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Corações solitários do Cosmos

Recentemente, em uma conversa com alguns amigos, levantamos algumas questões sobre o fracasso de Nêmesis nas bilheterias mundiais. E nesta conversa, alguém acabou comentando o fato de que o casamento entre Riker e Troi teria funcionado muito melhor se ocorresse ao final do filme, e não em sua abertura. Afinal, o romance dos dois nunca foi plenamente desenvolvido, com exceção do excelente livro “Imzadi”, de Peter David – que não é considerado parte canônica da cronologia.

O fato é que, até o surgimento de Deep Space Nine e Voyager, os produtores nunca haviam se preocupado em desenvolver plenamente um relacionamento afetivo entre seus personagens. Na década de sessenta, em sintonia com a época, Kirk nunca chegou a se envolver seriamente com alguém. Seus relacionamentos eram mais concentrados em conquistas semanais e meramente físicas. Sua única grande paixão ao longo da Série Clássica – com exceção, é claro, da Enterprise – foi com Edith Keeler, do episódio “The City on the Edge of Forever”. Com o lançamento de A Nova Geração, com um capitão mais sisudo e em tempos mais politicamente corretos, essa faceta altamente sexual foi deixada de lado.

No episódio piloto da série, “Encounter at Farpoint”, gene Roddeberry estabeleceu dois relacionamentos que poderiam render frutos no futuro. O primeiro era entre Picard e a viúva de um velho amigo, Beverly Crusher. Dizem as más línguas que tal relacionamento nunca foi levado às “vias de fato” porque Rick Berman não se sentia confortável em retratar um “romance geriátrico”. Verdade ou não, o fato é que ao fim de tudo ambos sempre acabaram retratados como dois grandes amigos.
O segundo relacionamento era, justamente, o de Riker e Troi. No episódio piloto, ficamos sabendo que no passado do casal havia uma intensa paixão, deixada de lado pelo desejo de Riker em priorizar sua carreira. Com os dois servindo na mesma nave, seria apenas uma questão de tempo para tais sentimentos voltarem a se manifestar.

Seria? A verdade é que A Nova Geração nunca priorizou esse tipo de relacionamento entre seus personagens. Vejo duas razões principais para isso acontecer. Primeiro, se os roteiristas criassem um romance entre os personagens, surgiria também a necessidade de existirem conflitos entre eles – algo crucial para dar credibilidade ao romance – o que era proibido pelas regras estipuladas por Roddenberry. Segundo, acredito que Berman tivesse um certo receio de alienar parte do público, em sua maior parte jovens do sexo masculino, entre 18 e 30 anos de idade, mais ansiosos por grandes cenas de batalha.

O que restou aos roteiristas, então, foram as paixões fulminantes de um episódio só. É incrível como os membros da Frota Estelar tem uma tendência a forte paixões de primeira vista! Todos os personagens acabaram tendo algum tipo de episódio com este foco. Quem não se lembra de Picard e Vash (“Captain’s Holiday”, “Qpid”), Data e Tasha (“The Naked Now”), Data e Jenna D'Sora (“In Theory”), Riker e Soren (“The Outcast”), Tri e Devinoni Ral (“The Price”)... e isso apenas para citar alguns casos. A exceção aqui e LaForge, que acabou sendo conhecido como o eterno rejeitado da equipe.

Claro que, como seres humanos, é normal os personagens apaixonarem-se por algum motivo. Porém, mais normal ainda seria o surgimento de relacionamentos em um ambiente confinado e com um relacionamento profissional tão próximo. Essa talvez seja uma das grandes oportunidades perdidas de A Nova Geração, algo que foi corrigido em Voyager (Paris e B’Elanna) e Deep Space Nine (Kira & Odo, Worf & Jadzia, Ezri & Bashir, Sisko & Kassidy, entre outros). Isso faz com que A Nova Geração seja a série menos romântica de Jornada. O curioso é que mesmo assim o público acabou encontrando meios de desenvolver teorias a respeito de possíveis relacionamentos entre os personagens – é impressionante o número de fan-fictions dedicadas a consumação do romance entre Picard e Crusher e entre Riker e Troi.

Decisões da produção à parte, o fato é que o formato adotado pela série, focado em episódios fechados e nenhuma intenção em se criar arcos de histórias, impedia que um romance entre os personagens fosse desenvolvido. É curioso notar que a série mais assistida no momento nos Estados Unidos, C.S.I., esteja criando o mesmo movimento entre seus fãs. Tal como A Nova Geração, esta série é focada em episódios fechados e nenhuma intenção em se criar arcos de histórias, e do mesmo modo os fãs ficam buscando pequenas pistas de que um relacionamento pode surgir entre os membros da equipe.

Romance é uma parte importante do ser humano. Quem nunca teve um coração partido? Com a falta de relacionamentos sérios para os personagens, A Nova Geração acabou estigmatizada para alguns como uma série muito fria, com personagens “pouco humanos”. Isso, é claro, não é exatamente verdade. Os personagens tiveram oportunidades de demonstrar esta faceta. Porém, um certo descaso dos roteiristas com fatores determinados no episódio piloto (o relacionamento de Riker e Troi) acabou por comprometer o que poderia ser um evento importante no último filme de A Nova Geração. Da forma como foi executado, a união do casal pareceu jogada, presente apenas para agradar aos fãs. Nada ao longo da série televisiva justifica uma decisão tão súbita. Nêmesis poderia ter sido um filme melhor se a cena do casamento estivesse em seu final, e a decisão do casal surgisse, por exemplo, de uma situação de vida-ou-morte envolvendo um deles ou ambos.

De qualquer modo, apesar de todas as suas qualidades e sucesso a série, afinal, acabou sendo uma jornada de corações solitários através do cosmos. E isto, com certeza, foi uma oportunidade perdida. Seja enfocando a solidão de sua missão (o que inclusive, justificaria as paixões fulminantes), seja apostando em um relacionamento para os personagens, com certeza A Nova Geração poderia, ao invés de uma ótima série, ter se tornado uma obra-prima.

Fernando Rodrigues é Co-Editor do Trek Brasilis e recentemente descobriu que existe amor à primeira vista