Acordes
perdidos
A
Nova Geração foi uma série excepcional. Provou que a
franquia de Jornada nas Estrelas podia ter uma nova vida na
telinha, determinou novos padrões de efeitos especiais, alcançou
índices de audiência inimagináveis, foi premiada diversas vezes
por seu apuro técnico na produção. E possuía uma fantástica
trilha sonora. Certo?
Errado.
Um dos mais notórios pontos baixos da série foi justamente a
ausência de uma trilha sonora grandiosa em seus episódios.
Músicas com vida própria, acentuando as cenas mostradas,
cativando a imaginação do espectador. Isso nunca foi um padrão
para a Nova Geração. E o que muitos poucos sabem é que a
culpa, afinal, não é de seus compositores.
A responsabilidade sobre a música dos episódios está com os
produtores, que dizem aos compositores o que não escrever,
supervisionam cada nota gravada, e mixam a música sob efeitos
sonoros pesados. Sob todos os efeitos, compositores como Dennis
McCarthy e Jay Chattaway entregam exatamente o que os produtores
lhes pedem: músicas que apenas sublinham a ação, e que não a
enaltecem.
Quando
a produção de A Nova Geração teve início, o gosto
musical de Rick Berman foi contestado por Bob Justman, um veterano
da Série Clássica que preferia músicas grandiosas e
audaciosas, que foi o que, na época, McCarthy e Ron Jones
produziram. Quando Justman deixou a série ao final de sua
primeira temporada, Berman ficou livre para instituir sua
abordagem. O veterano compositor McCarthy acatou a decisão
superior: não usar mais o tema de Picard, não usar percussão
eletrônica na ponte, não ser excessivamente melódico. O novato
Ron Jones, porém, que estava constantemente acima do orçamento e
criava problemas nos bastidores, ignorou tais ordens. Com o
andamento da série, o trabalho de McCarthy se tornou mais e mais
subliminar, enquanto Jones compunha trilhas dinâmicas para os
episódios mais memoráveis, como "The Best of Both Worlds".
McCarthy, capaz de apenas esporadicamente produzir trilhas
bombásticas como "Yesterday's Enterprise",
acabou recebendo uma crescente carga de críticas dos fãs que
não entendiam que ele não era incapaz de compor como Jones, mas
sim que ele simplesmente fazia o que lhe era mandado.
A
paciência dos produtores com Jones (esq.) eventualmente chegou ao
fim, e após seu trabalho para o episódio "The Drumhead",
da quarta temporada, seus serviços não mais foram solicitados.
Para aumentar ainda mais a confusão, poucos conseguem explicar
por que as trilhas da série foram compostas e gravadas com uma
orquestra de 40 pessoas, se toda a trilha acaba sendo subliminar.
Muitos compositores contestam esse "luxo", uma vez que,
para o tipo de trilha composta, um sintetizador faria trabalho
similar por um custo muito menor.
Outros compositores acabaram sendo contratados, mas alguns não
conseguiram se adequar ao estilo exigido pelos produtores. Don
Davies, veterano compositor da série "A Bela e a Fera",
foi o responsável pela melódica trilha do episódio "Face
of the Enemy", da sexta temporada. Os produtores não
gostaram de muitas das qualidades melódicas e bombásticas
presentes em sua trilha, e Davies acabou "canibalizando"
sua música. Foi sua primeira e única participação na série.
Não
causa supresa, então, o fato de McCarthy ter se tornado o
compositor mais freqüente da série, tendo sido responsável pela
trilha de mais da metade dos episódios. Sua cooperação acabou
garantindo-lhe a responsabilidade de compor a trilha do primeiro
filme da Nova Geração, "Generations",
uma trilha extensamente criticada justamente por ser uma versão
expandida das trilhas dos episódios de TV.
"Este é um show que celebra o espírito humano, e para fazer
isso de modo efetivo, quando se está em um grande planeta com
rochas de papelão, você precisa de uma grande trilha musical
para vender a idéia. Ter uma grande nave viajando pela galáxia,
e não permitir que a música possua nenhuma humanidade é
loucura!", critica Ford Thaxton, produtor musical da GNP/Crescendo
Records. "Estes caras tiveram uma experiência ruim em um
concerto de Vivaldi quando eram pequenos, ou o quê?"
As críticas à trilha sonora continuaram existindo ao longo da
série, e também foram ouvidas durante a produção de Deep
Space Nine e Voyager. Alguém pode perguntar, "e
porque ninguém na produção fez um esforço para melhorar este
aspecto da série?" Fred Mollin, experiente compositor de
trilhas para televisão, responde: "É difícil vender um
argumento como esse quando uma série está tendo altos índices
de audiência como a Nova Geração teve". Em outras
palavras: no que se refere à música, Rick Berman só dá ouvidos
mesmo a si mesmo. Assim como em todo o restante da franquia.
Fernando
Rodrigues é editor do boletim Base News e escreve regularmente
sobre a Nova Geração para o Trek Brasilis
|