O passado e o futuro da exploração espacial mostram que, afinal
de contas, ela vale a pena
Desde o ano 2000, quando começou a escrever sobre ciência para o
diário Folha de S.Paulo, o repórter Salvador Nogueira é um dos
jornalistas que mais tem se dedicado a levar os leitores para longe
das preocupações terrenas. A maioria das pessoas que se interessa por
astronomia ou exploração espacial certamente já deparou com sua
assinatura em reportagens sobre esses temas. Elas abrangem assuntos
desde o combalido programa espacial brasileiro até mirabolantes
especulações teóricas sobre o comportamento de buracos negros.
Em seus anos como "cosmorrepórter" (continuidade, claro, de um
fascínio juvenil pelas estrelas) Nogueira colecionou dezenas de
entrevistas com os mais influentes cientistas, engenheiros,
astronautas e administradores do ramo espacial. Um livro escrito com
base nesses arquivos poderia, em princípio, virar uma colcha de
retalhos, mas sua primeira empreitada de fôlego, Rumo ao infinito,
sai empacotada em um texto fluente e bem estruturado, também com
material inédito. Apesar de abarcar praticamente toda a história da
corrida espacial e os projetos de exploração para o futuro, o livro é
basicamente um manifesto em defesa de uma idéia: vale a pena explorar
o Universo.
Seria trivial defender as atividades da Nasa e de outras agências
isoladamente, apenas pelo entusiasmo empreendedor, mas o autor encara
tarefa mais amarga. Os presidentes americanos já deram o exemplo de
que nem sempre é fácil justificar o gasto de bilhões de dólares para
manter um punhado de astronautas na órbita da Terra. Imagine então
defender o lançamento de foguetes no Brasil após o acidente que matou
21 pessoas em Alcântara, em 2003.
Segundo Nogueira, o que nos faz enxergar a exploração espacial com
outros olhos é adotar uma perspectiva mais transcendente. Tomemos como
exemplo os asteróides. O autor mostra com dados consistentes que o
risco de um enorme bólido colidir com a Terra existe, apesar de ter
probabilidade ainda pouco conhecida. Cientistas à procura dessas
rochas errantes deixam claro que a ameaça de um grande impacto ainda
não é carta fora do baralho. Aliás, ao que tudo indica, é só uma
questão de tempo até que uma pedrona das maiores apareça em nossa
direção. Quem sabe, argumenta Nogueira, até lá o conhecimento
acumulado não permitirá alguma reação? Trabalhos científicos já
especulam que poderíamos, por exemplo, levar um motor de foguete até a
rocha assassina e desviá-la de sua rota. O livro mostra as idéias de
alguns pesquisadores sérios que já se ocupam desse problema, mostrando
quais são as soluções viáveis, seus prós e contras.
Pode parecer chantagem do autor apelar para a ameaça de catástrofe
com a intenção de propagandear seu objeto de entusiasmo, mas ele não
fica por aí. Há uma série de razões científicas para que mantenhamos
naves e pessoas no espaço, ainda que tudo isso tenha começado com
motivações militares pouco louváveis na Guerra Fria. O versátil
telescópio Hubble que o diga: ele não estaria operante hoje sem as
missões tripuladas de manutenção.
Ao longo do livro, Nogueira faz um bom retrospecto da história da
corrida espacial e consegue mostrar por que as coisas estão onde estão
hoje. Terminamos convencidos de que uma viagem tripulada a Marte é
também uma questão de tempo.
Além de previsões mais próximas, Rumo ao infinito apresenta
as especulações que a ciência faz para idéias como a colonização do
planeta vermelho. Antes de chegarmos lá, já existem cientistas
pensando em maneiras de modificar a atmosfera do planeta para torná-la
respirável e com temperatura mais quente. Ironicamente, idéias como
essa não parecem tão malucas se lembrarmos que estamos fazendo isso
com a Terra, ao agravar o efeito estufa.
A partir de determinado ponto, porém, a questão final passa a ser
outra. Depois de uma missão tripulada a Marte -- e talvez um ou outro
planeta do Sistema Solar --, sobraria algo realmente bacana, e viável,
para fazer? Ao final da obra, Nogueira envereda pelos trabalhos
científicos que especulam sobre a (remota) possibilidade de viagens
interestelares. Após esse salto de argumentação, fica mais difícil
levar o assunto adiante. Basta lembrarmos que a estrela mais próxima
da Terra está a mais de 4 anos-luz de distância. A essa altura, é
preciso apoiar os argumentos em tecnologias inexistentes, ainda que
possíveis, e no aproveitamento do efeito relativístico de encurtamento
do espaço para viagens de grande velocidade. Especular sobre esse tipo
de coisa provavelmente é inútil hoje, mas daqui a 1 bilhão de anos a
atividade do Sol deve ficar mais forte, e pode ser que precisemos
procurar outro lar.
Talvez por ser vidrado em ficção científica, Nogueira consiga
discorrer sobre esse tipo de idéia popularesca em relação ao espaço,
mas usando pesquisa séria como material. Cada vez que o autor se
coloca em um beco sem saída, uma entrevista com algum cientista rebate
o ceticismo, ou pelo menos adia o sepultamento de uma idéia. Se há
receio quanto à qualidade da informação, basta saber que o livro
recebeu o endosso do astronauta brasileiro Marcos Cesar Pontes, ainda
em treinamento na Nasa, e do astrônomo e divulgador da ciência Ronaldo
Rogério de F. Mourão.
A empreitada espacial, ao fim, pode não garantir a duração da
espécie humana pela eternidade, mas pelo menos não poderão dizer que
"partimos sem lutar", ou que não nos divertimos um bocado com a
ciência por trás disso tudo.
(Rafael Garcia)