Metamorfose
ambulante
Qual
a influência de Patrick Stewart no declínio de Jornada?
Na
última semana um jornal americano publicou uma entrevista com
Patrick Stewart, na qual nosso capitão afirma que “pendurou o
traje espacial”, sinalizando deste modo que não pretende
protagonizar mais nenhum filme da franquia. Se muitos vêem nesta
declaração um pessimismo quanto à possibilidade de novos filmes
(apesar de algumas fontes sinalizarem que a Paramount ainda não
desistiu dos filmes), eu, de minha parte, acredito que a saída de
Stewart pode ser na verdade uma solução para a franquia.
O que é importante de ser lembrado
é que não só o salário de Stewart estava alto demais para o
padrão da série (cerca de US$ 12 milhões a cada filme), como o
resultado criativo dos últimos três filmes (First Contact,
Insurrection e Nemesis) foi profundamente
influenciado por suas opiniões. O resultado é que o bom
velhinho, Capitão Picard, sofreu uma metamorfose significativa em
suas últimas encarnações.
Mas vamos por partes.
Explorador
"Capitão Julien Picard - Um
homem caucasiano com aproximadamente 50 anos, em boa forma física.
Nascido em Paris, seu sotaque francês apenas pode ser
identificado em momentos de emoções mais fortes. Ele é
definitivamente um romântico e acredita fortemente no sentido de
dever e honra. Sua voz deve ser rica e forte, pois ele é um bom
orador. O capitão Julien comanda a Enterprise”.
Quando A Nova Geração
estava ainda sendo criada, essa foi a descrição do novo capitão
que foi enviada às agências de talentos. Se algumas coisas foram
alteradas no decorrer da produção (a começar pelo nome e pelo
sotaque que surge em momentos inoportunos), muito desta essência
se manteve ao longo da série. E algumas características
adicionais nos foram sendo reveladas, que apenas confirmavam essa
descrição inicial: a paixão pela arqueologia, a qualidade como
diplomata, sua fascinação pelas novelas de Dixon Hill. Tal como
concebido, Picard seria muito diferente de Jim Kirk, e sua concepção
mais semelhante à de Christopher Pike, do episódio-piloto de
1964, “The Cage”.
Ao longo da série, Picard nunca
foi um homem de ação, no sentido físico da expressão. Os
grupos avançados normalmente não eram liderados por ele, exceto
em situações especiais. Sua posição, na ponte de comando, era
a de estrategista, e que grande estrategista ele era! Tanto que
houve momentos em que a Frota privilegiou esta qualidade,
enviando-o para uma arriscada missão em Celtris III (como visto
no episódio “Chain of Command”). Não foram suas
habilidades como soldado que fizeram a Frota indicá-lo para a
missão, mas sim o fato de ser necessário um grande estrategista
para conduzi-la.
Guerreiro?
Em 1994, quando a Enterprise-D
entrou em dobra nas telas de cinema de todo o mundo, o capitão
que ali vimos é exatamente aquele que conhecemos na série. Bom,
talvez não exatamente, já que ele estava sofrendo a morte de seu
irmão e de seu sobrinho. De qualquer modo, Generations nos
mostrou um Picard introspectivo, mas que nem de longe seria
considerado um herói de ação. Sua primeira tentativa de impedir
o plano de Soran de implodir a estrela de Veridian foi, no mínimo,
desastrosa. Talvez o momento mais humilhante do personagem em
todas as suas representações seja quando ficou preso sob uma
pilha de pedras, sob fogo de Soran. Em sua segunda tentativa, saído
do Nexus, contou com a ajuda de Jim Kirk para finalmente conseguir
evitar a destruição da estrela.
Tudo mudou no filme seguinte, e por
uma sugestão de Stewart: nas versões iniciais do roteiro de First
Contact, seria Riker quem ficaria na Enterprise lutando contra
os Borgs, enquanto Picard ajudava Zeffran Cochrane e sua Phoenix.
Já imaginaram, como arqueólogo amador, se ele estivesse no lugar
de Riker na Phoenix quando de seu vôo histórico? Ao ler o
roteiro, porém, Stewart disse aos roteiristas que seria mais
interessante ver Picard enfrentado os Borgs, uma vez que o capitão
já sofrera em suas mãos. E esta, com certeza, foi uma sugestão
acertada: forçar Picard a enfrentar seu passado é uma ótima opção
para o personagem. Os roteiristas aceitaram a idéia, e First
Contact se tornou um sucesso assombroso.
Com isto, Stewart se sentiu com
direito de participar mais ativamente da concepção da trama do
filme seguinte, Insurrection, ganhando inclusive um crédito
como produtor. E sua influência nos trouxe novamente a versão
“Bruce Willis” do capitão. Picard desiste de sua nave e de
sua carreira por conta de uma mulher (?) e resolve sozinho que irá
lutar pela sobrevivência dos companheiros da mulher que ama. O
grande contra-senso, aqui, é que em toda a sua carreira Picard
jamais deixou uma mulher interferir com seus planos. Estaria nosso
capitão em crise de meia-idade? Agora, imaginem se no filme Riker
e Cia ficassem no planeta, enquanto Picard voltava à terra para
enfrentar a corrupção da Frota? Esse seria um filme que eu
gostaria de ver.
Em Nemesis, Stewart contou
com Brent Spiner para moldar a trama. E, se desta vez não vemos
um Picard “Bruce Willis” em todo o filme, mas algumas
passagens foram feitas por encomenda para o ator. A infame seqüência
com o Argos é uma delas, criada apenas pelo fato de o ator gostar
deste tipo de veículo. Outra é a fuga da Scimitar, onde o capitão
enfrenta, sozinho, um pelotão de Remans fortemente armados, e os
derrota.
Futuro
Stewart é um dos responsáveis
pelo fracasso dos filmes no cinema. Quanto a isso, não me restam
dúvidas. Aliado à visão dos produtores de que ótimas seqüências
de ação atraem o público, Stewart usou sua influência para
moldar o personagem ao seu gosto, ignorando muitos pontos pré-estabelecidos
na televisão. Picard usou mais armas apenas nos últimos três
filmes do que Kirk em sete. A Enterprise-E disparou mais tiros em
dois filmes do que a Enterprise original e a Enterprise-A, juntas,
em seus filmes. Houve uma corrupção no conceito sobre o que é Jornada
nas Estrelas, e é triste notar que muitos fãs não percebem
isso.
Quanto a um futuro sem Stewart,
estou otimista. Talvez um filme com uma nave comandada por Riker,
escrito por um bom roteirista e sem a interferência de nenhum
ator, possa nos trazer um sucesso. O jeito é ficarmos na torcida.
Fernando
Rodrigues da Silva é co-editor do Trek Brasilis e
promete, se eleito, convencer Patrick Stewart a devolver o
dinheiro que ganhou em Nemesis.
|