:

Judson Scott como Sobi
Merritt Butrick como T'Jon
Richard Lineback como Romas
Kimberly Farr como Langor

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