Folha de S.Paulo
2 de setembro de 2006
Jornalista retoma a disputa sobre
paternidade da aviação
FLÁVIO DE CARVALHO SERPA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Em 2002 o Congresso dos EUA cassou de
Alexander Graham Bell a paternidade da invenção do telefone, devolvendo-a ao
italiano Antonio Meucci, reparando uma injustiça que durou 113 anos. Em
"Conexão Wright-Santos-Dumont", o jornalista Salvador Nogueira mostra porque
não se deve esperar dos americanos generosidade semelhante em relação a
Alberto Santos-Dumont, preterido na paternidade da invenção do avião em
proveito dos irmãos Orville e Wilbur Wright.
Nogueira, jornalista especializado em
tecnologia, tenta purgar para os leitores brasileiros o chauvinismo que
envolve a questão -o Brasil é o único país onde Santos-Dumont é considerado
o pai da aviação. A pista para a decolagem do mais pesado que o ar, segundo
Nogueira, estava pavimentada de arapucas legais tão complicadas quanto os
desafios tecnológicos. Para agravar, uma acesa batalha de egos e intrigas
torna a obra, escrita na forma romanceada, uma leitura cativante.
A raiz de toda confusão seria o sistema de
patentes, uma profunda paranóia americana que contaminou todo o mundo. A
verdadeira história da invenção do avião acaba sendo um capítulo dramático
da batalha das patentes. Os irmãos Wright mantiveram em segredo as provas de
terem voado bem antes do brasileiro, como ficou provado posteriormente, para
evitar a espionagem industrial.
A obsessão com o sistema foi tão longe que
eles acabaram infernizando a vida de todos os inventores posteriores com
suas patentes muito abrangentes. As pendengas só acabaram com um mal pior: o
governo americano suspendeu-as para limpar o caminho no esforço de guerra.
Uma falha do texto é a salada de sistemas
de medidas. Um vôo de 200 jardas é muita ou pouca coisa? Uma envergadura de
asas de 18 pés é enorme? O mesmo para os valores monetários: 1 milhão de
francos cobrados pelos irmãos Wright por um avião ao governo francês era uma
exorbitância?
Ao final de "Conexão" emerge um
Santos-Dumont quase patético no seu purismo humanista, ao contrário da maior
parte dos inventores que perseguia o promissor mercado de máquinas de
guerra. Ele distribuía os prêmios que ganhava entre seus mecânicos e os
pobres de Paris e nunca patenteou os planos de seus aeroplanos. A idéia de a
invenção do avião servir ao morticínio das guerras atormentou Santos-Dumont
e apressou o final trágico de sua vida. Talvez seja esse humanismo, afinal,
a mais indelével e incontestável grandeza do brasileiro. |