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Quando os Vulcanos Chegaram

"Jornada nas Estrelas - Primeiro Contato" mostrou o encontro da tripulação da Enterprise-E de Jean-Luc Picard com os Borgs e sua tentativa de evitar o contato dos humanos com os Vulcanos. Em razão da tecnologia da dobra espacial ter sido alcançada pelo doutor Zefram Cochrane (James Cromwell), os Vulcanos resolveram estabelecer comunicação direta com a Terra em terceiro grau, por avaliarem ter a espécie humana "evoluído" satisfatoriamente a ponto de conhecer outras espécies.

A consequência deste contato seria a criação da Federação Unida dos Planetas, quase um século depois, juntamente com outras espécies como os tellaritas, os andorianos etc. No século 24 os Borgs atacam a Terra, voltam no tempo e assimilam toda a sua população. A única saída foi Picard voltar no tempo perseguindo a esfera Borg sobrevivente da batalha no Sistema Solar, a fim de desfazer o dano.

Os encontros de Picard com os Borgs já tinham surtido efeito negativo desde a batalha de Wolf 359, onde quase toda a Frota Estelar foi destruída com a ajuda involuntária do capitão, então assimilado e transformado em Locutus, um poderoso membro da coletividade Borg.

Mais do que qualquer outro, Picard se sente responsável e capacitado para deter os adversários com a ajuda de seus oficiais e do comandante Worf (então subordinado ao capitão Benjamin Sisko, de Deep Space Nine), comandando a Defiant.

Nave nova, uniforme novo, a trama se desenrola em duas linhas de ação, como se tornou comum no seriado de televisão. Enquanto o grupo avançado comandado pelo primeiro oficial William Riker tenta ajudar o doutor Cochrane a decolar com a Phoenix no vôo experimental de dobra para ser avistada pelos Vulcanos, Picard tenta deter a assimilação da Enterprise pelos Borgs, que já haviam formado uma colônia e construíam um sinalizador de grande potência na nave para se comunicarem com o seu lugar de origem.



Para que as intenções de Picard e Riker dessem certo, eles tinham de contar com o apoio de Cochrane, na superfície, e de Lily (Alfre Woodard), sua amiga, a bordo. Ambos se espantam com a Frota e duvidam inicialmente de seus objetivos porque vivem um período bastante tumultuado. A situação da humanidade é de frangalhos por conta da guerra que envolveu todos os povos do planeta nos séculos 21 e 22.

Mas é a presença sensualíssima da Rainha Borg (Alice Krige) e seu envolvimento como andróide data e o capitão Picard que se tornam o fio condutor para o desfecho bem-sucedido da aventura.

Picard e Data já tinham se tornado os principais personagens da Nova Geração, segundo o que Rick Berman (produtor-executivo) já tinha estabelecido, apesar de os créditos apresentarem Picard e Riker como os personagens principais.

A liderança natural de Picard foi mantida, mas o segundo lugar de destaque foi conquistado pelo andróide em função do grande trabalho de interpretação de Brent Spiner ao longo da série e do filme anterior.

Jonathan Frakes, que interpreta Riker, se saiu muito bem como diretor de bons episódios e por isso foi convidado por Berman a aceitar o desafio de dirigir e atuar no filme, conforme ocorreu anteriormente com Leonard Nimoy e William Shatner.

O filme seguiu uma característica de violência explícita, necessária no contexto dos Borgs, mas adotada pelo sucesso que faria com o público. Por esta razão, há muitas cenas de batalha, perseguição e briga, apresentadas de modo equilibrado por Frakes.

Ele resolveu inovar mostrando como seria a visão dos Borgs, utilizando câmeras de grande angulação. As tomadas tanto no espaço como na superfície são caprichadas através da representação dos personagens e dos efeitos especiais, resultado da longa convivência de trabalho.

Como é do seu estilo, apesar do perigo, há boas doses de humor nos diálogos e o seu sentimento foi de grande alegria e prazer por ser feito um bom trabalho, segundo as entrevistas.

Algumas cenas são memoráveis, como a abertura que termina no fundo do olho e da alma de Picard, a batalha da Enterprise e da Defiant no espaço, a luta contra a construção do sinalizador no exterior da nave, a montagem da rainha borg e a excitação provocada em Data, a cena do "holodeck", quando Picard revive seu ídolo Dixon Hill, e o confronto de Lily e Picard citando o capitão Ahab, de "Moby Dick".

Isso sem falar em uma brilhante ponta feita por Robert Picardo (o Doutor de Voyager), aparecendo como um programa holográfico médico de emergência recém-instalado na Enterprise. Outro ator de Voyager que faz uma ponta no filme é Ethan Phillips (Neelix), no papel de recepcionista, dentro do programa de holodeck de Dixon Hill.

Picard está mais bravo e metido a lutador. Deve ter sido por causa do seu encontro com Kirk no filme anterior. Na superfície da Terra, vale lembrar o primeiro diálogo da tripulação com um Cochrane desconfiado e arredio, o desembarque da nave auxiliar Vulcana, o "rock'n roll" da vitrola e a citação visual a "Jornada nas Estrelas V - A Última Fronteira" no acampamento de Montana.

É importante dizer que na conversa com Cochrane com a tripulação é pronunciado pela primeira vez o nome "Jornada nas Estrelas" num episódio ou filme. A interpretação de Cromwell caiu muito bem para um personagem que é famoso na história da Federação como um grande cientista e ídolo de muita gente, como os engenheiros La Forge e Barclay.



Ao mesmo tempo que é um homem venerado, quer ser tratado como um outro qualquer. Fazendo uma comparação com o Zefram Cochane interpretado por Glenn Corbett em "Metamorphosis", da Série Clássica, a diferença é significativa. Isso é para lembrarmos que os grandes heróis são tão virtuosos ou defeituosos como os outros humanos.

Também, lembro aqui de uma das melhores frases que sintetizam o espírito de Jornada, dita de Picard para Lily: "Dinheiro não existe no século 24... a aquisição de fortuna não é mais uma motivação para nós. Procuramos nos melhorar e ao resto da humanidade".

A participação do elenco coadjuvante foi das mais equilibradas, cada qual com seus momentos de glória, mas não tivemos a presença de Guinan (Whoopi Goldberg). Os produtores anunciaram a presença de um personagem homossexual, não-explícito, o que recai nossas suspeitas sobre o tenente Hawk.

O filme foi muito bem recebido pelo público e pela crítica, gerando uma maravilhosa fatura de bilheteria e ajudando a alimentar mais uma vez a máquina de sonhos da Paramount e as possibilidades de sucesso no cinema e nas versões televisivas de então: Deep Space Nine e Voyager. A história de Rick Berman, Ronald Moore e Brannon Braga, a música de Jerry Goldsmith e os cenários de Herman Zimmermann foram muito bons. Resistir foi inútil.

No final do filme, eu, Luiz Cláudio (colunista do TB) e a turma do saudoso Jetcom saímos do cinema sorrindo, uivando de alegria e batendo palmas. A Nova Geração enfim provou que poderia ser tão boa nas telas quanto na televisão. Estava tudo indo bem até que um pouquinho de poeira estelar entrou nas naceles e fizeram a nave engasgar um pouquinho na sua próxima aventura na tela grande.


Cláudio Silveira escreve regularmente sobre os filmes com exclusividade para o Trek Brasilis