A exuberante presença da Lua no céu representou mais do que
inspiração farta e barata para os apaixonados ao longo da história.
Com igual ou maior intensidade, ela despertou os sonhos de
aventureiros, artistas e cientistas. O único objeto no firmamento
(excetuando-se o Sol) a se apresentar como um disco a olho nu, nosso
satélite desde sempre ofereceu o aspecto de um outro mundo, além deste
e ainda assim perto o bastante para ser alcançado.
No século II, um escritor residente em Atenas, então sob o domínio
do Império Romano, ousou narrar uma jornada até a Lua. No livro “Verae
historiae” (Histórias verdadeiras), Luciano de Samósata nos conta de
uma fortíssima tempestade oceânica que acaba por arremessar um navio,
com seus 50 homens, numa jornada de sete dias até a superfície lunar
-descrita então como uma grande ilha iluminada e circular. Lá, os
bravos aventureiros acabam envolvidos num conflito entre os habitantes
da Lua e os do Sol. Após o estabelecimento de uma trégua, os
navegantes retornam à Terra.
A intenção de Luciano era produzir uma paródia fantasiosa, uma
crítica aos costumes e ao seu ambiente local. Mas nada que levasse a
crer que uma viagem até a Lua fosse possível, ou mesmo que alguma das
descrições a ela atribuída fosse verdadeira. Apesar disso, a história
deu a outro pensador, 15 séculos depois, subsídios para produzir uma
obra com enfoque diferente.
Inebriado com as novidades copernicanas, o jovem Johannes Kepler
decidiu usar uma dissertação durante a graduação na Universidade
Tübingen para responder a uma pergunta incômoda à velha tradição
geocêntrica: De que forma os fenômenos celestes, tais como descritos
por Copérnico, seriam apreendidos por um observador posicionado na
superfície da Lua? O ano era 1593, e Kepler então tinha apenas
entusiasmo, espírito indômito, talento matemático fora do comum e 22
anos. Numa época em que as idéias heliocêntricas eram perseguidas em
toda parte, a apresentação do trabalho não foi autorizada.
Desapontado, ele guardou seu manuscrito e decidiu esperar por um
momento mais oportuno.
O primeiro passo para buscar a futura publicação do material foi
tentar camuflá-lo sob uma roupagem “clássica”. Uma história de ficção,
com tom fantasioso e mitológico, talvez tornasse suas idéias mais
palatáveis aos aristotélicos e, ao mesmo tempo, escondesse a real
seriedade dos assuntos tratados. Foi com muita satisfação que Kepler
encontrou, nos escritos de Luciano e num relato de Plutarco, as
“justificativas” para produzir uma lendária jornada lunar e reviver
seu trabalho universitário. A obra ganhou estímulo ainda maior quando,
em 1610, Galileu Galilei publicou os primeiros resultados obtidos com
o uso do telescópio em observações astronômicas. Em “Sidereus nuncius”
(Mensageiro estelar), o italiano apresenta de uma tacada só a
descoberta de quatro luas que giravam em torno de Júpiter, incontáveis
estrelas invisíveis a olho nu e, o mais importante para Kepler, a
constatação de que a Lua não é uma esfera perfeita, mas sim salpicada
de montanhas e crateras.
Tão forte foi a pancada no modelo geocêntrico e aristotélico que o
alemão se sentiu confiante a ponto de iniciar os preparativos para a
publicação de seu manuscrito, agora já no formato de ficção. O
“Somnium” (Sonho) foi distribuído em quantidade limitada a alguns
colegas, para apreciação -Kepler queria saber como o material seria
recebido. O pequeno livro narrava a aventura de Duracotus, um rapaz
que é expulso de casa por Fiolxhilde, sua mãe, e vaga pelo mundo até
conseguir um trabalho sob a tutela do astrônomo dinamarquês Tycho
Brahe. Após cinco anos de observações com Tycho, Duracotus decide
voltar para casa. Encontra sua mãe feliz por revê-lo e conta a ela
tudo o que aprendeu sobre a Lua e os corpos celestes. Fiolxhilde então
revela que já sabia de tudo isso e muito mais, instruída por um ente
benigno, o “demônio da Lavania” -ninguém menos que o espírito da Lua.
Ela diz que a criatura tem o poder de transportá-los até a superfície
lunar, oferta que se torna irrecusável para Duracotus. Levados em uma
jornada de quatro horas, Duracotus e Fiolxhilde são recebidos pelo
“demônio” na Lua e então instruídos sobre a astronomia e a biologia
lunares, conforme o intuito de Kepler em seu manuscrito original.
Apesar de lembrar em muitos aspectos, intencionalmente, as
fantasias de Luciano, o “Somnium” se destaca pela concepção
primordialmente científica, não-metafórica. A idéia era realmente
falar sobre uma potencial viagem à Lua e especular sobre o ambiente
daquele mundo, com base no conhecimento disponível. Em detrimento
disso, alguns inimigos preferiram enxergar uma outra “realidade” no
manuscrito de Kepler. Em 1611, após cair em mãos erradas, a obra foi
interpretada como um relato autobiográfico e usada como evidência de
que sua mãe, Katherine, praticava bruxaria.
“Kepler estava bem ciente da seriedade das acusações e colocou tudo
o mais de lado para trabalhar pela exoneração de Katherine. Uma longa,
tediosa e custosa batalha legal se seguiu: apenas depois de cinco
anos, parte dos quais sua mãe teria passado na prisão, a velha senhora
foi libertada; mas o dano já havia sido feito. Katherine Kepler morreu
em abril de 1622 por causas diretamente ligadas aos rigores de seu
aprisionamento; seu filho foi capaz de fazer poucos trabalhos
significativos enquanto tentava obter a libertação da mãe; e a
publicação do ‘Somnium’, ao menos para o momento, estava fora de
questão”, escreveu o historiador Gale Christianson.
O astrônomo passou a década seguinte escrevendo notas sobre seu
manuscrito, incluindo a ciência que havia ficado de fora da narrativa
ficcional. Em 1630, o trabalho estava praticamente pronto para ser
publicado. Depois da morte de Katherine, nada mais poderia desmotivar
o cientista a divulgar o material -exceto sua própria morte, que se
deu subitamente em novembro daquele ano. O ‘Somnium’ só veio a público
de forma definitiva em 1634, graças ao esforço de um dos filhos de
Kepler, Ludwig. Apesar disso, seu lugar ficou marcado na história como
uma das narrativas pioneiras no gênero da ficção científica e a
primeira especulação séria sobre uma viagem lunar.
Outros seguiram seus passos. Em meados do século XVII, o francês
Cyrano de Bergerac (1619-1655) escreveu sua “Voyage dans la Lune &
Histoire comique des états et empires du Soleil”. Na obra, ele segue a
tradição satírica de Luciano e apresenta viagens lunares como
metáforas.
As narrativas posteriores começam a se tornar mais e mais técnicas,
a ponto de, em 1827, o escritor norte-americano George Tucker (sob o
pseudônimo Joseph Atterley) descrever a necessidade de “atravessar um
vazio sem ar” durante a jornada até a Lua, em seu “A Voyage to the
Moon”. Não foi muito depois disso que o francês Júlio Verne produziu o
maior ícone da ficção científica ligado a viagens lunares: “De la
Terre à la Lune”.
Tido até hoje como o “pai” da ficção científica moderna, Verne
descreveu várias revoluções tecnológicas do século XX com décadas de
antecipação. Submarinos, balões e viagens ao centro da Terra figuram
entre os temas, sempre com um enfoque de aventura “científica”. Mas,
de todas essas histórias, é difícil encontrar maior lampejo
premonitório do que em “Da Terra à Lua” e sua continuação, “Ao redor
da Lua”.
Publicadas respectivamente em 1865 e 1870, descrevem com exatidão
diversos traços que depois seriam espelhados na verdadeira epopéia
lunar. Em primeiro lugar, Verne aposta nos Estados Unidos como o país
capaz de empreender o esforço -uma previsão que, historicamente, se
mostrou correta. O escritor francês também percebeu que um projeto
dessa magnitude só poderia ser atingido a partir da canalização das
pesquisas bélicas para outros propósitos.
A história se passa após a Guerra Civil dos Estados Unidos. Em
Baltimore, os membros do chamado Clube do Canhão (entidade que
agregava todos os fabricantes e inventores de armamentos no país)
andavam cada vez mais entediados com o cessar-fogo e o fim dos
conflitos. Na falta de perspectiva de novos combates, seu presidente,
Impey Barbicane, decide iniciar um empreendimento que traria de volta
o velho ânimo aos afiliados da instituição: seu plano era enviar um
projétil até a Lua, usando o maior canhão já construído.
Os intrépidos cientistas bélicos começam então a estabelecer os
parâmetros para a construção desse artefato capaz de disparar um
projétil, grande o suficiente para ser avistado por telescópios, até a
superfície lunar. Consultando os astrônomos do Observatório de
Cambridge, constatam que seu canhão precisaria ter quase 300 metros de
comprimento. O projétil, para ser grande e ainda assim leve, deveria
ser oco e composto majoritariamente por alumínio. Os cientistas
consultados apontam que a ocasião ideal para o lançamento ocorrerá em
1º de dezembro do próximo ano, e a equipe do Clube do Canhão começa a
trabalhar freneticamente para construir os sistemas necessários.
Em meio aos trabalhos, surge um aventureiro francês, de nome Michel
Ardan, que propõe a Barbicane a troca do projétil original por um
outro, de sua criação. O objetivo é mandá-lo pessoalmente na viagem,
em seu interior. A proposta é recebida com entusiasmo, e Ardan se
torna um herói nacional. O único a se opor é o capitão Nicholl, um
velho desafeto de Barbicane. Pouco antes do lançamento, os dois
cientistas bélicos quase entram num duelo mortal, mas Ardan consegue
apaziguá-los e convencê-los a viajar com ele no projétil.
Na data planejada, o trio parte a bordo da cápsula, que é disparada
pelo gigantesco canhão, instalado na Flórida, por sua posição
geográfica favorável. O projétil acaba sendo desviado da trajetória
original e não atinge a superfície lunar. Em vez disso, é colocado num
vôo circunlunar, retornando à Terra alguns dias depois, fazendo um
“pouso” nas águas do oceano Pacífico. Os três heróis são resgatados e
a história do primeiro vôo até a Lua se torna um best-seller.
A quantidade de similaridades entre “De la Terre à la Lune” e o
Projeto Apollo, da Nasa, conduzido cem anos depois, é impressionante.
Podemos nos ater aos detalhes técnicos: o vôo acontece numa cápsula, a
dependência dos campos gravitacionais da Terra e da Lua para o sucesso
da missão é total, são três os astronautas a bordo, a decolagem
acontece na Flórida, o retorno se dá no oceano Pacífico, um dos
principais materiais escolhidos para a nave é o alumínio, o projétil
conta com um sistema de suporte de vida para a captação do gás
carbônico e a liberação de oxigênio para respiração, a viagem até a
Lua leva cerca de quatro dias, e assim por diante.
Mais do que isso, Verne conseguiu capturar na ficção o espírito e
os efeitos de uma jornada lunar. A natureza científica do
empreendimento, o esforço gigantesco, o orçamento estratosférico, a
mobilização de um país inteiro, o entusiasmo e a admiração
internacionais, e a possibilidade de ver, com os próprios olhos, a Lua
como um novo ambiente a ser explorado e ocupado.
Desde tempos imemoriais, a viagem à Lua nos foi apresentada como
uma tarefa sobre-humana, algo que não poderia ser atingido senão pelo
auxílio de deuses, criaturas sobrenaturais ou fenômenos naturais. Com
“De la Terre à la Lune”, a jornada passou a ser um desafio tecnológico
-e não surpreende que vários dos pioneiros da Astronáutica (Tsiolkovsky,
Goddard, Oberth, Von Braun, Korolev) tenham bebido nessa fonte. A rota
lunar se tornou um símbolo da conquista do espaço, um rito de passagem
definitivo para a humanidade — o ato simbólico de nossa conversão de
civilização terrestre a cultura cósmica.