Rumo ao infinito
Salvador Nogueira possivelmente é conhecido por todos aqueles
interessados em astronomia, afinal é ele quem assina as matérias
referentes a este assunto escritas para o jornal Folha de S.Paulo.
Comecei a ler seu primeiro livro, que estou a resenhar, com certa
cautela. Se por um lado sou leitor já de longa data de seus artigos de
jornal, sabemos que escrever um livro é uma tarefa um "pouco" mais
árdua. Não raro bons articulistas não são felizes ao tentar escrever
uma obra de grande porte. Este sem dúvida não é o caso de Salvador
Nogueira.
Rumo ao Infinito tem uma prosa leve e fluente típica de um
jornalista, mas apresenta um monumental volume de dados, todos bem
explicados e dissecados. O resultado é um livro gostoso de ler e ainda
assim rigorosamente científico.
Em certo ponto da obra, Nogueira nos informa que Lowell, ao ler a
obra La planete Mars, de Camille Flammarion, considerou esta um
curso-relâmpago sobre o planeta Marte, uma vez que ali estava
compilado basicamente todo o estudo feito até o período sobre o
planeta vermelho. Sem dúvida podemos ver sobre a mesma perspectiva o
livro aqui resenhado, se trocarmos Marte pela conquista do espaço.
Poderíamos salientar o enorme esforço que o autor realiza ao
resumir esta grande epopéia em 400 páginas bem escritas, ou o fato de
o prefácio ser feito pelo nosso possível primeiro astronauta, Marcos
Cesar Pontes, mas vou aqui salientar alguns pontos mais polêmicos do
livro, e posso não ser totalmente imparcial, já que concordo em grande
parte com as afirmações do autor.
O autor começa por fazer uma longa defesa do uso pacífico do
espaço, opinião esta compartilhada pela imensa maioria dos cientistas,
mas certamente não compartilhada por Bush e os chamados
neoconservadores (ainda que eu não saiba o que eles querem conservar,
já que não dão a mínima para o futuro das gerações ainda por vir),
como bem salienta Nogueira caso os Estados Unidos persevere na
intenção de militarizar o espaço, podendo levar a China ou mesmo a
Rússia e a Europa a fazer o mesmo. Os aspectos nefastos desta opção,
tanto para o futuro da humanidade como espécie, quanto para a ciência,
são discutidos por Nogueira.
Estação Espacial Internacional, ISS, o maior e mais polêmico
projeto científico já feito em conjunto entre tantas nações, inclusive
com a nossa humilde e ainda assim atrapalhada participação
(atrapalhada não pela competência de nossos cientistas, devemos
salientar, mas pelas idas e vindas de nossos políticos na hora de
liberar o dinheiro). Suas possíveis contribuições cientificas são bem
polêmicas, e Nogueira não se furta a mostrar os prós e contras, mas
está a favor de sua construção. Cabe ao leitor verificar se concorda
ou não com ele. Eu fui convencido!
Turismo Espacial, para a maioria de nós, pobres coitados que mal
conseguem fazer turismo na própria Terra, gastar 20 milhões para ir ao
espaço é um sonho tão impossível quanto acertar os números da
mega-sena. Será mesmo?! Ao fazer uma emocionante e detalhada
comparação entre a história da aviação e da astronáutica, dando ênfase
à iniciativa de Peter Diamandis de criar o Prêmio X, Nogueira parece
nos dizer: "Ei cara! Não perca as esperanças, logo nós vamos embarcar
numa nave sem precisar ser astronautas ou desembolsar 20 milhões".
Afinal por que não? Ao ler este capítulo específico, ficamos
entusiasmados com a idéia, que até não parece tão distante assim.
Espero que o autor acerte em cheio suas previsões. Eu sem dúvida daria
um braço para estar numa nave destas.
Devemos voltar à Lua? Sim ou não. São duas respostas possíveis,
ambas têm seus defensores, como em todo o livro um volume
impressionante de informações (entrevistas com personalidades,
relatórios técnicos, livros, artigos científicos) é apresentado pelo
autor a fim de defender seu ponto de vista. Você quer saber se ele
defende ou não a colonização da Lua? Eu não vou dizer. Mas ele se
coloca a favor da expansão humana pelo Sistema Solar, você ou qualquer
outra pessoa realmente acredita que isso será possível sem a
colonização da Lua?
Depois da Lua, vem o quê? Se você pensou em Marte, acertou. O
Planeta Vermelho é uma constante há séculos no imaginário ocidental, e
sem dúvida continuará a ser por muito tempo. Devemos ir a Marte? E se
formos, afinal o que vamos fazer lá? Naves não-tripuladas poderiam
produzir os mesmos dados científicos por menor custo e sem botar vidas
humanas em risco? Sim, devemos ir a Marte! E vamos lá primeiramente
para descobrir se há vida extraterrestre por lá, e depois
possivelmente colonizar o planeta. Naves não-tripuladas são úteis num
primeiro momento, mas não poderão fazer todo o trabalho.
Bem mais do que se ater às respectivas idéias do autor sobre nosso
futuro em relação ao nosso vizinho vermelho, é bem mais proveitoso
acompanhar sua incrível capacidade de apresentar dados pró e contra
essas idéias, num volume estonteante de informações recentíssimas,
conseguidas em primeira mão, entrevistando os homens ligados aos
projetos de colonização humana de Marte. Você pode até não concordar
com a posição do autor, mas sem dúvida vai aproveitar muito os dados
por ele apresentados.
As estrelas, quem nunca se deliciou com esses imponentes pontos de
luz? Mas poderemos alcançá-las? Esta sem dúvida é a parte do texto
mais cara ao autor. Ele é incapaz de não ser cético, mas não tenta
esconder suas posições, apresentando as últimas hipóteses possíveis
para alcançarmos o espaço interestelar: vela solar, antimatéria,
fissão nuclear, buraco de minhoca, entre outras.
Entretanto, Nogueira vê com certas reservas as reais capacidades
destas tecnologias realmente saírem do papel, assim como a possível
existência de vida fora da Terra ou de planetas aptos a serem
colonizados. Eu realmente devo concordar que seus argumentos são muito
bons. Mas sou um otimista inveterado e gosto de acreditar em um
universo super populoso, cheio de planetas iguais à Terra e que
futuramente podem ser passíveis de colonização. Cabe ao leitor
refletir sobre as idéias apresentadas e tomar partido.
De qualquer forma compartilho com o entusiasmo do autor pela
conquista do espaço, afinal se não pelo bem da ciência, pelo menos
para nos mantermos vivos como espécie, uma vez que os dinossauros já
foram extintos por um meteoro, e nós podemos ser os próximos. Um
programa espacial realmente forte e desenvolvido com a parceria de
diversas nações pode ser a diferença entre a permanência ou não de
nossa civilização por mais alguns milhares de anos.
Ao ler este impressionante livro, não temos dúvida de que nosso
futuro está muito além deste pequeno planeta. Mas Nogueira é realista,
vício de jornalista, por isso insiste sempre que se vamos realmente ao
espaço para ficar, devemos trabalhar em conjunto, ou nossa ida a Marte
pode acabar como a breve presença americana na Lua. Um ótimo marketing
político, mas cancelado quando a ciência realmente começava a ser
feita. É sintomático que, quando enviaram um cientista, tenham
cancelado logo em seguida o programa. Afinal o interesse era fazer
política e não ciência. O problema é que na primeira os resultados
devem ser imediatos e na segunda estes tendem a ser de longo prazo.
Em outras palavras, a conquista do espaço demanda tantos recursos
que Nogueira é taxativo, com os parcos recursos destinados hoje aos
programas espaciais. É mais fácil acabarmos como os dinossauros do que
como Kirk e Spock a bordo da Enterprise.
Pelo menos o leitor poderá fazer sua própria viagem de primeira
classe, a bordo da nave mais fantástica já inventada pelo homem, o
livro, e viajar ao lado de Salvador Nogueira. Boa leitura!
Edgar Indalecio Smaniotto é filósofo e cientista
social (mestrando), pela UNESP de Marília. Astrônomo amador e escritor
de ficção científica, publicou recentemente o conto: Parasitas
(In: Perry Rhodan. Belo Horizonte: SSPG, 2004. V. 21), edição
brasileira de livros alemães.