Por Fernando
Penteriche
Em 1972, três anos após
a Série Clássica de Jornada ter sido cancelada, a
emissora de televisão NBC estava considerando lançar uma nova série
do franchise, devido ao grande sucesso que a série original estava
fazendo com suas reprises. Porém, de acordo com os cálculos da
Paramount, seria necessário desembolsar cerca de US$ 750 mil para
reconstruir os sets de filmagem, refazer os figurinos e o resto das
bugigangas (feisers, tricorders etc.).
Como os gastos de produção seriam proibitivos, acabou surgindo a
idéia de criar uma versão econômica do seriado, no formato de
desenho animado. De todos os produtores de animação que
conversaram com Gene Roddenberry, Lou Scheimer e Norm Prescott, da
empresa Filmation Associates, foram os que finalmente o convenceram
para dar o pontapé inicial no projeto.
A
razão que fez Roddenberry optar pela Filmation foi porque a empresa
foi a primeira que garantiu que poderia fazer uma série animada
exatamente nos padrões da Série Clássica, sem a adição
de figuras características dos desenhos que eram exibidos nas manhãs
de sábado nos EUA, como animais falantes bonitinhos ou crianças
espertinhas.
Roddenberry escolheu a sua antiga secretária e roteirista de
diversos episódios da Série Clássica, Dorothy (D.C.)
Fontana, como produtora associada e editora de roteiros. Ela acabou
por trazer vários escritores de episódios da série original de
volta, incluindo David Gerrold ("The Trouble with Tribbles"),
Margaret Armen ("The Paradise Syndrome"), Samuel
Peeples ("Where No Mas Has Gone Before") e Stephen
Kandel (autor de "Mudd's Women" e "I, Mudd",
que acabou fazendo mais um episódio para o personagem na nova série
animada: "Mudd's Passion").
As dificuldades de reunir o elenco original para as gravações das
vozes na nova série trouxeram alguns problemas técnicos. O saudoso
DeForest Kelley reclamou na época que como em muitos episódios os
atores gravavam suas participações em diferentes datas e em
diferentes estúdios, atrapalhava muito a interação entre os
personagens.
Do elenco original, todos estavam de volta, menos Walter Koenig (Chekov).
Mas mesmo sem seu personagem, Koenig contribuiu para a série,
escrevendo um dos episódios, intitulado "The
Infinite Vulcan". Majel Barret (enfermeira Chapel) e James
Doohan (Scotty), além de seus personagens, ainda dublaram diversos
alienígenas. O motivo para atores em mais de um papel e a ausência
de Walter Koenig foi a falta de verba, pois para ter todos os atores
originais envolvidos nas dublagens, os desenhos tornaram-se a série
de animação mais cara da época. A falta de dinheiro pôde ser
sentida também na animação propriamente dita. Enquanto desenhos
de 24 minutos ao estilo Disney requeriam mais de dezessete mil
desenhos individuais, a Filmation criou para cada episódio de Jornada
cerca de cinco a seis mil desenhos individuais. Rostos, poses e sequências
de animação com membros da tripulação andando ou correndo foram
extensivamente
reutilizados episódio após episódio para conter despesas,
resultando em cenas repetitivas e exaustivas de se assistir.
Através
de animação seria muito mais fácil incluir tripulantes alienígenas
bem esquisitos. Um exemplo é o novo navegador da Enterprise,
tenente Arex, um humanóide de três braços e três pernas dublado
por James Doohan.
A equipe de animação fez a ponte da Enterprise idêntica à da Série
Clássica, exceto por ter mais um turboelevador, que nunca havia
aparecido antes. Os demais compartimentos da nave, como sala de
teletransporte e corredores, também seguiram fielmente o que foi
mostrado na série original.
Tudo estava no lugar. Vozes corretas, cenários fieis, a confiável
Enterprise em sua missão de cinco anos e mais algumas boas
surpresas. E em 8 de setembro de 1973, exatamente sete anos após a
estréia da série original na TV americana, "Jornada nas
Estrelas - A Série Animada" debutava na telinha, em um sábado
de manhã, às 09h30, um horário voltado exclusivamente para crianças.
Devido à qualidade dos desenhos animados da época, muitos críticos
louvaram a série. O "Los Angeles Times" disse algo como
"a série animada de Jornada nas Estrelas é um Mercedes
em uma corrida com carrinhos de rolemã". O "Washington
Post" achou "fascinante", porém se perguntava se os
roteiros não eram elevados demais para o público alvo, as crianças,
e a revista especializada em ficção-científica "Cinefantastique"
deu a entender que via a série como "um drama com interesses
humanos, justamente o que faz as séries com atores de carne-e-osso
serem tão interessantes às vezes". A revista ainda disse que
as crianças achariam a série "terrivelmente enfadonha".
Porém, embora a intenção de todos fosse a melhor possível, a crítica
reconhecesse o bom trabalho, e o programa ainda tivesse ganho o Prêmio
Emmy de melhor série para crianças, essa versão de Jornada
acabou sendo a mais curta da história do franchise, com apenas duas
temporadas (1973-1974) e 22 episódios.
Uma ponte entre as séries
A série animada de Jornada foi uma verdadeira ponte entre a
série original e os futuros filmes e séries do franchise. Muitos
elementos futuros foram introduzidos através dos desenhos. O
holodeck apareceu em "The Pratical Joker", o
primeiro tripulante nativo-americano (como Chakotay, de Voyager)
foi visto em "How Sharper Than a Serpent's Tooth",
o T de James T. Kirk foi revelado como sendo "Tiberius" em
"Bem".
A
ponte da Enterprise na Série Clássica tinha apenas uma saída,
mas na série de desenhos tinha duas, algo que foi utilizado a
partir do primeiro filme de cinema até hoje em dia nas pontes de
comando das naves da Federação.
Outro fato marcante foi não apenas a menção, como a participação
de Robert April em um episódio. April foi o primeiro capitão da
Enteprise, antes mesmo de Cristopher Pike.
"Uma voz, muitas faces..."
Como você já sabe, todos os personagens principais participaram da
Série Animada, exceto Chekov. E além dos principais, alguns
velhos conhecidos da série original também deram as caras. São
eles: Sarek, Mudd, os Klingons Kor, Koloth e Korax, o chefe de
transporte Kyle, Amanda Grayson (mãe de Spock) e Robert Wesley ("The
Ultimate Computer").
A grande maioria foi dublada por James Doohan. David Gerrold (o
escritor de todos os episódios com os Tribbles) dublou o Klingon
Korax e Majel Barrett (enfermeira Chapel) dublou Amanda Grayson.
Mark Lenard voltou a ser Sarek (pelo menos na voz) e Harry Mudd foi
dublado pelo próprio ator que o interpretou na série original,
Roger C. Carmel.
James Doohan trabalhou duro nesta série. Dublou nada menos do que
57 personagens diferentes, incluindo o próprio Scotty e o
personagem semi-regular tenente Arex. Em dois episódios diferentes,
ele fez a voz de nada menos do que sete personagens! Foi em "Yesteryear"
e em "The Ambergris Element". Depois de Doohan, a
lista prossegue com Majel Barrett (17 personagens), Nichelle Nichols
(14 personagens), George Takei (7 personagens) e o escritor David
Gerrold (3 personagens). Quanta economia!!!
Já que a animação permitia muitos personagens novos, por que não
preencher a Enterprise de veículos auxiliares para todas as ocasiões?
Além da nave auxiliar Galileo, havia também naves auxiliares para
todas as ocasiões, incluindo uma aquática ("Aquashuttle").
Vale ou não vale?
A Série Animada é canônica, ou seja, ela pode ser
considerada como parte de Jornada para efeitos de cronologia? Os
autores do livro Star Trek Cronology, Michael e Denise Okuda,
dizem que não. No livro, que é sem dúvida a melhor fonte de
informações cronológicas oficiais de Jornada, a série de
desenhos não é considerada, apenas com uma exceção, o episódio "Yesteryear".
Ele foi utilizado para determinar o ano de nascimento de Spock, já
que conta uma passagem da infância do Vulcano. Okuda diz que, como
não havia mais nenhuma fonte de confiança, ele optou por utilizar
as informações de "Yesteryear", tornando algumas
de suas referências canônicas.
Na introdução de seu livro, Michael Okuda tenta explicar: "O
show é considerado controverso no que diz respeito a ser
considerado oficial ou não para fins cronológicos. Argumentos
convincentes existem de ambos os lados, especialmente se levarmos em
consideração que Gene Roddenberry e D.C. Fontana estavam
ativamente envolvidos no planejamento e na produção. Por outro
lado, algum tempo depois do final da série, Gene acabou expressando
arrependimento sobre algumas coisas que aconteceram na série
animada, e instruiu a Paramount a não considerar os episódios como
parte do universo oficial de Jornada nas Estrelas."
E os Okudas não incluíram os desenhos em seu livro, excetuando-se "Yesteryear",
por falta de opção.
Quais seriam os fatores que levaram Gene a desconsiderar a Série
Animada na cronologia de Jornada?
Curt Danhauser, um dos maiores conhecedores desta série, tem uma
opinião:
"Eu acredito que três episódios em particular foram os
responsáveis pela série animada ter sido considerada "não-canônica".
Um deles é "The Slaver Weapon", um excelente episódio,
mas que conta com a participação de personagens de outro universo
que não é de Jornada. É um universo criado pelo escritor
deste episódio, Larry Niven, conhecido como "Larry Niven's
Known Universe". Roddenberry não gostou nada de ver raças e
tecnologias de outro autor entrando em sua obra.
"O outro episódio é "The Terratian Incident",
outra boa história, porém a idéia de ter toda a tripulação
miniaturizada é muito ridícula e não-científica para tornar esse
episódio "canônico".
"E por fim, "The Infinite Vulcan" apresentou
clones gigantes sem nenhuma explicação plausível no episódio.
Estes estranhos conceitos dificilmente seriam aceitos em uma série
com atores de carne e osso, e é provável que o desejo de Gene
Roddenberry fosse que Jornada nas Estrelas fosse lembrado
pelos produtores de Hollywood como um show sério, e não como um
desenho (às vezes) bobinho demais até para crianças.
"Mas na minha opinião, esse pensamento de Gene não deve
impedir que os fãs abracem a Série Animada, e desfrutem dos
episódios."
Se for por falta de qualidade, o que dizer do filme para cinema "Jornada
nas Estrelas V", do 1º ano da Nova Geração, de Voyager
e principalmente do 3º ano da Série Clássica? Nenhum
destes deve ser considerado canônico então?
Roddenberry
se arrependeu dos roteiros que aprovou no passado, com clones
gigantes, estrelas pretas em espaço branco e coisas do gênero. Mas
por mais que seja o criador de Jornada (e muitas pessoas o
ajudaram a fazer Jornada, a parcela de Gene não é tão
grande assim), ele tem o direito de renegar uma parte importante do
franchise? Afinal, muitos elementos saídos dela perduram até hoje,
e inclusive existem episódios das novas séries que fazem menções
a muitos dos desenhos.
Vejamos um interessante exemplo: em um episódio do 7º ano de Deep
Space Nine, "Once More Unto the Breach", o
Klingon Kor mencionou ter servido a bordo de uma nave de batalha
Klingon de nome Klothos. Kor comandou a Klothos no episódio da Série
Animada "The Time Trap". Temos também citações a
fatos ocorridos nos desenhos em episódios como "Displaced"
de Voyager, "Tears of the Prophets" e "Change
of Heart", de Deep Space Nine. E claro, a tecnologia
do holodeck, já citada neste texto, que foi introduzida em um episódio
de 1974 da Série Animada.
São fatos, e fatos são incontestáveis. No meu pensamento a Série
Animada deve ser considerada canônica, a despeito do que
Roddenberry queria.
Curiosidades
Para terminar, aqui estão algumas curiosidades da Série Animada.
Infelizmente não há previsão de tão cedo vermos esse pedaço da
história de Jornada em nossa TV. Nem nos Estados Unidos a série
está sendo exibida. Hoje em dia, a única forma de assistirmos aos
desenhos é através de fitas que a Paramount lançou, ou através
de laserdiscs...
Quem tiver a oportunidade, não deixe passar em branco, pois valerá
a pena, nem que seja para relembrar a época em que tudo o que
existia da saga de Jornada nas Estrelas eram os 79 episódios
"live-action" e seus 22 filhotes animados.
Você sabia que:
Quando
os tripulantes da Enterprise desciam em um planeta que não suporta
vida humana, muitas vezes eram utilizados "cintos de suporte de
vida". O motivo desse novo aparato era que, devido à falta de
verba, ao invés de se fazer um novo desenho com Kirk e cia. andando
com roupas especiais, era mais fácil reutilizar sequências de episódios
anteriores, e adicionar à celula um
pequeno desenho de um cinto.
As insígnas dos uniformes eram maiores do que as dos uniformes da série
original, pois ficava mais fácil para os desenhistas trabalharem.
No episódio "The Survivor", McCoy refere-se à sua
filha, Joanna. Na série original, existia um roteiro escrito por
D.C. Fontana para um episódio chamado "Joanna". O
roteiro, claro, nunca foi filmado. Joanna apareceria como uma hippie
espacial. A história acabaria sendo adaptada para formar o episódio
"The Way to Eden".
As seguintes raças alienígenas foram vistas na Série Animada:
Klingons - "More Tribbles, More Troubles", "The
Time Trap"
Romulanos - "The Survivor", "The Practical Joker"
Phylosianos - "The Infinite Vulcan"
Kzinti - "The Slaver Weapon"
Orions - "The Pirates of Orion"
Dramans - "Albatross"
Kukulkan - "How Sharper Than a Serpent's Tooth"
Arretians - "The Counter-Clock Incident"
Chegou a ser cogitada uma versão mais infantil para a série, mas não
foi aceita. Alguns esboços foram feitos, como este abaixo:
Por volta de 1990, a Paramount tentou vender a idéia de uma série
animada com os personagens da Nova Geração, mas nenhuma
emissora se interessou. Foram até feitas algumas células para a
animação, e quem chegou a ver disse que os desenhos tinham muito
boa qualidade. Perguntado sobre a possibilidade de um dia termos
desenhos da Nova Geração, Rick Berman disse que não, pois
"diluiria o franchise".
Além
do tenente Arex, foi criado outro personagem bem diferente para
fazer parte da tripulação da Enterprise. Era a também tenente M'Ress,
uma "felinóide". Em "Jornada nas Estrelas
IV", na cena do julgamento de Kirk, podemos ver alguns
seres "felinóides". Eles são da mesma raça que M'Ress,
segundo o pessoal da maquiagem de Jornada IV, e foram criados
como uma homenagem à Série Animada.
Apenas três atores convidados da Série Clássica repetiram
suas interpretações na Série Animada: Mark Lenard, como a voz de
Sarek em "Yesteryear", Roger C. Carmel, como a voz
de Harry Mudd em "Mudd's Passion" e Stanley Adams,
como a voz de Cyrano Jones em "More Tribbles, More Troubles".
O episódio "Beyond the Farthest Star" não pôde
ser exibido em Los Angeles no dia da estréia da série, em 8 de
setembro de 73, pois como George Takei estava fazendo campanha
eleitoral no Estado da Califórnia, nem sua imagem e nem sua voz
poderiam aparecer na televisão durante este período naquele
Estado.
Os seguintes episódios abaixo são derivados da série original:
- "Once Upon a Planet", sequência de "Shore
Leave";
- "Yesteryear", derivado de "The City on
the Edge of Forever". Também pode ser relacionado ao episódio
"Journey of Babel";
- "Mudd's Passion", sequência de "I, Mudd";
- "More Tribbles, More Troubles", derivado de "The
Trouble With Tribbles".
Na numeração de produção da Paramount, a Série Animada
tem 23 episódios, e o nº 12 está faltando, sendo compensado ao
final, pois são apenas 22 episódios. Não há registro de nenhum
episódio "secreto" perdido por aí...