Prefácio
Por Marcos Cesar Pontes
PARA MIM, O
LANÇAMENTO DESTE LIVRO sempre terá um significado muito especial.
Comecei a leitura
dos originais enquanto esperava a chamada para o vôo CO-93, sentado em
uma poltrona do saguão de espera do portão de embarque E-4 do
Aeroporto Intercontinental de Houston. Meu destino era São Paulo,
ponto de partida para mais uma “cruzada” pelo Brasil para demonstrar a
importância das atividades espaciais e a necessidade de providências
oficiais urgentes.
Não seria a
primeira delas, muito menos a última. Na verdade, desde que iniciei
meu treinamento de astronauta, em 1998, como representante brasileiro
no programa da Estação Espacial Internacional (ISS), tenho feito
minhas andanças para disseminar o máximo possível a noção de que é
muito importante ter um programa espacial. Não só pela natural sede de
conhecimento que sacia em todos nós, mas sobretudo pelo que pode
trazer de positivo e prático para a vida de cada brasileiro.
Ao longo de todas
essas jornadas, falar com a imprensa sempre foi um dos grandes
desafios. Aliás, é até engraçado. Quando você se prepara para ser
astronauta, pensa em todas as enormes dificuldades que precisará
enfrentar enquanto estiver no espaço — movimentar-se em
desconfortáveis trajes pressurizados, treinar sobrevivência nos mais
radicais ambientes, realizar caminhadas espaciais e reparos em órbita,
conduzir experimentos científicos, só para citar algumas delas —, mas
não se dá conta imediatamente das batalhas ferrenhas que terá de
enfrentar aqui embaixo, na Terra.
Confesso: a
dificuldade de lidar com jornalistas foi uma das coisas que eu
realmente não havia previsto quando comecei nesta carreira. No
princípio, essa se tornou uma das minhas grandes preocupações. Não só
pela minha inexperiência, mas pela observação de que, na maioria das
vezes, os repórteres designados para “cobrir a pauta” não tinham
nenhuma familiaridade com o assunto.
Portanto, minha
primeira entrevista com o jornalista Salvador Nogueira, ocorrida há
alguns anos, foi ao mesmo tempo marcante e tranqüilizadora. Além de
ser um profundo conhecedor e incentivador das atividades espaciais no
Brasil e no mundo, seus artigos para a Folha de S.Paulo têm
sido uma referência positiva em termos de conhecimento científico e
competência jornalística.
Nem é preciso dizer
que, ao longo desses anos, vez ou outra tivemos nossas diferenças de
opinião sobre um ou outro conceito aplicável ao programa espacial.
Contudo, essas diferenças são parte da saudável e produtiva discussão,
sempre essencial para determinar problemas e descobrir as melhores
soluções, em qualquer atividade.
Infelizmente, nem
sempre o debate com a imprensa e com os tomadores de decisão se dá
dessa maneira tão saudável e produtiva. Apesar dos ocasionais
sucessos, minha experiência pessoal mostra que o dia-a-dia do esforço
de divulgar os benefícios e as necessidades das atividades espaciais
no Brasil é repleto de bloqueios e dificuldades, amanhecendo na luz do
idealismo de poucos e anoitecendo na obscuridade do pessimismo de
muitos.
Exemplos positivos
que merecem destaque são vários, incluindo a participação brasileira
na ISS, cujas vantagens poderiam de imediato alavancar uma nova era no
programa espacial brasileiro. Apesar disso, o largo desconhecimento
sobre o tema resulta em inação, frustração e constrangimento: sete
anos de cooperação internacional já se passaram sem que nenhum
componente da estação fosse fabricado e exportado pela indústria
nacional. Fato que a cada dia colabora para deteriorar a imagem do
Brasil diante dos outros 15 países envolvidos no complexo, enquanto
questões administrativas e burocráticas consomem as energias e o tempo
das nossas autoridades.
Foi nesse estado de
espírito que comecei a navegar Rumo ao infinito. Comecei a
leitura exatamente num momento em que as dificuldades orçamentárias e
incertezas da administração brasileira sobre o projeto da ISS estavam
pesando forte sobre a minha motivação pessoal.
Então, algo
diferente, quase mágico, começou a acontecer. No aeroporto, as páginas
se passavam, uma após a outra, em um ritmo que aumentava
simultaneamente com a minha atenção, o meu interesse e a minha
satisfação. Aviões partiam do terminal e nele chegavam. Pessoas
caminhavam de um lado para outro. Quase perdi o embarque. Continuei a
leitura durante boa parte das nove horas e vinte minutos de vôo para
São Paulo.
A maneira como foi
escrita essa obra é algo realmente cativante. Diferentemente da
linguagem impessoal jornalística que todos estamos tão acostumados a
ler na imprensa especializada, Salvador nos convida aqui para uma
conversa bem-humorada. Um passeio pelo universo das atividades
espaciais por meio de uma coleção de dados pertinentes, apresentados
de modo agradável e em linguagem precisa e simples, permitindo uma
grande abrangência de público e a identificação imediata do leitor com
o assunto.
Essa característica
faz deste livro um marco na literatura disponível na área, pois com
ele se torna possível realizar uma das tarefas de maior importância no
cenário atual: trazer motivação e ao mesmo tempo informação correta
para os brasileiros. E assim popularizar a exploração espacial, um
aspecto primordial para o futuro da ciência e tecnologia no país.
O conteúdo do livro
é apresentado de maneira lógica e atraente, com texto distribuído em
duas linhas principais. Primeiro se destaca a seqüência cronológica,
partindo dos primórdios da relação do homem com as estrelas, passando
pela análise dos aspectos e características dos programas espaciais
atuais, para então chegar às possíveis realizações no futuro.
Em paralelo a essa
linha básica, pode-se observar o desenvolvimento das idéias que partem
da discussão dos conceitos intrínsecos ao ser humano como indivíduo,
sua motivação e suas considerações pessoais na busca eterna de
expandir seus limites, progredindo em direção aos desafios e às
aventuras pelos caminhos que ligam a superfície da Terra ao grande
universo desconhecido.
Essas duas linhas
seqüenciais não só facilitam a leitura, mas também introduzem uma
característica didática subliminar que, associada à linguagem
utilizada, também transforma este livro em um recurso educacional
excelente.
Na prática: é
difícil parar de ler!
Cheguei a Guarulhos
com um novo brilho nos olhos. De alguma maneira, aquelas páginas
recheadas de energia, otimismo e conhecimento haviam reacendido minha
motivação, aquela chama essencial de luta, a esperança pelo que somos
capazes de fazer juntos, como nação, pelo nosso programa espacial.
Foi assim comigo no
aeroporto e, com certeza, também será igual com a grande maioria dos
leitores.
Relembrando o
ambiente e os sentimentos que se desenvolviam em mim enquanto lia os
capítulos iniciais deste livro naquela noite no portão de embarque em
Houston, gostaria de ressaltar um fato que me chamou bastante atenção.
Do local onde
estava sentado, eu podia observar a fachada de uma livraria do outro
lado do saguão. Na vitrine, um cartaz retratando, ao longo de toda a
sua extensão, a superfície cinza de uma grande parede rochosa. De uma
pequena fenda na rocha, brotava uma persistente planta com uma flor
lilás. Sobre a imagem, a seguinte frase estava escrita em destaque:
“Nada poderá impedir os propósitos que Deus tem para você”.
Dizem que Ele
sempre apresenta as tarefas certas para cada um de nós e fornece, na
melhor hora, a ferramenta necessária para que cada uma delas seja
realizada. Este livro era a ferramenta, a motivação de que eu
precisava naquele instante. Espero que também seja, tal como para mim,
tão representativo para muitos leitores.
Por tudo isso,
agradeço ao jornalista Salvador Nogueira por ter escrito de forma tão
soberba esta obra e por assim ter compartilhado conosco um pouco de
sua contagiante paixão pelo tema. Ser convidado para escrever este
prefácio me encheu de orgulho e satisfação. Lisonjeado, agradeço
imensamente pela oportunidade.
Aos companheiros
leitores, desejo que este livro lhes traga ótimos momentos e que, além
do conhecimento e da motivação pelo nosso programa, ele também lhes
permita conhecer melhor essa pessoa competente e simpática que é o
Salvador, a quem eu tenho a honra de poder chamar de amigo.
Marcos Cesar Pontes é tenente-coronel da Força Aérea
Brasileira. Piloto militar e de provas e mestre em engenharia de
sistemas pela Naval Postgraduate School, em Monterey (Estados Unidos),
treina desde 1998 no Johnson Space Center da NASA como o primeiro
astronauta brasileiro. |