Texto da orelha
Às 16 horas e 45 minutos do dia 12 de novembro
de 1906, no discreto campo de Bagatelle, no Bosque de Boulogne, em Paris,
algo de novo aconteceu. Pela primeira vez um artefato mais pesado que o ar
construído pelo homem, um avião, levantava vôo por seus próprios meios,
deslizava no ar e pousava, percorrendo mais de 100 metros de distância. Uma
demonstração pública, diante de uma comissão julgadora cuidadosamente
escolhida por um organismo internacional. A partir deste momento, ficou
claro que uma nova sociedade se anunciava. A técnica associada ao método
científico trazia produtos novos para uma sociedade que gerava riqueza.
Os nomes de Alberto Santos-Dumont e de seu aparelho, o 14bis, estão marcados
nos anais da história da técnica.
Mas não só eles. Junto, correndo na mesma pista, aparecem outros nomes. Os
irmãos Orville e Wilbur Wright, fantásticos inventores americanos com mais
de dois mil vôos planados, em 17 de dezembro de 1903 anunciavam ter
conseguido voar, e nos dois anos seguintes comunicaram vôos cada vez
maiores. Os franceses Blériot, Voisin e Esnault-Pelterie lutavam para
realizar o sonho de chegar a um avião capaz de decolar e voar. Mas a
história da invenção do avião também tem a participação de cientistas, como
Kelvin, Rayleigh e outros homens que, distantes do campo de provas,
analisavam as condições dos vôos. Além deles, um sem-número de engenheiros,
inventores, aventureiros, se atiravam alucinados na aventura do vôo, e com
eles, interessados em um futuro mercado que se abria, muitos magnatas,
mecenas, financiadores, exércitos e governos de várias nações. Muito
dinheiro foi investido. E não é para menos; todos, naqueles últimos anos do
século XIX e primeiros anos do século seguinte, sabiam que o vôo dirigido
teria um papel de transformar as políticas e economias de todo o mundo. Sem
ainda o saberem, estavam iniciando um período que acabou recebendo a alcunha
de globalização.
Salvador Nogueira constrói uma história com elementos romanceados mesclados
aos dados que os documentos históricos preservaram. Como escritor, toma
partido. Seu livro não é uma análise acadêmica e contida. Quando tem que
inventar, inventa. Quando precisa de uma fonte histórica, utiliza-a, pois a
história do vôo humano é tão cheia de personagens fantásticos que muitas
vezes nem mesmo é preciso recorrer à ficção. E é uma história que tem como
protagonistas pessoas que mantêm um segredo, um enigma: Quem foram eles? O
que pensavam? O que faziam fora dos faróis da aventura?
Os mais importantes, aqueles que podem reivindicar a primazia da invenção,
são sem dúvida o brasileiro Alberto Santos-Dumont e os irmãos
norte-americanos Orville e Wilbur Wright. A disputa entre eles tornou-se
histórica. Mas outros nomes aparecem, como o do francês Clément Ader ou o do
russo Alexander Mozhaisky, por exemplo.
Salvador Nogueira voa nesse emaranhado de egos, de humores, de competições e
disputas, e dá a sua versão, que permite ao leitor compreender um pouco da
extravagante criatividade daqueles homens voadores, e conhecer um pouco mais
da dificuldade de se falar em um único inventor do avião. A aviação nasce da
troca de informação, da interação entre grupos e da contribuição que cada um
deixa como herança para os outros. E aí, a partir desta visão mais ampla da
inovação, que flui para toda a sociedade, a figura de Santos-Dumont
sobressai.
Henrique Lins de Barros
Pesquisador titular do Centro Brasileiro
de Pesquisas Físicas (CBPF/MCT) |